Juízes, os novos arautos
da III Guerra Nacional

O país a continuar nesta rota, tenhamos higiene intelectual de o reconhecer, não tem solução, a curto ou médio prazo. A lei está amordaçada. Os juízes subservientes, pisoteiam até mesmo, a Constituição feita à medida de um homem só, qual reencarnação, à angolana, de Luís XIV.

Por William Tonet

Eles, navegando nesta omissão, convertem os tribunais em salões de desfile da corte corrupta, mas inferno, para os pobres, intelectuais e jornalistas, que pensem pela própria cabeça.

Nesta sarrabulhada consolida-se o colonialismo político-governativo, sustentado não só pelo poder das armas, mas também por uma norma constitucional, juridicamente, inconstitucional, concebida pelo Tribunal Constitucional, para perpetuar uma autocracia de 37 anos.

Uma posição vergonhosa, não inédita, reconheça-se, do venerando juiz conselheiro, relator do Constitucional, pois, na II Guerra Mundial, um homem de maior sapiência jurídico-constitucional, pai da constituição alemã Weimar de 1919, Ernst Janning, com a ascensão de Hitler, converteu-se ao nacional – socialismo (ideologia nazista), tornando-se através de elucubrações jurídicas, no promotor do poder absoluto, das leis de prisão arbitrária, dos assassinatos de opositores, dos campos de concentração e extermínio de judeus, na Alemanha. Esta política só foi travada no final da guerra e Janning seria julgado e condenado em 1948, pelo Tribunal de Nuremberg, à pena de prisão perpétua. Um fim, seguramente, a que muitos, entre nós, não escaparão, tal são as leis e decisões injustas que defendem, causadoras de mortes por omissão ou acção.

Daí, a descrença e desrespeito da maioria dos angolanos, num sistema judicial partidocrata, empestado de “juízes-bajus” que, sem vergonha e ética jurídica, transformam, normativamente, a corrupção, o nepotismo, o peculato, a fraude, a delapidação do erário público, numa instituição com imunidade.

Vamos aos casos mais flagrantes desta conturbada e perniciosa caminhada, que contou sempre com a omissão da oposição, que resignada se contenta com as mordomias das poltronas, quando deveria indignar-se nas ruas, face à subalternização a que está votada, pelos órgãos judiciais e políticos do regime.

a) Em 1998, o Tribunal Supremo, nas vestes de Tribunal Constitucional, a um pedido de aclaração de José Eduardo dos Santos, por ciúme face ao protagonismo do então primeiro-ministro, França Van Dúnem, decidiu que “o poder de direcção e chefia do Governo eram da exclusiva competência do Presidente da República”. O Supremo andou em sentido contrário à Lei 23/92 de 16 de Setembro, Lei Constitucional que, no art.º 114.º, atribuía competências a França Van Dúnem de “dirigir, conduzir e coordenar a acção geral do Governo”.

b) Em 2005, visando a longevidade no poder, JES, recorreu, uma vez mais, a um sempre disponível juiz, na altura, no Tribunal Supremo, para se pronunciar sobre a validade e ou contabilidade do seu tempo de governação. Naturalmente, chegou a cereja no cimo do bolo: os 29 anos de poder efectivo e ininterrupto (1979-2005), de José Eduardo dos Santos, não contavam, portanto as eleições (2008, as presidenciais não foram realizadas) de 2012, contariam como as primeiras, permitindo ao líder do MPLA, só abandonar o poder em 2022;

c) Em 2010, através do despacho n.º 02177/03/GPAN/2010, o então presidente da Assembleia Nacional, António Paulo Kassoma, suspendeu temporariamente a “realização de qualquer acção de controlo e de fiscalização das actividades do Executivo” por parte do Parlamento;

d) Em 2012, a Assembleia Nacional, aprovou o Regimento Interno, Lei n.º 13/12 de 02 de Maio, promulgada a 27 de Abril de 2012, pelo Presidente da República, com artigos como o 270.º conferindo (ainda não foram revogados) poderes a qualquer deputado de interpelar ministros de Estado, assim como ministros e governadores provinciais”; no capítulo das audições parlamentares o art.º 268.º estatui “reuniões organizadas por Comissões Parlamentares para ouvir membros do Executivo, funcionários ou especialistas de quaisquer áreas, para esclarecimento de assuntos de interesse para os trabalhos parlamentares”, enquanto o art.º 269.º, estabelece que a “Assembleia Nacional pode fazer interpelações, em debate, sobre matéria de política sectorial, aos Ministros de Estado, Ministros e Governadores Provinciais, mediante requerimento de qualquer Grupo Parlamentar”.

