Os militantes da coligação CASA-CE, a segunda força da oposição em Angola, ainda analisam a possibilidade da sua transformação em partido político, assunto que continua a não ser consensual, seis anos depois da sua constituição.
As divergências sobre a transformação em partido foram admitidas hoje pelo secretário executivo nacional da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), Leonel Gomes, em conferência de imprensa que serviu para assinalar, em Luanda, o sexto aniversário daquela força.
“Há os que pensam que o momento ainda não é adequado para partimos para a transformação, há outros que pensam que sim, que devia ser de imediato. A abordagem entre nós continua, é saudável”, explicou Leonel Gomes, recordando que na sua génese, a CASA-CE prevê o “compromisso” dessa transformação.
A transformação da CASA-CE, liderada por Abel Chivukuvuku, em partido político foi indeferida em Janeiro de 2017, pelo Tribunal Constitucional, “por não existir consentimento para a respectiva fusão e dissolução” por três dos quatro partidos coligados desde 2012.
A informação constava do despacho de indeferimento do pedido, apresentado pela CASA-CE a 23 de Outubro de 2016, documento que referia que três dos partidos enviaram mesmo ao Tribunal Constitucional, quando o processo já estava em tramitação, “cartas separadas” recusando a extinção.
A CASA-CE é uma coligação de partidos, que surgiu em 2012, mesmo ano em que concorreu às eleições gerais de Angola, tendo logo nesse mandato garantido a eleição de oito dos 220 deputados à Assembleia Nacional, que duplicou, para 16, nas eleições gerais de Agosto passado.
“Permitam-me a comparação. Num lar onde os filhos não abordam os problemas com os pais e os pais não conversam com os filhos, este lar só tem duas naturezas: ou não existe ou é ditatorial. E nós partimos para a premissa fundamental de que queríamos, queremos e vamos continuar a lutar para que Angola seja um verdadeiro Estado democrático”, apontou Leonel Gomes.
Depois de já ter disputado duas eleições gerais, a coligação CASA-CE garante que a defesa de um país com “liberdades fundamentais garantidas sem qualquer tipo de coacção ou constrangimento”, mantendo a exigência de eleição nominal do Presidente da República (contrariamente ao modelo actualmente em vigor).
“Para deixar de estar a reboque das saías de qualquer partido”, reclamou o secretário executivo nacional da coligação.
A realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, apontadas para 2020, mas com o Governo a admitir tratar-se de um processo a implementar de forma faseada em todo o país, é também alvo das críticas da CASA-CE, em dia de aniversário.
Leonel Gomes garante que a coligação está pronta e quer as eleições autárquicas o “mais rapidamente possível”, mas que “englobem todo o território nacional”, como forma de cumprir os “pressupostos constitucionais”.
Após a coligação ter apontado o objectivo de chegar ao poder nas eleições gerais de Agosto, onde garantiu apenas 9,5% dos votos, Leonel Gomes afasta um cenário de desmobilização entre os militantes e assume que o período é de “definir novas estratégias” com vista às eleições autárquicas, antes das eleições gerais de 2022.
“Esse furor vai estar de novo a terreiro, para fazer a quarta volta ao país no decurso de apenas seis anos. E os outros que têm 60 anos quase que não conhecem o país até agora”, concluiu o secretário executivo nacional da CASA-CE.
A coligação é actualmente constituída pelos quatro partidos políticos fundadores, casos do Partido de Aliança Livre de Maioria Angolana (PALMA), Partido Nacional de Salvação de Angola (PNSA), Partido Pacífico Angolano (PPA) e o PAADA – Aliança Patriótica, aos quais se juntou, em 2017, o Bloco Democrático.
Processo de (quase) falência
Pergunte-se aos angolanos com direito de voto se sabem o que são o PPA, PNSA, PADDA-AP, PALMA, BD e PDP-ANA. Residualmente alguns saberão, embora poucos tenham ouvido falar. Todos saberão, contudo, o que é a CASA-CE e mais serão os que sabem quem é Abel Chivukuvuku. Aliás, falar da CASA-CE é falar essencialmente de Abel Chivukuvuku.
Quem são Felé António, Sikonda Lulendo Alexandre, Alexandre Sebastião André, Manuel Fernandes, Justino Pinto de Andrade, Simão Macasso? Ninguém sabe. São, contudo, dirigentes dos tais partidos, ou agremiações pouco mais do que familiares, que agora reivindicam ser a alma, o coração, o cérebro da CASA-CE. Esquecem-se que, de facto (de jure deram as assinaturas para a constituição formal da Coligação) a CASA-CE é Abel Chivukuvuku e mais meia dúzia de personalidades independentes que, esses sim, são conhecidos em todos os cantos e esquinas do país.
Mais interessados em dinheiro do que em política, mais (ou só) virados para se servirem do que para servirem, preparam a declaração de falência e consequente encerramento da Coligação, fazendo contas ao dinheiro que poderão receber, assumindo-se como accionistas e credores.
Os líderes destes partidos, ou gestores de projectos falidos que enxertaram na CASA-CE, têm o desplante de num Memorando assinado por todos, propor:
“- A divisão igual, da verba destinada aos Partidos políticos oriundos da Assembleia Nacional, a ser atribuída directamente pela entidade bancária (BCI).
