“Depois de mim virá quem de mim bom fará”. Será mesmo?

João Lourenço vai ascender no sábado a presidente do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, acabando com praticamente um ano de “bicefalia” na liderança do país, reforçando a margem para aprofundar reformas económicas e políticas. Muitos acreditam que irá, agora, fazer o que ainda não fez: governar o país. Pelo menos fica sem essa desculpa chamada José Eduardo dos Santos.

Actual chefe de Estado, vencedor das eleições fraudulentas e opacas de Agosto de 2017 que deram a vitória ao MPLA e ao seu cabeça-de-lista, João Lourenço estará como vice-presidente do partido até sábado, dia do VI Congresso Extraordinário do partido, que certificará o fim da era José Eduardo dos Santos, líder do partido desde 1979.

Mentor de muitas e inesperadas mudanças políticas e económicas em 11 meses, com exonerações em catadupa e criação de comissões para tudo e mais alguma coisa, João Lourenço ainda não falou sobre o que será o futuro, mas alguns observadores angolanos (dos que subscrevem a passagem de Eduardo dos Santos de bestial a besta) admitem que ao assumir os dois cargos – líder do partido e chefe de Estado -, as reformas em Angola irão mais longe.

A dois dias do congresso, desconhece-se, ainda, quem irá assumir o seu lugar de vice-líder do partido e de secretário-geral, actualmente ocupado por Paulo Kassoma.

Teoricamente reformador, João Lourenço tem tentado de várias formas (até mesmo seleccionando alvos familiares e bajuladores do anterior Presidente da República, dos quais fez parte) mostrar-se diferente de José Eduardo dos Santos – Presidente de Angola entre 1979 e 2017 – e tem recorrido a alterações na nomenclatura do Estado sem a aparente consulta ao ainda líder do MPLA (com quem, aliás, tinha assumido esse compromisso), esperando-se, agora, mudanças profundas no aparelho de um partido que esteve sempre no poder desde a independência do país, em 1975.

Empossado a 26 de Setembro de 2017 como terceiro Presidente de Angola (Agostinho Neto foi o primeiro, entre 1975 e 1979, e José Eduardo dos Santos o segundo), João Lourenço segue os mesmos passos que os seus antecessores também no MPLA, tornando-se o terceiro líder, quase nas mesmas datas e igualmente estribado na regra de ouro que “o MPLA é Angola e Angola é o MPLA”.

João Lourenço tem vindo a desafiar a liderança no partido do ex-Presidente da República, ao retirar vários negócios e cargos aos filhos daquele, nomeadamente Isabel do Santos e José Filomeno dos Santos, mas também a outras figuras próximas a José Eduardo dos Santos. Aliás, muitas das suas exonerações revelam um acerto de contas pessoal, criminalizando todos aqueles que tenham ligações familiares directas e Eduardo dos Santos.

Primeiro Presidente angolano a chegar ao cargo sem ter combatido na guerra colonial, o general e ex-ministro da Defesa, de 64 anos, nasceu a 5 de Março de 1954 no Lobito (província de Benguela). João Manuel Gonçalves Lourenço, popularmente conhecido por “JLo”, construiu, porém, uma parte do seu percurso no MPLA de arma na mão.

Apesar de não ter chegado a combater directamente o regime português – acabara de completar 20 anos quando se dá a “Revolução dos Cravos” em Portugal (25 de Abril de 1974) -, viveu a oposição ao colonialismo ainda criança, ao ver o pai detido na cadeia São Paulo, em Luanda, entre 1958 e 1960, acusado de actividade política clandestina, enquanto enfermeiro do porto do Lobito.

Pouco antes da proclamação da independência angolana, feita em Luanda, pelo MPLA, e no Huambo pela UNITA e FNLA, a 11 de Novembro de 1975, João Lourenço inicia a carreira militar na República do Congo, tendo feito a sua primeira instrução político-militar no Centro de Instrução Revolucionária de Kalunga.

Hoje general na reforma, e até Julho de 2017 ministro da Defesa Nacional, João Lourenço integrou o primeiro grupo de combatentes do MPLA que entraram em território nacional via Miconge, em direcção à cidade de Cabinda, após a queda do regime ditatorial português.

