O Estado angolano precisa de captar 3,5 biliões de kwanzas (19,6 mil milhões de euros) em endividamento no mercado interno este ano, através dos bancos e com a entrada de fundos, admitindo uma descida nas taxas de juro.
O anúncio foi prestado hoje pelo director da Unidade de Gestão da Dívida (UGD), Osvaldo João, após a apresentação, em Luanda, do Plano Anual de Endividamento do Estado, que prevê para este ano necessidades brutas de financiamento no mercado na ordem dos 4,667 biliões de kwanzas (26,4 mil milhões de euros), nomeadamente para financiar o Orçamento Geral do Estado (OGE), que volta a ser deficitário em 2017.
“A banca nacional será fundamental para o alcance desse objectivo, visto que 75% [do endividamento] virá do mercado interno e a maior parte será precisamente por via de emissão de Títulos do Tesouro. E os maiores detentores de Títulos de Tesouro são os bancos. Ao longo do ano haverá também um grande nível de amortização de dívida, logo os bancos terão claramente grande possibilidade de renovarem os títulos que têm em carteira”, explicou Osvaldo João.
Deste plano de endividamento, o director da UGD refere que o financiamento líquido para o Estado será na ordem dos 1,087 biliões de kwanzas (6,6 mil milhões de euros), sendo o restante para amortizações de dívida a realizar durante o ano.
“O nosso pressuposto é exactamente esse: Acreditamos que a banca nacional, ao receber as amortizações que serão feitas pelo Tesouro, irá participar na captação de dívidas novas”, enfatizou o responsável, acrescentando que 2017 será também um ano de “alargamento da base de investidores” a nível interno, para além dos bancos, como até agora.
Nomeadamente a outras instituições “com poupanças acumuladas” e que poderão entrar no mercado de leilões: “Estamos a falar dos fundos de pensões, das seguradoras e de outros fundos. Acreditamos que estes fundos serão fundamentais para o alcance do objectivo que nós estipulamos no plano anual de endividamento”, disse.
No mercado interno, só com Bilhetes de Tesouro o Estado prevê emitir dívida no valor de 1,568 biliões de kwanzas (8,8 mil milhões de euros), a várias maturidades, enquanto para Obrigações do Tesouro estão previstos 1,803 biliões de kwanzas (10,1 mil milhões de euros) e em contratos mútuos com os bancos 122,7 mil milhões de kwanzas (690 milhões de euros).
O Estado angolano terminou 2016 a emitir Bilhetes de Tesouro com taxas de juro de 24% a um ano, ainda assim distante dos 42% de taxa de inflação oficial verificada entre Janeiro e Dezembro, segundo o Instituto Nacional de Estatística.
Taxas de juro que o director da UGD admite que venham a descer substancialmente em 2017, em função da previsão inscrita no OGE, de quebra na inflação até aos 15,8%, entre Janeiro e Dezembro.
“As taxas de juro são um bocadinho em função do ambiente macroeconómico. Ao nível do OGE prevemos estabilidade macroeconómica, estabilidade de preços. E por isso nós acreditamos que as taxas de juro irão seguir essa estabilidade. Taxas compatíveis com a estabilidade de preços, compatíveis com as taxas de inflação que foram anunciadas ao nível do OGE”, concluiu.
O endividamento público de Angola (exceptuando a dívida contraída pelas empresas do Estado) deverá, na previsão do Governo, chegar ao equivalente a 53,29% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, um máximo histórico, quando em 2011 rondava os 20%.
Um OGE para garantir o poder
A despesa do Estado angolano com militares e polícia vai continuar a ser superior aos gastos com a Educação e Saúde em 2017, subindo para 5,6 mil milhões de euros. Tudo normal. Quem segura o regime de sua majestade o rei são os militares e os polícias. Portanto…
O peso da Defesa e Segurança e Ordem Pública sobe para 20% do total das despesas programadas para este ano (sem contabilizar o serviço da dívida).
O valor inscrito para polícias, serviços prisionais, tribunais e bombeiros é de 1,012 biliões de kwanzas (5,6 mil milhões de euros), compara com um peso 13,3% do total no Orçamento de 2016 (revisto em Setembro), que reserva para estas despesas 929,7 mil milhões de kwanzas (5,2 mil milhões de euros).
Só directamente na componente da Defesa, Angola prevê gastar em 2017 mais de 10,5% do total da despesa fiscal, o equivalente a 535,1 mil milhões de kwanzas (2,980 mil milhões de euros).
Já os gastos com a Educação em 2017 sobem para 500,6 mil milhões (2,790 mil milhões de euros), num peso que passa de 6,5% do total, este ano, para 9%, em 2017.
A despesa com a Saúde e o funcionamento dos hospitais também cresce, passando a ter um peso total de 6,15%, equivalente a 310 mil milhões de kwanzas (1,730 mil milhões de euros), face aos 4,4% do OGE em vigor.
No total, estes dois sectores, juntos, vêem a dotação orçamental crescer para 811,3 mil milhões de kwanzas (4,520 mil milhões de euros), face aos 758,9 mil milhões de kwanzas (4,235 mil milhões de euros) do Orçamento em vigor.
O último relatório anual da Organização Mundial de Saúde, lançado em Maio, indica que Angola apresentou a segunda mais baixa esperança de vida em 2015, figurando na cauda da tabela da mortalidade infantil mundial. Coisas insignificantes, segundo a tese oficial do regime.
Segundo o documento, a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4 anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos.
