A Proposta de Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior de Angola começa a ser discutida, na generalidade, pela Assembleia Nacional, a 22 deste mês. De iniciativa legislativa do Titular do Poder Executivo, a Proposta de Lei já foi aprovada pelo Conselho de Ministros. É uma lei populista e inconsequente que, no máximo, vai parir um rato anão e castrado.
Por Orlando Castro
A mesma visa permitir que os cidadãos nacionais residentes e as empresas com sede no país que tiverem recursos financeiros no exterior os repatriem de forma voluntária.
A esse respeito, o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, informou, recentemente, que o Executivo Angolano vai conceder 180 dias para permitir que os cidadãos nacionais repatriem os recursos financeiros ilicitamente domiciliados no exterior do país.
Os 180 dias, segundo o Governador do Banco Central, são aplicados ao capital que tenha saído do país sem respeitar as normas e regras vigentes.
Esta ideia de João Lourenço é, no contexto de um país rico que ao longo de 42 anos não produziu riquezas mas apenas alguns milionários, motivo de satisfação, sobretudo dos 20 milhões de pobres que os sucessivos desgovernos do MPLA geraram.
O governo vai, ao que diz, obrigar os angolanos que ao longo dos anos levaram muito e muito dinheiro para o estrangeiro, já quase todo branqueado nas enorme lavandarias europeias, a trazerem para o país todos esses milhões. Se o fizerem voluntariamente, no espaço de seis meses após a publicação da lei em Diário da República, não terão de explicar a sua origem e até poderão beneficiar de um diploma de beneméritos…
Pode ser dinheiro roubado, pode ter origem em actos de corrupção, de contrabando, de tráfico, de apoio ao terrorismo. Mas tudo isso não conta desde que o regresso se faça de forma voluntária. Ou seja, o ladrão, o corrupto, o contrabandista, o traficante, o terrorista passará logo à categoria de cidadão impoluto e honorável.
É uma medida populista que, exactamente por isso, merece muito mais aplausos do que críticas. E como acontece num período de vacas esqueléticas, o branqueamento económico e político ajuda à festa.
Se os angolanos têm fome (e têm mesmo), pouco importa a origem da fuba, do farelo, ou da mandioca que lhe prometem. O importante é mesmo que a comida chegue.
Do ponto de vista desses “patriotas” que estejam interessados em fazer retornar as pipas de dólares, até pode ser um bom negócio. É que, para além do perdão criminal, os investimentos que fizerem em Angola poderão ser mais rentáveis do que os feitos, por exemplo, na Europa. Além disso, como são todos bons conhecedores do ADN do MPLA (que para além de estar no poder há quase 43 anos por lá quer continuar mais 57), sabem que em caso de crise podem voltar a fazer a viagem em sentido contrário.
O cenário seria diferente se, com os mesmos actores, Angola fosse o que ainda não conseguiu ser: um Estado de Direito Democrático. Não sendo, nem sendo previsível que o seja nos próximos anos, a perspectiva dessa malta que tem o dinheiro lá fora é trazer algum, investir, lucrar e manter o avião de regresso pronto a descolar.
Como é possível saber-se se esse dinheiro colocado no estrangeiro é limpo/legal? Não é possível. Alguém se atreverá a investigar, por exemplo, se os milhões que a Sonangol canalizou para o Millennium BCP são, ou foram, legais? Ninguém. Além disso, durante décadas, o Presidente “escolhido por Deus” (José Eduardo dos Santos) deu cobertura legal às negociatas, estribado que estava nas leis angolanas que mandou fazer à medida e por medida.
E se este e milhentos outros investimentos no estrangeiro foram feitos, hipoteticamente, de forma moral e eticamente criminosa, mas legalmente cobertos, que legitimidade tem João Lourenço para querer que os seus detentores o tragam para Angola?
Regressando ao exemplo da Sonangol, que é uma empresa do Estado, João Lourenço vai dar ordens a Carlos Saturnino para vender as participações da petrolífera e trazer o dinheiro para Angola?
Como, supostamente, o exemplo deve partir dos altos dignitários do regime, iremos ver o ex-presidente da Sonangol e ex-presidente da República, Manuel Vicente, a ser intimado para vender os seus apartamentos em Lisboa e a trazer o dinheiro para cá?
Não. Não será nado disso. Serão apenas os casos dos que desviaram ilegalmente o dinheiro? Quem vai definir o que foi desviado legal e ilegalmente? E mesmo que alguém o defina, como contornará a Lei n.º 11/2016, de 20 de Julho, que sabiamente amnistiou todos os crimes onde cabe a matéria de facto inerente a estes crimes? “São considerados válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo de lei competente”, diz o Artigo 62 da Constituição.