Quem avalia a “idoneidade moral” dos concorrentes
ao Tribunal de Contas?

Mais de 50 juristas concorreram ao novo concurso para preencher cinco vagas para conselheiros no Tribunal de Contas de Angola, depois de o primeiro ter sido anulado em Abril por terem sido detectadas irregularidades.

De acordo com a lista oficial divulgada hoje pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), concorreram a este concurso 53 pessoas, mas três foram excluídas “por falta de tempo de licenciatura”.

Ao primeiro concurso, lançado em Novembro último e anulado já este ano, tinham-se apresentado 90 candidatos, para as mesmas cinco vagas.

As regras do novo concurso, publicadas este mês, juntamente com a resolução para efeito, assinada pelo juiz conselheiro Rui Ferreira, presidente do CSMJ e do Tribunal Supremo de Angola, referem a exigência, entre outras, de os candidatos possuírem “idoneidade moral” e de não terem sido condenados “por crime doloso punível com pena de prisão”.

De acordo com a resolução 1/18, de 10 de Abril, publicada pelo CSMJ, aquele órgão decidiu, em reunião plenária, após apreciação de 10 reclamações apresentadas por candidatos, anular o anterior concurso, que tinha sido aberto a 13 de Novembro de 2017.

“Foram detalhadamente apreciadas as reclamações referentes à observância dos procedimentos legais, aos critérios de avaliação, à ordem de classificação dos candidatos, à composição do júri e à transparência de todo o concurso”, lê-se na resolução do CSMJ.

O texto reconhece que não foram seguidas as orientações da Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas, nomeadamente no que toca às regras e publicitação do concurso para vagas de juízes daquele tribunal.

Esse incumprimento “criou entre os candidatos, especificamente nos reclamantes, uma evidente suspeição sobre a transparência do concurso, a avaliação feita pelo júri e a sua coerência”, refere a mesma resolução.

“A prévia aprovação e publicitação das normas reguladoras” deste procedimento e da avaliação dos candidatos, numa instância “de competência tão especializada como é o Tribunal de Contas” é “um elemento essencial para a válida realização do concurso”.

Além de declarar nulo o concurso anterior, a resolução do CSMJ ordenou a realização de novo procedimento concursal, com o “mesmo objectivo e novo júri”, somente “após aprovação e publicitação das normas” previstas na legislação daquele órgão, como aconteceu agora.

O primeiro concurso esteve envolto em polémica nos últimos meses, com vários juízes a lançarem críticas públicas à forma pouco clara como foi aberto e promovido.

O Tribunal de Contas tem (em teoria) a competência de fiscalização da actividade financeira do Estado e outras entidades públicas, devendo emitir parecer sobre a Conta Geral do Estado, sempre que solicitada pela Assembleia Nacional, e fiscalizar preventivamente a legalidade dos contratos geradores de despesa ou que representem responsabilidade financeira do Estado, entre outras matérias.

Os juízes, presidente e vice-presidente do Tribunal de Contas, de acordo com a legislação em vigor, só podem (em teoria) cumprir um mandato, único, de sete anos.

Contudo, o actual juiz conselheiro Julião António foi empossado presidente do Tribunal de Contas em 2001, pelo anterior chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, tendo sido jubilado no final de 2017, mantendo-se em funções até à nomeação do sucessor.

Rui Ferreira, o exemplo da “idoneidade moral” do regime

Apresença de Rui Ferreira a todos sossega…. O que a maioria sabia e previa, e os ingénuos ainda tinham a remota esperança de que fosse diferente, aconteceu da forma mais frívola e juridicamente incoerente, com a violação do roteiro da norma jurídica, por parte do Tribunal Constitucional. Estávamos no início de Setembro de 2017 e Rui Ferreira estava no comando.

Este órgão, maioritariamente composto por homens de toga preta e forro vermelho e sob a incólume liderança de Rui Ferreira, não disfarçou o favorecimento à veia matriz, ao indeferirem, com argumentos considerados juridicamente (mas não só) barrocos, os recursos interpostos pelos partidos da oposição.

A ossatura reivindicativa assentava na necessidade de a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) ser levada a cumprir a Constituição de 2010 e a Lei 36/11 de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, quanto à realização do apuramento provincial (artigos 126.º à 130.º), não realizado em 15 das 18 províncias e, ou, à recontagem dos votos, de acordo com as “Actas das Operações Eleitorais”, como estipula o art.º 123.º.

Ao império da lei, o Tribunal Constitucional (presidido por Rui Ferreira, importa não esquecer em “abono” da sua “idoneidade moral”) impôs o império da partidocracia. Era expectável, quando previamente à decisão, um alto dirigente do MPLA, dois juízes conselheiros e um alto funcionário do Tribunal Constitucional se pronunciaram verbal e por escrito, nas redes sociais, sobre a vitória eleitoral, assente na “lógica da batata e na lei da batota” do “dono disto tudo”.

O órgão constitucional, na sua maioria, foi fiel à veia e à gamelada partidocrata e não poderia, melhor, estava impedida, de deferir em sentido contrário à determinação da obediência ao poder de nomeação.

Ninguém, chegados aos 61%, poderia ousar trair a honestidade de uma mentira, laboratorialmente engendrada, nos areópagos do regime.