Aquela organização das Nações Unidas concluiu igualmente que por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos, apresentando por isso a mais alta taxa de mortalidade mundial em 2015. Além disso, em cada 100.000 nados vivos em Angola morrem 477 mães, neste caso distante da Serra Leoa, onde para a mesma proporção morrem 1.360 mulheres.
Financiar (bem) os que mandam reprimir
Desenganem-se os que pensam que o OGE é um documento técnico feito por uns sábios economistas, que reflecte necessidades técnicas. Não é. Um Orçamento Geral de Estado é um documento político que traduz em números as opções políticas do poder executivo.
É, aliás, o documento político mais importante em cada ano. Nessa medida, o que traduz politicamente o OGE de Angola nos últimos anos é uma simples palavra: repressão.
A opção política do OGE de 2017, como a de 2016, é simples e está vertida nos respectivos números. A política do OGE de 2017 volta a ser a política da repressão.
A verdade é que, quando o povo sofre uma intensa crise económica, o Governo não se preocupa com os apoios sociais: preocupa-se com a repressão. Apenas assim é possível justificar que os ministérios com a maior dotação orçamental sejam a Defesa e o Interior.
E, mesmo depois de a princesa-filha Isabel dos Santos dar a sua entrevista à BBC e dizer que o principal desafio com que se depara Angola é a educação, o orçamento da Educação desce.
Simultaneamente, as despesas com a Justiça também sofrem um decréscimo, nesse caso através de um corte efectivo.
Não há democracia se a justiça não funcionar. Não há liberdade se a justiça não funcionar. Olhando para os números, vê-se claramente o que pensa o Governo: o principal objectivo é manter o poder à força, o povo é irrelevante e a justiça deve ser acantonada e depauperada, para não ter qualquer veleidade.
É impressionante o modo como uns números aparentemente inócuos traduzem, na verdade, uma política assente na repressão. E, no entanto, até mesmo estas dotações são enganadoras.
Um soldado das FAA ganha 22 000 Kz, menos de 100 dólares. Como é que tal é compaginável com o imenso orçamento da Defesa? Alguma explicação terá de existir para que os soldados ganhem menos do que os seguranças privados que guardam os bancos e do que as empregadas domésticas dos altos oficiais do exército. Ora, a estabilidade que um generoso orçamento para a Defesa sugere é enganadora. Este pagamento miserável aos soldados, que os coloca quase ao nível de escravos, não assegura qualquer modernização ou avanço das Forças Armadas.
E tem de colocar-se a seguinte questão: o governo, que tem medo de tudo, não tem medo de que estes soldados, sem logística adequada ou equipamento, sejam um foco de rebelião?
É que a divisão nas FAA acentua-se numa perspectiva classista: os generais têm tudo; os soldados não têm nada. A redução orçamental na Justiça coloca grandes perplexidades. Este decréscimo revela o quê sobre os magistrados?
Os magistrados parecem contentar-se com privilégios pessoais, como automóveis e casas, remetendo-se a um silêncio tumular acerca das condições de trabalho a que estão sujeitos. Será por isso que se escolhem juízes com fraca preparação técnica, quando há muitos e competentes juízes em Angola, que, no entanto, preferem manter-se à parte? O posto de magistrado depende mais da lealdade ao regime do que da competência?
É evidente que a diminuição das condições financeiras para o exercício da Justiça tem duas consequências óbvias: só os piores vão escolher esta área, rapidamente perdendo qualquer independência, porque esta começa sempre nas condições financeiras.
Em termos técnicos, há outras questões levantadas por quase todos os OGE: a sua formulação e execução continuam a ser muito opacas, e o peso das verbas atribuídas às diferentes entidades e os subsídios previstos fazem adivinhar que prosseguirão, mais ou menos descaradamente, os fenómenos de fazer sair dinheiro do sector público para o privado.
No dia 15 de Agosto de 2016, o ministro das Finanças disse que o aumento da despesa com os serviços policiais justificava-se pela crise económica que o país atravessa, que pode potenciar o aumento da criminalidade.
Armando Manuel respondia na Assembleia Nacional às questões colocadas por deputados na discussão e votação na generalidade do OGE 2016 revisto, nesse dia aprovado com 165 votos a favor do MPLA e FNLA, 33 contra da UNITA e CASA-CE e duas abstenções do PRS.
O Governo previa então gastar em 2016 mais de 478.911 milhões de kwanzas (2.581 milhões de euros) com a Defesa, equivalente a 6,88% da despesa do novo orçamento, tratando-se de um corte de mais 43% face ao OGE inicial, ainda em vigor, que atribuía à Defesa 13% do total das despesas do orçamento, ascendendo essa componente a 835.522 milhões de kwanzas (4.510 milhões de euros).
“Do mesmo modo em que, quando a situação económica de um país se degrada, a propensão do crime é maior, há necessidade, de certo modo, de assegurar determinados serviços, de entre os quais os serviços de ordem pública e os serviços de segurança”, sublinhou o ministro.
O OGE revisto referia que os gastos com a Segurança e Ordem Pública (que inclui polícias, bombeiros, protecção civil, tribunais e prisões) disparam e passam de um peso de 1,41% para 6,48% da despesa total. Esta componente ascenderia 450.820 milhões de kwanzas (2.430 milhões de euros) contra os 90.349 milhões de kwanzas (488 milhões de euros) no OGE inicial.
Este crescimento deve-se essencialmente à componente dos Serviços Policiais, que passou a ter despesas e investimentos atribuídos em 2016 no valor de 362.467 milhões de kwanzas (1.955 milhões de euros), contra os 9.817 milhões de kwanzas (53 milhões de euros) do OGE inicial.
Folha 8 com Lusa