– A verba originária do OGE, deve ser repartida da seguinte forma: 30% a ser repartida em igual montante pelos Partidos constituintes; 70% para o funcionamento normal da Coligação e para pagamento de dívidas eleitorais e outras contraídas.”
Assumindo o papel de “virgens ofendidas”, mau grado todos sabermos os “bordéis” em que se diplomaram, os líderes destas agremiações familiares, às quais chamam partidos, têm o desplante de dizer, por exemplo, “que a presente realidade está longe do espírito que nos moveu a todos, quando decidimos criar e aderir a este grande projecto, fundamentalmente quanto aos princípios, baseados na unidade de acção, na coesão interna, no entrosamento de facto das várias matrizes que corporizam esta força política, no espírito de equipa e de camaradagem.”
E está longe por culpa de quem? De todos, menos deles. Se calhar a culpa é mesmo de Abel Chivukuvuku por ter acreditado e dado oportunidade a quem o viria, como se vê, a apunhalar… pelas costas.
“A má gestão dos resultados eleitorais, abaixo da fasquia objectivada, está a levar-nos a uma realidade bastante confrangedora, uns atiram-se contra os outros, por não verem os seus objectivos pessoais a concretizarem-se conforme o figurino presente da CASA-CE, a forma mecânica com que está a ser abordada a fusão/transformação e as consequências da sua não efectivação, a mensagem desprezível à honra, à consideração e ao bom nome dos Partidos Políticos da CASA-CE, a tendência desagregadora e o desejo de fazer da CASA-CE, viveiro para a proliferação de novos partidos no seu seio; tudo isto remete-nos a uma profunda divisão interna, jamais vista!”, dizem os subscritores do Memorando, certamente ofendidos por os militantes independentes (a grande força motriz da Coligação) se atreverem a chamar incompetentes aos que são… incompetentes.
Acrescentam os líderes ofendidos que, “nesta conformidade e no interesse de buscar soluções positivas para esta realidade que em nada abona o bom nome e os objectivos que nortearam a criação da CASA-CE, os Presidentes dos Partidos Políticos membros, imbuídos de boa fé”, advogam, por exemplo, que “a fusão deve ser entendida como o culminar de um processo de conciliação de ideias políticas, entre as várias matrizes que constituem a CASA-CE, de consolidação de unidade, na efectivação do entrosamento de facto e a todos os níveis, baseados no respeito mútuo, observando o princípio de vantagens recíprocas e sem a subalternização de uns por outros”.
Ou seja, explicam do alto da sua cátedra, “olhando para as circunstâncias presentes, todos elementos que foram enumerados estão longe de serem concretizados. Assim sendo, a fusão continuará a ser um objectivo a ser concretizado futuramente, sendo certo não ser possível nesse momento ou a curto prazo, a efectivação da mesma”.
E não sendo possível, como dizem, a fusão, avançam com a tese de a Coligação deve manter-se desde que “a Direcção dos Órgãos Centrais, Intermédios, Locais e de Base, obedeça ao princípio da igualdade, sobretudo ao nível dos órgãos executivos (Secretariado Nacional, Secretariados Provinciais e Municipais).”
É claro que estes partidos estão a pôr as garras de fora, querendo dar a entender que são garras de onça mas, afinal, são de gato esquelético e faminto. Fazem-no, contudo, pelo facto de Abel Chivukuvuku ter atirado a toalha a chão, escorraçando os independentes que, como ele, são ou foram o motor da CASA-CE.
Quando, no dia 13 de Janeiro de 2018, o Presidente da CASA-CE discursou na sede do Secretariado Executivo Provincial de Luanda, no Distrito Urbano do Rangel, deu carta-branca aos dirigentes destes partidos para o apunhalarem… pelas costas. Ao dizer, em relação aos designados “independentes”, que estes vão desaparecer e ficarão os partidos que compõe a CASA-CE, Abel Chivukuvuku assinou a capitulação. Não admira, por isso, que os dirigentes desses partidos estejam agora a fazer contas para repartir o espólio.
O que é feito do Abel Chivukuvuku que defendia que a CASA-CE devia pautar a sua actividade por uma clara “participação qualitativa”, ao “serviço do cidadão”, sendo que este “está directamente ligado à qualidade da nossa participação”?
Realçando que a qualidade superava a quantidade, Abel Chivukuvuku acreditava que o mais relevante são “as iniciativas legislativas, as actividades de defesa do interesse do cidadão permanentemente; a defesa da legalidade e da Constituição”, isto para que “o cidadão sinta que os deputados estão lá em nome do cidadão e para o cidadão”.
Segundo Abel Chivukuvuku, esta tese deve, contudo, ser conciliada com o crescimento do partido para que, “nos próximos desafios, a CASA-CE deixe de ser um fenómeno existente e passe a ser um fenómeno determinante para a vida política nacional”.