e) O Acórdão 319/2013 do Tribunal Constitucional constitui um verdadeiro insulto à consciência dos deputados em geral (inclusive do MPLA que solicitaram aclaração) e aos da oposição em particular, ao declarar a inconstitucionalidade parcial do Regimento Interno da Assembleia Nacional, sobre a fiscalização dos actos do governo, textualizando uma insofismável mentira jurídica de “a Constituição não confere à Assembleia Nacional competência para fazer interpelações e inquéritos ao Executivo, nem para convocar, fazer perguntas ou audições aos Ministros, uma vez que em Angola os Ministros de Estado, Ministros e Governadores desempenham funções delegadas pelo titular do Poder Executivo, que é o Presidente da República”, lê-se na fundamentação, acrescentando que “ter o poder de convocar os membros do Executivo seria o mesmo que ter o poder de convocar o Presidente da República que é o Titular do Poder Executivo, o que não é constitucionalmente aceitável”.

Esta é uma pequena demonstração de como a estratégia da lógica da batata na lei da batota, do MPLA e José Eduardo dos Santos convence, sub-repticiamente, uma oposição, cronicamente ingénua, de que pode e deve recorrer aos tribunais, para reclamar direitos, quando estes são mais uma caixa de ressonância do regime.

Sobre o mais recente acórdão, relativo ao pedido de transformação da CASA-CE de coligação eleitoral a partido político, face às denúncias contidas no texto, feitas pelo presidente do Tribunal Constitucional, da existência de três cartas, significando iguais pedidos de desistência dos líderes desses partidos do propósito da maioria, entradas em Novembro, à revelia da direcção, a ser verdade, configura uma punhalada na confiança que Abel Chivukuvuku sempre lhes depositou.

Volto a frisar, sendo verdade, terem sido remetidos, em Novembro, documentos a solicitar a inviabilização da transformação, que blindaram a malícia do Tribunal Constitucional, importa ver os seguintes aspectos, que comprometem uns e outros, porquanto;

a) não notificou os requerentes: CASA-CE, sobre a entrada de cartas (elementos novos), para se pronunciarem, como mandam as regras do Processo Constitucional;

b) a ausência de notificação a CASA-CE, sobre as aludidas peças processuais, impediu-a de controlar se foi suscitada uma qualquer questão nova para o interesse da causa inicial, configurando um vício de nulidade de acordo com o Código de Processo Civil, aplicado “mutatis mutandi” ao Processo Constitucional;

c) a omissão da não notificação prévia, sobre as peças introduzidas, pelos líderes dos três partidos, com influência na decisão final, corresponde por parte do presidente do Tribunal Constitucional, à violação do direito a um processo justo, equitativo e célere (art.º72.º CRA (Constituição da República de Angola), bem como um flagrante incumprimento ao princípio do contraditório;

d) não tendo assim procedido, num Estado democrático e de Direito, que Angola não é, a decisão do acórdão geraria nulidade, em conformidade com as regras do processo civil aplicadas ao processo constitucional, tal omissão inquinou não só o processo, como politizou, a decisão final do juiz presidente do Tribunal Constitucional, que se colocou como parte interessada numa causa, que deveria ser nula, ao afectar os legítimos interesses da Requerente: CASA-CE;

e) ademais “transitou em julgado” o acervo documental, integrando as moções, resoluções e estatutos, dos congressos dos partidos políticos da coligação, depositado de 2015 à 2016, no Tribunal Constitucional, que os declarou, à época, conformes, não opondo qualquer objecção, nem solicitado explicação ou aperfeiçoamento, logo é extemporâneo, mais de dois anos depois a evocação de insuficiências formais;

f) no tocante aos líderes que andaram em sentido contrário as expectativas gerais, mancomunado com o Tribunal Constitucional, militarmente falando é o mesmo de uma companhia estar a avançar e, de repente, na calada da noite, um grupo, sabendo da existência de uma armadilha mais à frente, recua, sem avisar os demais do perigo que os espera, levando a maioria dos militares da companhia a cair no campo minado…

Novos desenvolvimentos capazes de dissipar as dúvidas que enevoam o céu dos “amarelinhos”, aguardam-se com a chegada de Abel Chivukuvuku, para hipotecar toda sua autoridade e capital político, na busca de uma solução, pragmática e honesta de todos, capaz de revigorar a esperança dos que acreditam ser a CASA-CE o farol da mudança em Agosto de 2017.

Artigos Relacionados

Leave a Comment