Acabar com a corrupção em Angola seria como acabar com as vogais na língua portuguesa. Essa peregrina ideia de querer pôr, em Angola, os corruptos a lutar contra a corrupção é digna dos bons alunos que o regime do MPLA formou ao longo de 42 anos, contando – é claro – com o apoio de alguns exímios professores portugueses.
Por Orlando Castro
O combate à corrupção em Angola apresenta resultados mais baixos do que seria de esperar? Essa de chamar combate à fantochada do reino do MPLA, agora sob o comando do soba-maior João Lourenço, não passa de uma piada de belo efeito mediático.
Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das leis estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e formatação, o que as torna “ineficazes”.
O combate à corrupção está enfraquecido por uma série de deficiências resultantes da falta de uma estratégia nacional de combate a esta criminalidade complexa, bem como à manutenção de um regime nado e criada sob o manto da corrupção.
Nenhum Governo angolano até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos, de intenções simbólicas, de formas eufemísticas que mais não são do que atestados de menoridade a todos nós.
Mas do que é que estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo que anunciassem medidas concretas, nunca seriam para cumprir. Por alguma coisa Angola em 42 anos teve só três presidentes da República e um só partido no Poder.
As poucas iniciativas legislativas tomadas, as mais vastas ementas de boas intenções, não têm travado a corrupção. Não têm nem terão. Este crime é, em Angola, uma forma impune e imune de ser milionário, de ser donos de escravos, de se estar podre por dentro mas brilhante por fora.
Tudo isto acontece pela manifesta cobardia tanto da comunicação social como da sociedade civil, para acompanhar os processos de produção de legislação e denunciar a má qualidade dos diplomas, a péssima formação dos políticos, dos gestores, dos empresários e de toda a ávida alcateia que mama no erário público.
Na política angolana existe uma total e criminosa (mas impune) irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores e as promessas de combate à corrupção nada mais significam, em termos práticos, de uma garantia de que é possível caçar elefantes com uma chifuta.
Para acabar com esta realidade, seria – para começar – necessário que a Assembleia Nacional fosse formada por políticos honestos (não um, mais um, alfobre da corrupção) que não temessem fiscalizar os actos do Governo, o registo de interesses de deputados e membros do Governo, criando um regime de incompatibilidades aos membros que integram os gabinetes governamentais.
Mais uma vez o Presidente João Lourenço resolveu falar do combate à corrupção. Falou. Falou bem. Mas, neste como em outros assuntos, apenas mudam as moscas…
Os angolanos, na generalidade e em teoria, são contra a corrupção, mas no dia-a-dia acabam por pactuar (até por questões de mera sobrevivência) com ela. Por isso continuamos sem saber como é que se pode combater algo que, em sentido lato, já é uma instituição do regime e do partido que o forma. Falha nossa, certamente.
“No nível simbólico, abstracto, toda a gente condena a corrupção, mas no nível estratégico, no quotidiano, as pessoas acabam por pactuar com a corrupção, até nos casos mais graves, de suborno”, disse o politólogo Luís de Sousa, co-autor, com João Triães, do livro “Corrupção e os portugueses: Atitudes, práticas e valores”.
Não sabemos o que se chamará ao facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem a filiação partidária. Será corrupção? E quando dizem que “se fosse filiado no MPLA teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?
Paulo Morais, na apresentação deste livro, afirmou que a obra confirma que “os portugueses são algo permissivos” relativamente à corrupção, o que considera ser uma herança da “lógica corporativa do tempo de Salazar”.
Se o cidadão anónimo é permissivo por ter sido influenciado pela “lógica corporativa do tempo de Salazar”, quem terá influenciado – no caso de Angola – os presidentes, os ministros, os políticos, os administradores, os banqueiros, os gestores, os generais, os patrões?
“A estrutura de poder actual é, basicamente, a estrutura de poder do doutor Oliveira Salazar. É uma estrutura que se mantém e nos asfixia”, disse Paulo Morais, realçando que, enquanto perdurar esta lógica, “os grandes interesses ficam na mão do grande capital”.
Nesta matéria as similitudes entre Portugal e Angola são mais do que muitas. Afirmar que os níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo o que se passa em África, conforme relatórios de organizações internacionais e nacionais credíveis, é uma verdade que a comunidade internacional, Portugal incluído, reconhece mas sem a qual não sabe viver.
Aliás, basta ver como os políticos e as grandes empresas, portuguesas e muitas outras, investiram forte no clã Eduardo dos Santos como forma de fazerem chorudos negócios… até com a venda limpa-neves. Basta estar atentos para ver que já estão a fazer o mesmo com a equipa de João Lourenço.
Com este cenário, alguém se atreverá a dizer ao actual dono do poder angolano, João Lourenço, que é preciso acabar mesmo com a corrupção porque, se assim não for, será a corrupção a acabar com Angola?
Seja como for, a corrupção pode até ser uma boa saída para a crise angolana. Isto porque, como demonstram as teses oficiosas da comunidade internacional, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com regimes democráticos e sérios.
Quanto ao povo, esse tem de continuar a aprender a viver sem comer.