JLo já está em campanha
(“sem mim será o dilúvio”)

O Presidente angolano, João Lourenço, eleito em Agosto de 2017 na qualidade de cabeça-de-lista do MPLA e não como candidato a presidente, falou hoje, pela primeira vez, na mais do que óbvia possibilidade concorrer a um novo mandato, nas eleições gerais que deverão acontecer em 2022 e, não menos óbvia, certeza de uma folgada vitória.

O chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA (partido que governa o país desde 1975) falava numa conferência de imprensa, em Lisboa, no final da visita de três dias que realizou a Portugal, tendo sido confrontado pelos jornalistas com o objectivo de travar fortemente o volume de importações de bens alimentares, face às potencialidades agrícolas do país.

“O meu mandato é de cinco anos, portanto é minha obrigação lutar no sentido de conseguir, ou pelo menos aproximar-me, desta meta ainda no primeiro mandato, se for possível”, apontou.

Admitindo voltar a concorrer ao cargo dentro de quatro anos, acrescentou: “Caso contrário, e uma vez que todos nós temos o direito de lutar por um segundo mandato, conseguir isso no segundo mandato [e último, se for o caso, por limitação da Constituição]”.

General na reserva, com 64 anos, vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, João Lourenço liderou a lista do MPLA às eleições gerais de 23 de Agosto de 2017, que venceu com 61% dos votos, tendo sido empossado em 26 de Setembro do mesmo ano. Relembre-se que, mesmo antes de serem divulgados, oficialmente, os resultados eleitorais, já Marcelo Rebelo de Sousa estava a felicitar João Lourenço pela vitória.

Tornou-se o terceiro Presidente de Angola desde a independência do país, em 1975, sucedendo a António Agostinho Neto (1975/1979) e José Eduardo dos Santos (1979/2017).

Em Setembro último sucedeu, igualmente, a José Eduardo dos Santos na liderança do MPLA e desde então que as relações entre ambos se deterioraram, nomeadamente com a detenção do filho do ex-Presidente, José Filomeno dos Santos, e com as críticas públicas de João Lourenço à forma como a transição foi conduzida pelo anterior chefe de Estado.

No primeiro ano de mandato, o Presidente afastou pelo menos 230 governantes, administradores de empresas públicas e altas chefias militares, a um ritmo de uma exoneração a cada dois dias, valendo-lhe a alcunha popular de “exonerador implacável”. Chegou mesmo a exonerar pessoas por si nomeadas e até um membro do Conselho de Administração da ENANA que tinha falecido dois anos antes…

Em paralelo, desde que chegou ao poder, João Lourenço promoveu cerca de 400 nomeações, as quais, a par das exonerações, permitiram, no espaço de um ano, afastar do poder praticamente todos os que tinham sido nomeados, alguns poucos meses antes das eleições de Agosto de 2017, por José Eduardo dos Santos, chefe de Estado desde 1979.

Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi a exoneração mais sonante, ao ser afastada, em Novembro de 2017, do cargo de presidente do Conselho de Administração da petrolífera Sonangol.

Exonerar sempre, governar um dia… talvez

O Presidente João Lourenço continua a dar prioridade máxima aos “fuzilamentos” dos seus adversários do MPLA (são os únicos que existem) e mínima (ou quase nula) à governação. Tudo normal, portanto. A nomeação do general António Egídio de Sousa Santos “Disciplina” para o lugar do general Geraldo Sachipengo Nunda, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, foi a cereja no topo do bolo do domínio total da sociedade angolana.

A escolha do general “Disciplina” não poderia ser, de facto, mais emblemática. Pôr no comando das FAA o seu chefe do Estado-Maior General adjunto para a Educação Patriótica, reflecte com exactidão o que João Lourenço quer dos militares para que estes o possam ajudar a “educar patrioticamente” todos aqueles que não são do MPLA e, ainda, todos aqueles que sendo do MPLA possam estar a pensar mudar de rumo para engrossar o “exército” de marimbondos.