Depois de participar em vários combates na fronteira norte, no período de guerra civil que se seguiu à proclamação da independência, João Lourenço ainda fez formação em artilharia pesada e exerceu funções de comissário político em diversos escalões, antes de partir para a então União Soviética.

É nesse processo de qualificação das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) que, entre 1978 e 1982, reforça a sua formação militar, além de obter o título de mestre em Ciências Históricas, pela Academia Político-Militar V.I. Lenine.

De novo em Angola, assume, entre 1982 e 1990, vários cargos militares, envolvendo-se em diversos combates contra as FALA (forças da UNITA), sobretudo no centro do país, até ascender a general das FAPLA.

Começa então um percurso político dentro do MPLA que o levaria até secretário-geral do partido, entre 1998 a 2003.

Com José Eduardo dos Santos a anunciar a intenção de deixar o poder com o fim do conflito armado (2002), João Lourenço posicionou-se na corrida à sucessão, o que lhe valeu uma longa travessia no deserto, depois de o então Presidente decidir manter-se no poder. Começou aí a germinar um acerto de contas, ora consumado, dizem alguns militantes do MPLA que não saltaram a barricada com a saída de José Eduardo dos Santos.

A reabilitação política aconteceu em Abril de 2014, quando é nomeado por José Eduardo dos Santos para ministro da Defesa Nacional, culminado com a eleição, em congresso, em Agosto de 2016, como vice-presidente do MPLA, antecedendo a sua entrada, por proposta pessoal de Dos Santos, na corrida eleitoral para chefe de Estado angolano.

João Manuel Gonçalves Lourenço é casado e pai de seis filhos, tendo como passatempo a leitura, o xadrez, e a equitação e é apaixonado pelas novas tecnologias de informação.

Balancete da CASA-CE

O vice-presidente da CASA-CE, segunda força política da oposição que o MPLA permite que exista, reconhece o contributo de José Eduardo dos Santos para a paz em Angola, mas, pesados os feitos, a balança pende para o que “fez de ruim”.

Lindo Bernardo Tito comentava os 39 anos de liderança política de José Eduardo dos Santos, dizendo que esta mudança não constitui uma “transição”, mas sim uma “sucessão”, tendo em conta que as “transições são feitas assentes em bases de princípios democráticos”.

Segundo Lindo Bernardo Tito é preciso, contudo, reconhecer que José Eduardo dos Santos “contribuiu positivamente” para Angola.

“Assumiu as funções aos 37 anos. Vai sair da vida política com muito mais de 70 anos [tem 76]. E fez muito. Essencialmente foi aquele que trabalhou para assegurar a estabilidade política, a paz e começou a trabalhar para a reconciliação nacional, que é uma obra não terminada”, referiu.

Apesar de terem sido essas “as grandes questões” que José Eduardo dos Santos contribuiu para o país, “há que reconhecer que, numa balança entre o que fez de bom e o ruim que ele fez, a balança pende para aquilo que ele fez de ruim”.

Para o dirigente da CASA-CE, José Eduardo dos Santos deixa “um país numa situação extremamente difícil”.

“Hoje, todos nós estamos convictos de que a propaganda que dizia que o país tinha rumo, afinal, não tinha. Estávamos completamente num poço. Bastou o petróleo baixar e tudo veio ao de cima. Daí que vai deixar o país numa situação extremamente difícil”, salientou.

“Vai deixar Angola com níveis altos de pobreza, desemprego, a falta de serviços essenciais, num país não desenvolvido, apesar de ter gerido muitos recursos públicos. Sabemos todos nós que geriu o país num momento em que o petróleo estava com um preço altíssimo. Enfim, não foi um bom gestor”, acrescentou.

Relativamente à nova liderança do MPLA, o político considera que é preciso ter-se presente que João Lourenço “esteve na mesma máquina e nunca esteve distante”, desde dirigente do partido a ministro.

“João Lourenço ocupou funções de destaque neste país e esteve no centro das grandes decisões que foram tomadas neste país pelo Bureau Político do MPLA. Logo, conhece a situação e participou na situação em que vivemos”, lembrou.

De acordo com Lindo Bernardo Tito, o sucessor de José Eduardo dos Santos “participou e tem uma quota-parte também” na situação que os angolanos vivem hoje.

Folha 8 com Lusa

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