“Para sermos um fenómeno determinante na vida política nacional, temos de estar em condições para sermos um factor que determina a agenda política nacional”, afirmou Abel Chivukuvuku, dizendo que “só assim seremos úteis aos nossos cidadãos e só assim corresponderemos eventualmente às expectativas deste cidadão que tanto sofre”.
Nada disto preocupa os “salteadores da arca”, nem mesmo Justino Feltro da Costa Pinto de Andrade, de quem os simpatizantes e militantes da CASA-CE, bem como os angolanos em geral, esperavam um comportamento mais impoluto e ético.
Todos concordam que temos a responsabilidade de oferecer ao cidadão um instrumento perene para o futuro. E porque as “coligações são, do ponto de vista clássico, exercícios pontuais”, Abel Chivukuvuku lembrava que a CASA não foi feita para um exercício pontual, “mas sim para a história, para as próximas gerações”, sendo natural o “processo de transformação que vai fazer da CASA-CE até ao ano 2016 num partido político, que passará a ser só Convergência Ampla de Salvação de Angola”.
Citou, aliás, o caso do vice-presidente Manuel Fernandes, simultaneamente Presidente do PALMA, “que assumiu com coragem e determinação a sua responsabilidade de fazer o Congresso do Palma, um dos partidos constitutivos legalmente da CASA, onde reafirmaram a aceitação do processo de transformação”.
O quarto elemento da opção estratégica da CASA-CE era a consolidação das suas estruturas, isto porque, como disse Abel Chivukuvuku, “não podemos simplesmente existir. Temos que existir, ser funcionais e ter altos níveis de produtividade”.
E como é que isso se consegue? Abel Chivukuvuku explicava que “temos de estar permanentemente com o cidadão, ouvir o cidadão, transmitir confiança ao cidadão e por isso todas as nossas estruturas têm de cumprir com este papel de sermos uma organização funcional e eficaz nos próximos tempos para, quando chegarmos ao desafio eleitoral, estarmos em altura de ter uma máquina que possa corresponder aos desafios que teremos nessa altura”.
Abel Chivukuvuku reconhecia que são grandes desafios, tanto para a CASA como para país: “A CASA-CE tem de reafirmar o seu compromisso para com o cidadão, estar à altura dos desafios que o país enfrenta”.
Segundo Abel Chivukuvuku, a estabilidade do país depende de instituições fortes, legítimas e funcionais e de processos políticos credíveis e também realizados com patriotismo. A estabilidade depende disso.
Abel Chivukuvuku apontava a necessidade de aprofundamento do processo nacional angolano, desde logo porque “até hoje temos de facto Democracia de jure, constitucionalmente estabelecida, mas na prática, ainda estamos muito longe”.
“Nós CASA, temos de continuar a defender que só há Democracia, lá onde houver liberdade. No nosso caso há ainda muitos cidadãos pelo país fora cuja Liberdade é pisoteada, a sua vida é por coerção, por isso a CASA-CE tem a obrigação de contribuir para que os cidadãos se sinta efectivamente livres, em termos da totalidade das suas liberdades, seja liberdade de opção, liberdade de reunião, liberdade de manifestação, liberdade de expressão, para que assim possamos construir uma verdadeira Democracia”, explicava Abel Chivukuvuku.
O Presidente da CASA-CE acrescentava que “não teremos Democracia se o pluralismo político não for efectivamente garantido. Neste momento de jure, está estabelecido, mas precisamos todos de contribuir para que o pluralismo político seja um dos atributos da nossa Democracia. É um grande desafio para todos e talvez o maior neste momento no que diz respeito ao processo Democrático”.
Num recado interno, o Presidente da CASA-CE dizia que “temos que incutir em nós próprios o sentido do dever e da responsabilidade, mas isso tem que advir da nossa constatação que este país precisa desta mudança. E que a CASA tem a obrigação de contribuir para que esta mudança possa verdadeiramente ocorrer. Mas ocorrer no nosso tempo para que possamos dizer: demos o nosso contributo na construção deste país”.
“Exorto-vos a todos, a cada um, que ao regressar ao seu ponto de trabalho, não olhe para aquilo que o outro vai fazer, pense naquilo que pode fazer porque no conjunto do que todos podemos fazer, eventualmente será uma contribuição positiva e que ficará na história como contribuição de cidadãos comuns e simples que aceitaram o desafio e cumpriram com a sua palavra e o seu compromisso”, disse Abel Chivukuvuku.
E qual foi a contribuição de cidadãos comuns e simples que aceitaram o desafio? Os comuns e simples que aceitaram e cumpriram o compromisso foram obrigados, porque são de facto independentes, a bater com a porta. Dentro ficaram os que ficam sempre onde o tacho chama mais alto.
A Abel Chivukuvuku resta uma escolha, eventualmente dramática. Ficar com os que o apunhalam pelas costas, tipo Felé António, Sikonda Lulendo Alexandre, Alexandre Sebastião André, Manuel Fernandes, Justino Pinto de Andrade e Simão Macasso e ver o seu projecto político definhar até desaparecer ou, ainda está a tempo, mostrar que é independente e formar o seu próprio partido, expurgado de todas as venenosas bactérias que agora estão no seu seio. Os angolanos certamente ficariam agradecidos.
Folha 8 com Lusa