Fará sentido, quase 43 anos depois da independência, 16 após a paz total, falar-se de “educação patriótica”? Ter um chefe do Estado-Maior General adjunto exactamente para a Educação Patriótica? Pelos visto faz, sobretudo como degrau que antecede a chefia das FAA. É claro que se na Coreia do Norte faz sentido, em Angola também faz, considera certamente o MPLA.

O chefe do Estado-Maior General adjunto das Forças Armadas Angolanas (importante: para Educação Patriótica), general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, explica tudo.

Ou seja, devido à sua posição geoestratégica e às suas potencialidades em recursos naturais, Angola tem sido alvo de várias tentativas de desestabilização através do incentivo – escreveu em tempos a Angop – “de reformas correntes à desobediência e desacatos às autoridades legalmente instituídas”.

O general fez estas afirmações quando, em 2015, discursava na abertura do 6º curso de estratégia e arte destinado a oficiais generais e almirantes das Forças Armadas Angolanas.

Será então de concluir, ou não fosse o general Egídio de Sousa Santos “Disciplina” responsável pela “Educação Patriótica”, que por exemplo os nossos jovens activistas se inserem nessa monumental e poderosa tentativa de desestabilização, exactamente por ausência da… educação patriótica.

De acordo com o oficial general, neste “sentido deve-se prestar maior vigilância a estes cenários para não permitir que a paz duramente conquistada à custa do suor e sangue de muitos filhos da pátria seja perturbada”.

Está bem visto. Provavelmente os jovens activistas (e não só eles) estariam, para além de um golpe de Estado, a preparar-se para a guerra, pondo a paz, “duramente conquistada à custa do suor e sangue de muitos filhos da pátria”, em causa.

O curso de “de estratégia e arte” enquadra-se nas perspectivas e estratégias de formação definidas pelo comando superior das Forças Armadas Angolanas e materializadas pelo Estado-Maior General por intermédio dos seus órgãos de ensino militar.

“Esta formação marca uma etapa importante no âmbito da implementação da directiva do Presidente da República e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas, José Eduardo dos Santos, que prevê um conjunto de tarefas concretas na perspectiva «Angola 2020», nas quais se destaca a formação contínua dos quadros a todos os níveis como premissa fundamental para a modernização da instituição castrense”, explicou na altura o general das FAA.

Hoje poderá dizer exactamente a mesma coisa. Só tem (como fizeram e fazem muitos outros ilustres políticos e militares) de substituir o nome de José Eduardo dos Santos pelo de João Lourenço. O resto aplica-se na íntegra.

“Todavia, o sucesso de qualquer formação depende em última instância do engajamento efectivo que cada discente tiver no estudo das matérias que forem ministradas, além do factor coabitação entre docentes, discentes, conteúdo, métodos de ensino e aprendizagem”, afirmou o general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, justificando a cada vez maior necessidade de reeducar os angolanos.

Reeducar sobretudo, ou exclusivamente, os que teimam, que continuam a teimar, em pensar pela própria cabeça. É que estes, como agora revelou João Lourenço em Lisboa, estão a provocar um zunido “marimbondiano” incómodo para quem tem o rei na barriga e os escravos na mão.

Egídio de Sousa Santos “Disciplina” afirmou estar convicto de que as Forças Armadas Angolanas “estão no bom caminho no concernente à formação, produzindo valores que possam enobrecer as estruturas de ensino militar, a instituição castrense, e o país em geral no contexto interno e externo em última instância, o soldado que constitui a unidade de um todo que são as Forças Armadas Angolanas”.

Espera João Lourenço que todos bebamos os “Princípios fundamentais e bases ideológica do seu MPLA”, e nos inspiremos – por exemplo – nas vantagens do esclavagismo e no temor do que um novo 27 de Maio possa causar.

Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalidades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundir-se consigo.

Folha 8 com Lusa

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