Daí o Acórdão 462/2016, de 13 de Setembro, do Tribunal Constitucional entrar para a jurisprudência, como peça processual caricata do regabofe “judicialista”, na linha da pusilanimidade imposta pelo regime.

Por outras palavras, é a tese oficial de que desde que seja a favor do MPLA, mande-se a Constituição às urtigas e interprete-se a lei de acordo com a vontade de quem manda.

Nada aponta ter-se discernido fora da trambiquice golpista, que empunhou as baionetas contra a petição da oposição, para avaliação e recontagem dos números do escrutínio provincial eleitoral, em nome da verdade eleitoral, da defesa da incipiente democracia e da transparência e segurança tecnológica, art.º 116.º da Lei 36/11.

É perigoso passar-se a mensagem de que roubar a vontade cidadã, o civismo do eleitor, o voto e o sonho dos povos de Angola tem respaldo e protecção incondicional dos órgãos judiciais decisórios. Mas foi isso que Rui Ferreira pensou, e executou, enquanto presidente do Tribunal Constitucional, tal como será isso que pensa e executará agora como presidente do Tribunal Supremo. Estejamos por isso descansados…

Demonstrar estar o prevaricador mancomunado com a bandalheira do Direito, que inocenta e estimula o corrupto na rota da delapidação do erário público, é muito grave. Exigia-se um pouco de bom senso e compromisso com a verdade, porquanto as alegações da oposição mereciam uma investigação aprofundada e não a tomada das contra-alegações da “CNE do MPLA”, como verdades absolutas, quando a divisão no seio deste órgão foi a tónica dominante, com comissários nacionais eleitorais a não reconhecerem os resultados provisórios e definitivos, por terem sido anunciados em sentido contrário à lei:

a) Existência de um grupo técnico, estranho ao conhecimento da maioria dos comissários e da CNE, que fornecia dados nas províncias para as CPE (Comissão Provincial Eleitoral) transmitirem à CNE, diferentes das actas de operações em sua posse;

b) A CNE foi denunciada, com elementos probatórios, de favorecimento, a um dos concorrentes: o MPLA, fazendo ouvidos moco e cegueira, a todas arbitrariedades por este partido cometidas, desde usar os boletins da CNE, aos carros eleitorais;

c) Inexistência de apuramento provincial em 15 províncias;

d) Desconhecimento da origem da fonte dos resultados provisórios: se internos (apenas do grupo de comissários do MPLA) ou de órgão externo;

e) A publicação dos resultados definitivos feriu violentamente a lei, por não assentar no apuramento provincial.

A todas violações cometidas, o Acórdão n.º 462/2017 do Tribunal Constitucional, decidiu, talvez no pedestal de cumplicidades espúrias, negar provimento, à oposição e dar razão à CNE e ao partido da situação, pois tal como fez Agostinho Neto em 27 de Maio de 1977: “Não vamos perder tempo com julgamentos”, decretando a pena de morte, também aqui o Tribunal Constitucional (de Rui Ferreira) não perdeu tempo em investigar e aprofundar as denúncias constantes nos recursos dos partidos da oposição, principalmente, o recurso interposto pela UNITA, rejeitando os factos e elementos de prova destes por – pasme-se – não terem dado entrada nas províncias e não terem vindo anexas às actas que, propositadamente, a CNE teria instruído, segundo uma fonte eleitoral, as CPE a não enviarem, justamente para este desfecho em actas falsas.

Mas atirando para canto, o Tribunal Constitucional (presidido por Rui Ferreira) descredibilizou-se ao falar em actas falsas, documentos indevidos, em posse da oposição, na lógica das contra-alegações da CNE, quando lhe cometia averiguar e apurar as razões de não ter havido apuramento do escrutínio provincial e outros actos importantes.

Mas as heresias do Tribunal Constitucional, segundo os críticos, prendem-se com a legitimação dos resultados provisórios elencados pelos partidos reclamantes, principalmente, por um número considerado de comissários eleitorais, da própria CNE, ter vindo a público denunciar a estranheza da publicação dos resultados provisórios, uma vez os mesmos não resultarem de actas ou dados enviados pelas províncias, ao Centro Nacional de Escrutínio. Este acto seria dado bastante para o Tribunal apurar e notificar os comissários para o fornecimento de mais elementos, visando apurar a verdade material.

Mas como ao “concorrente-mor” tudo se permite, não careceu de apuramento ou investigação a origem do misterioso “grupo técnico”, uma vez terem cumprido, exclusivamente, a missão de fornecer votos ao MPLA e roubar aos partidos da oposição.

Será que o Tribunal Constitucional (de Rui Ferreira) optou por andar de heresia em heresia até à heresia final? Sim, bastando ver o aparente reconhecimento de ilicitude da CNE, mas logo conotada como uma simples falha, sem dolo, logo desculpável, pese a relevância, das decisões e actos do órgão eleitoral decididas tardiamente, terem tido influência nos resultados finais.

Mas numa demonstração de dois pesos e uma medida, em se tratando de actos tardios da oposição, eles são gravosos e o Tribunal Constitucional considera-os desertos, por fora dos prazos. É a lógica de aos nossos se permitir tudo e, aos outros, do outro lado, só a pena de morte por fuzilamento…

E a cereja no topo de bolo aí está agora com toda a pompa e circunstância. Quem ajudou à batota, à vigarice, à corrupção foi premiado.

E assim vai continuar.

Folha 8 com Lusa

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