A UNITA questionou hoje, em Luanda, o destino do excedente do petróleo em Angola, cujos números apontam para uma acumulação de um mínimo total de 1.600 milhões de dólares (1.400 milhões de euros) nos últimos seis meses. Isaías Samakuva já tinha feito a mesma pergunta em 2016…
A dúvida foi hoje posta pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, numa conferência de imprensa realizada em Luanda pelo maior partido da oposição, destinada a “radiografar” a situação económica e social do país.
Adalberto da Costa Júnior referiu que o preço médio do barril de petróleo no mercado internacional, segundo dados da OPEP, cifrou-se nos 67 dólares (58 euros) enquanto o preço de referência no Orçamento Geral do Estado (OGE) é de 50 dólares (43 euros), o que dá um diferencial positivo de 17 dólares (14 euros) por barril.
O líder do grupo parlamentar da UNITA sublinhou que os dados fazem estimar que Angola acumulou, “no mínimo, um total de 1.657.149.120 dólares”, levantando a questão: “para onde vai o excedente do petróleo?”
“Os angolanos precisam de saber, pois este valor deveria ir para a reserva estratégica do Estado”, exortou Adalberto da Costa Júnior, denunciando que a suposta “falta de transparência” é a causa do desaparecimento de mais de 600 mil milhões de dólares (520 mil milhões de euros) das “múltiplas reservas estratégicas e que os angolanos ficam sem saber o destino”.
“Por isso, depois de termos vivido tantos anos sem prestações adequadas das contas, urge ter respostas claras e evitar acções discricionárias do titular do poder executivo” (João Lourenço), disse Adalberto da Costa Júnior.
Segundo o dirigente da UNITA, o valor do diferencial é superior ao do empréstimo que Angola requereu ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com Luanda a pedir um financiamento de 4.500 milhões de dólares, pagos em três tranches anuais de 1.500 milhões de dólares.
Relativamente às negociações nesse sentido com o FMI, que deverão começar em Outubro em Luanda, Adalberto da Costa Júnior encorajou Luanda a negociar um acordo “sem prejudicar nem o emprego nem o salário dos funcionários e trabalhadores” angolanos.
Para a UNITA, os indicadores do desempenho orçamental apontam para o agravamento da dívida no próximo OGE, tendo em conta os acordos com o FMI e a intenção de se obter mais empréstimos à China, Alemanha e outros países.
Adalberto da Costa Júnior destacou ainda a necessidade de “transparência sobre a dívida pública”, sob pena de o cenário poder ser “um verdadeiro desastre para o país, pois existe o risco real da manutenção de vícios”.
“Um olhar atento ao país indica que continuamos a não apresentar indicadores da grave crise social e económica. O país não apresenta crescimento económico e os trabalhadores e as famílias perdem diariamente poder de compra pela permanente desvalorização do kwanza [desde Janeiro o kwanza depreciou-se 42% face ao euro]”, indicou, defendendo uma aposta na diversificação económica.
O dirigente da UNITA lamentou, por outro lado, que as duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) pedidas na Assembleia Nacional (AN) pelo partido tenham continuado “na gaveta”.
Uma diz respeito ao Fundo Soberano de Angola, no valor de 5.700 milhões de dólares (4,870 milhões de euros), valor “superior à expectativa da intervenção do FMI”, apresentada no Parlamento em Dezembro de 2017.
“Continua nalguma gaveta da AN, procurando impedir transparência e responsabilização dos actores dos roubos descarados a fundos públicos, extremamente necessários aos graves desafios sociais e económicos. (…) As estruturas judiciais não são agilizadas para recuperar esses valores e trazê-los a uma gestão transparente. É inaceitável a versão de que não se pode fazer nada perante os contratos assinados”, afirmou.
A segunda, formalizada em Março deste ano, diz respeito à dívida pública, cujo volume, segundo a UNITA, “pode já ultrapassar os 50.000 milhões de dólares” (42,7 mil milhões de euros), montante “assustador”, mesmo “sabendo que boa parte dela é falsa”, indicou Adalberto da Costa Júnior.
O dirigente a UNITA lembrou as declarações da secretária de Estado do Tesouro de Angola, proferidas pouco depois de Março, em que Vera Daves assumiu que 25% da dívida pública era falsa.
“Que estranho. Estas declarações que vinculam o executivo não ajudaram a que se dê andamento à CPI”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.
E as tretas de 2016?
Recorde-se, entretanto, que em Janeiro de 2016 o governo disse também que iria lançar um programa de resposta à quebra das receitas associada à venda do petróleo, prevendo cortar nas importações de bens e serviços, além de medidas nos domínios fiscal e monetário.
O anúncio constou do comunicado da reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real do Conselho de Ministros, realizada sob orientação do então Presidente angolano, também Titular do Poder Executivo e líder do MPLA, que analisou o memorando sobre as “Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo no Mercado Internacional”.
O documento, segundo a informação enviada à comunicação social, iria identificar “as medidas que devem ser adoptadas nos domínios fiscal, monetário, da comercialização externa e do sector real da economia”, com vista “a substituir o petróleo como fonte principal de receita, a controlar a expansão do défice e do endividamento, a melhorar a eficiência e a eficácia dos investimentos privados”.
Entre os objectivos do Governo, com este plano para reagir à crise, estava ainda o aumento da produção nacional e a promoção da exportação de bens e serviços “a curto prazo”.
“Ele visa igualmente aumentar a receita tributária não petrolífera, optimizar a despesa pública e racionalizar a importação de bens e serviços”, lê-se no comunicado da reunião do Conselho de Ministros, orientada por José Eduardo dos Santos.
E a UNITA perguntava
Nessa mesma altura, o presidente da UNITA questionou o Presidente da República sobre o paradeiro dos mais de 160 mil milhões de dólares provenientes do petróleo desde 2011.
Isaías Samakuva, que discursava na abertura de um seminário metodológico para os quadros do seu partido, considerou que o país enfrentava a actual crise porque José Eduardo Dos Santos não diz onde está o dinheiro dos angolanos.
”Foram colocados à guarda do Presidente da República cerca de 130 mil milhões de dólares da reserva estratégica financeira petrolífera para infra-estruturas de base e 37 mil milhões do Fundo Diferencial do Preço do Petróleo”, acusou Samakuva, que queria saber se o dinheiro “está dentro do país ou fora e em nome de quem”.
O presidente da UNITA disse também que Angola sofre de doença terminal porque falta um pouco de tudo.
”Não há oxigénio nem máquina de raio x a funcionar nos hospitais, não há merenda escolar para as crianças, não há dinheiro nos cofres do Estado para pagar empresas, o país está doente, um tratamento de choque pode ser fatal para um corpo debilitado e canceroso de um país doente, por isso vamos privilegiar a função da mediação”, concluiu Isaías Samakuva.
Folha 8 com Lusa