“BESA faliu por decisão política”, diz Sobrinho

O ex-presidente da Comissão Executiva do Banco Espírito Santo Angola (BESA), o empresário Álvaro Sobrinho, revelou que a instituição faliu por decisão política e não por insolvência. Tudo porque os tubarões estavam quase todos lá, actuando como se o banco fosse, era mesmo, a casa da mãe Joana dos altos dignitários do MPLA.

“O banco faliu por decisão política, tendo em conta as pessoas nele envolvidas. Por isso, digo que era uma decisão política”, justificou o empresário no programa “Grande Entrevista” da Televisão Pública de Angola (TPA).

Álvaro Sobrinho questionou se o BESA faliu mesmo, porque, no seu entender, do ponto de vista formal, o banco existe com outra denominação (Banco Económico) e, do ponto de vista prático, não houve nenhum organismo internacional, independente, estatal e nem auditor que declarasse a falência da instituição.

“O BESA foi alvo de uma auditoria, em 2011, que não viu falência”, referiu o empresário, salientando que a narrativa da insolvência nasceu dos accionistas e que a situação de bancarrota não foi declarada pelo Banco Nacional de Angola (BNA), auditores da KPMG, conselho fiscal ou outros reguladores internacionais.

Segundo Álvaro Sobrinho, em 2011/2012, os relatórios elaborados pela KPMG, para efeito de contas internacionais “standard”, não apresentaram reservas.

Em relação às contas do banco, referiu que, desde o início da actividade, a 24 de Janeiro de 2002, sempre apresentou resultados líquidos positivos até à sua saída em 2012.

Em 2010, sustentou, o BESA foi o banco que ultrapassou pela primeira vez a fasquia dos 400 milhões de dólares (341,8 milhões de euros) de resultados líquidos positivos e que, quando foi afastado, era o banco com maior activo do mercado, com mais de 10 milhões de dólares (8,5 milhões de euros) de activos de fundo.

Nesse período, disse o ex-presidente do BESA, ainda concederam empréstimos no valor de 5.700 milhões de dólares (4.880 milhões de euros), tendo-se elaborado uma lista de 30 figuras consideradas maiores devedores, representando um total de 80% da carteira de créditos.

Esses devedores eram mandados ao banco pelas autoridades aos principais accionistas. A firma Geni, representada pelo general Leopoldino do Nascimento, Manuel Vicente, em representação do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, o ex-ministro de Estado e chefe da Casa Militar Hélder Vieira Dias “Kopelipa” (pela companhia Portmill), o ex-presidente da Assembleia Nacional, Paulo Cassoma (Presidente de Mesa da Assembleia) e Ricardo Salgado, pelo Banco Espírito Santo (Portugal) eram os principais accionistas, segundo Álvaro Sobrinho.

Na entrevista, referiu que, depois do seu afastamento do banco, em 2012, por negar assumir a culpa da situação de falência a si imputada pelos accionistas, a 31 de Dezembro de 2013, o Estado angolano concedeu uma garantia soberana de 7.000 milhões de dólares (quase 6.000 milhões de euros), sendo uma decisão política, sob a justificação de que serviria para impulsionar a economia nacional, onde a Sonangol apareceu como a principal accionista.

Álvaro Sobrinho negou também que tenha “desviado” do BESA 700 milhões de dólares (cerca de 600 milhões de euros).

Disse também que a actual relação com Ricardo Salgado é “má” – “foram muitos os insultos que me dirigiu” – e que com os restantes colegas da administração de então não tem qualquer ligação – “nem boa nem má”.

A falência do BESA foi oficialmente declarada a 14 de Outubro de 2014. Na altura tinha 34 agências.

A 3 deste mês, também em declarações à TPA, Álvaro Sobrinho denunciou estar a ser perseguido em países onde “quer que invista”, embora não tenha apontado nomes.

Em Agosto, Álvaro Sobrinho foi interrogado nas Ilhas Maurícias por uma comissão independente anticorrupção sobre os seus investimentos naquele país e relações com o poder político, que terão levado à renúncia da então Presidente Ameenah Gurib-Fakim, em Março.

Nas declarações à TPA, Álvaro Sobrinho, voltou a garantir que vai desinvestir nas Ilhas Maurícias e investir em Angola, país onde garante ter negócios relevantes e que oferece grandes oportunidades de investimento.

Por outro lado, descartou qualquer envolvimento na utilização, pela Presidente Ameenah Gurib-Fakim, do cartão de crédito platina, da Fundação Bill & Melinda Gates, para uso pessoal, e que levou à renúncia da Chefe de Estado das Maurícias.

Segundo Álvaro Sobrinho, quando foi detectada a utilização do cartão de crédito para “coisas próprias”, Ameenah Gurib-Fakim pediu desculpas e reembolsou o dinheiro à Fundação.

“Não foi o Álvaro Sobrinho que deu o cartão, foi uma Fundação que tem o prestígio de Bill & Melinda Gates”, explicou.

Acusações, mentiras, corrupção e… MPLA

Álvaro Sobrinho é suspeito de ser o beneficiário efectivo de três companhias angolanas que terão recebido de forma não justificada um total de 433 milhões de dólares do banco.

A esta soma juntam-se 182 milhões de dólares que Álvaro Sobrinho terá recebido em nome próprio através de duas empresas offshore, num total de 615 milhões de dólares (499 milhões de euros) que teriam sido originalmente concedidos pelo BESA como empréstimos a empresas.

(Continuamos na fase em que o empresário se limita a honrar o ADN do regime que o criou).

A suspeita foi noticiada pelo Expresso na edição de 3 de Março de 2018 e baseia-se em documentos obtidos pela revista alemã Der Spiegel e partilhados com o semanário português no âmbito de um consórcio internacional de jornalismo de investigação.

