Questão de soberania
ou complexo colonial?

João Lourenço rejeitou a visita do primeiro-ministro português por causa do processo contra o ex-vice-Presidente Manuel Vicente, como ficou assente depois do encontro em Abidjan, à margem da cimeira UE-África, entre o Presidente angolano e António Costa, primeiro ministro de Portugal.

Por Kim Alves

O processo judicial relativo a Manuel Vicente continua a ensombrar as relações entre Angola e Portugal. Numa conversa de pouco mais de meia hora entre o novo Presidente angolano, João Lourenço e o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, na passada quarta-feira (29 de Novembro), que decorreu de forma franca, abordaram o tema como uma “sombra” que paira sobre o bom entendimento entre os dois países.

Segundo fontes ligadas à diplomacia angolana, a conversa versou mais o processo contra Manuel Vicente, acusado, enquanto Presidente da Sonangol, com outros, de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documento no âmbito da “Operação Fizz”, decorrendo disso a impossibilidade da visita de António Costa a Angola.

Os dois estadistas estiveram presentes na cimeira UE-África, que juntou mais de 80 chefes de Estado e de Governo durante dois dias (29 e 30 de Novembro) em Abidjan, antiga capital da Costa do Marfim. A questão teve a ver mais com o que Angola considera um “assunto de Estado que põe em causa a sua dignidade”, e não com a personalidade do novo Presidente ou o papel oficial de Manuel Vicente, que já deixou de desempenhar qualquer cargo na política angolana.

Embora António Costa tenha insistido que o processo era o “único irritante” nas relações bilaterais, ele continua a ser considerado demasiado sensível pela parte angolana. Segundo a fonte que vimos citando, para os portugueses, o novo Presidente angolano terá “calçado os sapatos do antigo vice-Presidente ao ser nomeado sucessor oficial de José Eduardo dos Santos”, não podendo assim tomar uma posição diferente sobre o assunto.

Para a opinião pública portuguesa e não só, João Lourenço e Manuel Vicente mantêm uma relação estreita e o antigo patrão da Sonangol foi uma das peças essenciais no desbloqueamento de alguns processos com que se defrontou o novo Presidente, pelo que o seu “capital de conhecimentos” não pode ser desperdiçado pelo chefe de Estado angolano no novo xadrez da política interna do país.

O ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto, depois do encontro declarou que “enquanto não houver um desfecho, no processo judicial, não há cooperação nem encontros a alto nível, nem nenhum passo da nossa parte. Este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra”, sublinhou o diplomata à comunicação social presente.

Em Agosto do corrente ano, António Costa ainda considerava possível a sua visita a Angola, mas depois do encontro em Abidjan, essa possibilidade foi, uma vez mais, gorada. Foi sua pretensão representar Portugal na tomada de posse do novo Presidente angolano, embora tivesse que “acertar com o Presidente da República”, mas acabou por ser o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que acabou por estar presente e, pelo Governo, foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, velho amigo do MPLA.

Nessa altura, o tema da visita de António Costa terá sido logo abordado por João Lourenço, tendo este mostrado que levava a questão a peito. Agora, voltou de novo à mesa das conversações oficiais e os termos do problema ficaram claros para ambas as partes. As autoridades portuguesas renovaram as explicações de que o Governo não pode envolver-se numa questão judicial e ouviram dos angolanos de viva voz a sua posição.

O encontro serviu também para as duas delegações fazerem um ponto da situação das relações bilaterais, tendo o encontro sido “muito produtivo”, como sublinhou António Costa. Segundo o primeiro-ministro português, essas relações são “excelentes” tanto no plano político como económico, tendo ambas as partes manifestado a vontade comum de estreitar relações, o que permite encarar com optimismo e confiança o crescimento das relações económicas nos próximos anos.

Portugal acalentava a esperança que a conversa poderia desbloquear alguns problemas, entre eles o da repatriação de capitais e salários, que por enquanto se mantém. Mas é de crer que, à medida que se regularize a situação económico-financeira do Estado angolano de um ponto de vista internacional, também essa questão se resolva. Por outro lado, a aposta do novo Presidente na diversificação da economia não o deve fazer prescindir das pequenas e médias empresas portuguesas que operam em Angola e que conhecem o terreno.

Quanto às linhas de crédito, tanto de médio e longo prazo, ao abrigo da Convenção Portugal-Angola, como de curto prazo, dos bancos com garantias de Estado, parte dos negócios eventualmente abrangidos aguardam luz verde do Estado angolano.

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