Ngundo ufua, ngundo ke monho

Os activistas dos direitos humanos detidos em Cabinda desde 7 de Dezembro foram libertados esta segunda-feira, 10 de Dezembro, por não se ter encontrado elementos suficientes do crime de sedição de que eram supostamente acusados pelas autoridades de Cabinda. O Procurador considerou que a manifestação era lícita, já que os arguidos tinham seguido todos os trâmites legais.

Por José Marcos Mavungo (*)

Do ponto de vista da legalidade, os activistas, que tanto quiseram que a manifestação contra o índice elevado de desemprego em Cabinda tivesse lugar, cumpriram o seu dever de notificação a autoridade administrativa (neste caso, o Governador de Cabinda), no dia 5 de Novembro do corrente (portanto, um mês e dois dias antes de 8/12/2018, a data da manifestação).

“Os agentes da Polícia Nacional apareceram, prenderam-nos e ficaram com todos os nossos pertences – carro, computadores, telefones, mochila, carteira, cinto e projector”, disse José Nelson Liambo Tati no dia da soltura (10/12/2018). Não lhes foi apresentado qualquer Mandado de Captura e nada consta que tivessem sido apanhados em flagrante delito, já que distribuir panfletos e mobilizar a população para uma manifestação já anunciada às autoridades não constitui crime.

Não podemos ter grande contenção crítica porque o que está aqui em causa é o Direito de Reunião e das Manifestações (Lei n.º 16/91 de 11 de Maio) no Estado de Direito Democrático angolano. Todos são iguais perante a lei – e nenhum poderoso, seja qual for a sua província ou estatuto cívico e político, tem mais direitos do que os restantes cidadãos perante o escrutínio da Justiça.

Diante desta situação, penso que, num Estado de Direito Democrático, se deveria instaurar acções no Tribunal de Justiça contras as autoridades de Cabinda, levando-os a indemnizar os cidadãos injustiçados e a submeterem-se às penas estipuladas na lei pela violação da Constituição. Mas, punir autoridades e forças que garantem a segurança do regime «en place» (se é que não receberam ordens superiores), é provocar a desestabilização do poder do novo Presidente de Angola.

Por esta razão, João Lourenço vai levando ao colo as forças de segurança e muitos dignitários do regime (caso de Manuel Vicente), apesar de tantos casos conhecidos sobre corrupção e assassinatos de pacatos cidadãos (e.g. caso dos autores morais do assassinato de Alves Kamulingue e Isaías Cassule), impedindo assim o cumprimento da lei e o funcionamento normal das instituições de justiça.

Vê-se claramente que estamos em face de um processo montado, uma acção judicial farsesca, em que o cidadão no exercício dos seus direitos de cidadania é detido arbitrariamente (pelo «simples fait du prince», como se diz em França), e se viola a lei de Reunião e das Manifestações. E as tímidas manifestações permitidas em Luanda, que marcam esta época de encontros de João Lourenço com activistas críticos do regime, estão longe de constituir evidência de mudanças autênticas em Angola.

Observe-se, o regime só permite timidamente manifestações em Luanda, que é o espelho do país, pois que, na capital, estão as representações diplomáticas e da imprensa internacional, e os únicos jornais da oposição.

O Jornal de Angola e os seguidores do novo poder instalado em Luanda liderado por João Lourenço dirão certamente com a sua habitual retórica nacionalista pan-africana que em Angola já se respeita a liberdade de Reunião e de Manifestação, que já há abertura e diálogo com a oposição (civil e política), que já não existe o Sr. Ordens Superiores (ou o seu fantasma), tendo sido declarado morto nas últimas eleições presidenciais e enterrado em Luanda (donde era natural), por ocasião do último congresso extraordinário do MPLA, que chegou a era da Perestróica, e que está acabando a corrupção e o afro-estalinismo vigente em Angla nestes últimos 43 anos.

Na verdade, as mudanças no sentido de se acabar com a corrupção, a má governação, as interdições, as perseguições republicanas, os abusos de poder, estão longe de ser realidade em Angola. Por esta razão, os jovens furiosos por estes 43 anos de saque de um país com grandes potencialidades, acabando por reduzir as populações a uma pobreza abjecta, já não sabem conter-se. Eles são a sua própria dor.

João Lourenço sabe que os homens do «regime en place» chegaram ao cúmulo da desgraça, depois de se perderem pelo excesso da sua loucura nestes 43 anos de governação perversa do MPLA, que deixa o país em ruínas. Assim, preso deste passivo, que persegue todos os homens do regime sem evasão possível, já que um homem não pode «esconder fogo no seu seio, sem que as suas vestes se inflamem» ( Pr 7, 27), o novo Presidente de Angola está longe de se engajar em reformas profundas, a sua intenção é óbvia: desmantelar a influência do seu antecessor e da sua família biológica, salvar o partido e os amigos, e consolidar o poder.

Os casos ilustrativos desta estratégia são tantos que o presente artigo seria demasiado longo para ser publicado. Nos limitaremos apenas a alguns.

Do já notável programa de combate à corrupção, por exemplo, somos forçados a constatar que nada mais se viu do que a detenção do filho de José Eduardo dos Santos (JES) por alegada transferência ilícita de 500 milhões que terão sido desviados do Fundo Soberano de Angola, a prisão e a investigação de figuras menores (e.g. Augusto da Silva Tomás e Rui Manuel Moita) e a retórica revestida de sensacionalismos (colorida, é certo, mas vazia) contra JES e o saque do seu governo.

Além disso, as pressões desrespeitosas de João Lourenço sobre a Justiça e o Estado Português no caso Manuel Vicente, que subornou um procurador português, e a pouca acção sobre as imensas fortunas conquistadas por inúmeros titulares de cargos políticos e militares, tudo isto são indícios de que temos ainda fardas de ordens superiores, no lugar de quem deveria administrar a justiça de maneira imparcial.

Portanto, uma administração efectiva da Justiça em Angola, livre de pressões políticas e militaristas, ainda falta muito. Não existem ainda reformas significativas em Angola, em especial a nível do funcionamento das instituições da administração da justiça em Cabinda.

Por isso, há uma conclusão óbvia a retirar da detenção dos activistas: impedir a organização da manifestação em Cabinda, como sempre foi o caso nestes últimos 13 anos em Cabinda, a última manifestação permitida foi no dia 31 de Janeiro de 2005, por ocasião dos 120 anos do Tratado de Simulambuco.

E isto, sobretudo que Cabinda, território com Estatuto Especial, submetido a uma governação própria a um estado colonizado, continua uma espinha retardada em Angola. Nas intenções de João Lourenço para Cabinda, a manutenção do status quo herdado de uma colonização desastrosa constituí o seu programa de acção por excelência.

Pelo que os activistas sociais e as redacções dos diários têm que fazer mais, e não esperarem pelos yens e bitcoins. «Morreu o déspota, viva o déspota» (Ngundo ufua, ngundo ke monho, como se diz em ibinda).

(*) Activista dos Direito Humanos

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