Da documentação constam extractos bancários, e-mails e ficheiros Excel que indicam movimentos como um depósito de 277 milhões de dólares em dinheiro vivo numa conta do BESA, cuja verba seguiu depois para outras entidades. Ou o levantamento de quase 50 milhões de dólares em numerário de uma companhia controlada por Álvaro Sobrinho, e o depósito de cerca de metade desse valor, no dia seguinte, a 17 de Julho de 2012, numa conta da Ocean Private – segundo escreve o Expresso, esta operação é referida em e-mails entre o empresário e um familiar seu, com Sobrinho a assumir a responsabilidade pela mesma.

O buraco financeiro de 5,7 mil milhões de dólares detectado em 2013 no BESA, recorde-se, teve um forte impacto nas perdas do BES em Portugal, tendo sido um de vários factores a conduzir o Grupo Espírito Santo (GES) ao colapso em 2014.

Agora, e com base na documentação recolhida pela revista alemã, o Expresso sugere que centenas de milhares de dólares terão acabado em entidades controladas pelo antigo presidente executivo do BESA.

A fortuna pessoal de Álvaro Sobrinho tinha sido objecto de perguntas durante a comissão de inquérito parlamentar ao colapso do BES, quando a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, considerou o volume patrimonial do gestor incompatível com a remuneração de um alto quadro bancário. Na altura, Álvaro Sobrinho recusou responder, considerando o assunto do foro pessoal.

Na mesma comissão, em 2014, a deputada do CDS-PP Cecília Meireles também perguntou a Sobrinho se tinham sido levantados 525 milhões de dólares do BESA, e se tal operação seria comum. “Olhe, eu vou dizer o seguinte: nem bancos americanos têm tanto cash… É um absurdo”, respondeu na altura.

No Parlamento português, Álvaro Sobrinho disse ainda ser “impossível” ter concedido créditos a entidades a si ligadas enquanto administrador do BESA, de onde foi afastado do controlo executivo em 2012.

Desde pelo menos 2011 que Álvaro Sobrinho é investigado por suspeitas de irregularidades na altura detectadas pelas autoridades angolanas, relativas a transferências cruzadas entre o antigo quadro do GES e um empresário português.

Em Portugal, as suspeitas da prática de crimes de abuso de confiança qualificada e de burla qualificada por parte de Álvaro Sobrinho levaram por três vezes ao arresto de bens do empresário, de familiares seus e da empresa Grunberg Portugal, por si detida. O arresto de bens acabou por ser sempre levantado por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Em Fevereiro, e segundo confirmou a Procuradoria-Geral da República de Portugal, uma empresa de Sobrinho foi alvo de buscas no âmbito da Operação Lex, em que o juiz desembargador Rui Rangel (também ele luso-angolano e que revogou um dos arrestos de bens aplicados a Álvaro Sobrinho) é suspeito de ter vendido decisões judiciais.

Roubar está no ADN do MPLA

Os angolanos cuja higiene mental ainda está preservada, ficaram estupefactos quando no dia 18 de Dezembro de 2014 ouviram Álvaro Sobrinho dizer, em sede do Parlamento português, ser oriundo de uma família rica, razão justificativa da proveniência dos milhões e milhões de dólares acumulados nos últimos anos, que lhe permitiram adquirir, milionariamente, um conjunto de empresas, que vão da comunicação social, industrial a clubes de futebol.

“Faço parte de uma família angolana com posses. Os meus pais compraram-me uma casa em Cascais e um carro e vim para Portugal estudar”, justificou Sobrinho, acrescentando: “Eu tenho os investimentos que eu tenho, mas não é o âmbito desta comissão. Quando esta comissão colocar estas perguntas a todas as pessoas que aqui vêm, que até podem ter mais do que eu, poderei responder”.

Esquisita justificativa, pois se iniciou deveria fundamentar, para não deixar suspeições, porquanto os anos de trabalho não seriam bastantes para aquisição do seu actual património.

“Entre 2002 a 2012 trabalhei como presidente da Comissão Executiva do BESA e vice-presidente do Conselho de Administração do BESA. Saí da ESAF em finais de 2001 para começar com a operação [do BESA] que começou em 2002″, disse Álvaro Sobrinho.

A sua família, na realidade tinha pequenos negócios de sobrevivência, como a maioria dos autóctones angolanos, cuja receita mensal e anual, não dá para comprar a pronto um apartamento em Aveiras de Cima, na grande Lisboa. Nunca teve uma fábrica industrial, uma mina de diamantes, um poço de petróleo, uma empresa de camionagem, uma cadeia hoteleira, nada salvo o mais visível ser uma discoteca.

A actual ostentação de riqueza deriva do “cabritismo” bancário inspirado na lógica do regime do MPLA de “roubar ser um dever revolucionário”, daí ser uma política institucional, com base nestes “cabos de guerra” bancários, transformar os dirigentes do regime em milionários, como base em ordens superiores, baixadas em papelinhos.

Em função das facilidades com que era orientado para “transitar” milhões de dólares, muitas vezes, diz-se, com chancela presidencial, para contas particulares de servidores públicos, incluindo militares generais, nada obstava a que pudesse utilizar a máxima de “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.

Não é por mero acaso e isso, não disse por ser, na sua opinião, segredo bancário, que dois dos potenciais sócios do BESA, serem Manuel Hélder Vieira Dias Júnior Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento, respectivamente – na altura – chefe da Casa de Segurança do Presidente da República e assessor do chefe da Casa de Segurança, os generais mais ricos do mundo, sem nunca terem inventado uma bala…

Folha 8 com Lusa

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