General(íssimo) e emérito
rei de 20 milhões de pobres

João Lourenço torna-se terça-feira no primeiro Presidente angolano a chegar ao cargo sem ter combatido na guerra colonial, mas o general, de 63 anos, até construiu uma parte do seu percurso no MPLA de arma na mão.

Apesar de não ter chegado a combater directamente o regime português – acabara de completar 20 anos quando se dá a revolução dos cravos em Portugal -, viveu a oposição ao colonialismo ainda criança ao ver o pai detido na cadeia São Paulo, em Luanda, entre 1958 e 1960, acusado de actividade política clandestina, enquanto enfermeiro do porto do Lobito.

Escolhido no simulacro eleitoral de 23 de Agosto como cabeça-de-lista do MPLA com pouco mais de 61% dos votos, perdendo o MPLA 25 deputados no parlamento face às eleições anteriores, e com o país mergulhado numa profunda crise financeira, económica e social (é um dos mais corruptos do mundo, lidera a mortalidade infantil a nível mundial, tem 20 milhões de pobres), o antigo general, que terça-feira é empossado como terceiro Presidente angolano, já prometeu ser reformador, ao estilo Deng Xiaoping, rejeitando a classificação de “Gorbachev angolano” (hipótese realçada, pela primeira vez, pelo Mestre da Lusofonia Eugénio Costa Almeida), por suceder à prolongada liderança de José Eduardo dos Santos (38 anos no poder).

“Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não Gorbachev, Deng Xiaoping, sim”, afirmou João Lourenço, que nasceu no Lobito, litoral centro de Angola, a 5 de Março de 1954.

Deng Xiaoping (Dengue Xópinga, na linguagem popular angolana) foi secretário-geral do Partido Comunista Chinês e líder político da República Popular da China entre 1978 e 1992, tendo criado o designado socialismo de mercado, regime vigente na China moderna e que posteriormente foi adaptado pelo MPLA para Angola.

Depois dos presidentes Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, João Lourenço já assumiu que quer ficar na história de Angola pelo papel na recuperação económica do país.

Pouco antes da proclamação da independência angolana, feita em Luanda, pelo MPLA, e no Huambo pela UNITA e FNAL, a 11 de Novembro de 1975, João Lourenço inicia a carreira militar na República do Congo, tendo feito a sua primeira instrução político-militar no Centro de Instrução Revolucionária de Kalunga.

Hoje general na reforma, e até Julho passado ministro da Defesa Nacional, João Lourenço integrou o primeiro grupo de combatentes do MPLA que entraram em território nacional via Miconge, em direcção à cidade de Cabinda, após a queda do regime colonial português.

Depois de participar em vários combates na fronteira norte, no período de guerra civil que se seguiu à proclamação da independência, João Lourenço ainda fez formação em artilharia pesada e exerceu funções de comissário político em diversos escalões, antes de partir para a então União Soviética.

É nesse processo de qualificação das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) que entre 1978 e 1982 reforça a sua formação militar, além de obter o título de mestre em Ciências Históricas, pela Academia Político-Militar V.I. Lenine.

De novo em Angola, assume entre 1982 e 1990 vários cargos militares, envolvendo-se em diversos combates contra as forças da UNITA, sobretudo no centro do país, até ascender a general das FAPLA. Inicia então um percurso político dentro do MPLA que o levaria até secretário-geral do partido, entre 1998 a 2003.

Com José Eduardo dos Santos, Presidente angolano e líder do partido desde 1979, a anunciar a intenção de deixar o poder com o fim do conflito armado (2002), João Lourenço posicionou-se na corrida à sucessão, o que lhe valeu uma longa travessia no deserto, depois de José Eduardo dos Santos decidir manter-se no poder.

A reabilitação política aconteceu em Abril de 2014, quando é nomeado por José Eduardo dos Santos para ministro da Defesa Nacional, culminado com a eleição, em congresso, em Agosto de 2016, como vice-presidente do MPLA, antecedendo a sua entrada na corrida eleitoral para chefe de Estado angolano.

João Manuel Gonçalves Lourenço é casado e pai de seis filhos, tendo como passatempo a leitura, o xadrez, e a equitação.

Fala inglês, russo e espanhol, mas será em português que ainda terá de se entender com José Eduardo dos Santos, de quem recebe o poder e que continua a ser presidente do MPLA, partido que suportará a governação de João Lourenço.

“O Presidente Dos Santos é uma personalidade muito respeitada, tanto dentro do partido como por um conjunto da sociedade e não é anormal que o presidente do partido no poder não seja ele próprio o Presidente da República. Apenas para citar um caso, Donald Trump é o Presidente dos Estados Unidos mas não do Partido Republicano”, afirmou, por seu turno, João Lourenço.

Uma lição dada por Eduardo dos Santos

Em 2003, já lã vão 14 anos, José Eduardo dos Santos anunciou a sua saída da presidência. Alguns acreditaram, outros fingiram que acreditavam, outros – conforme “ordens superiores” – nem quiseram pensar na credibilidade da afirmação.

O então secretário-geral do MPLA, João Lourenço, foi dos que acreditou que o seu “querido líder” era um político impoluto cuja honorabilidade era à prova de bala. Estendeu-se ao cumprido.

Isto porque quis dar corpo a um movimento, ou facção, para sensibilizar José Eduardo dos Santos no sentido de cumprir a palavra e retirar-se voluntariamente da cena política.

Embora tarimbado nas lides militares, avaliou mal a estratégia subjacente à declaração do chefe. No entanto, na altura, deu o corpo às balas e reiterou publicamente, até mesmo através da comunicação social, que o presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo era um homem de palavra e que, por isso, deveria cumprir o que prometera.

Ledo engano. José Eduardo dos Santos ao longo dos seus 38 anos de poder absoluto mostrou que defende uma coisa às segundas, quartas e sextas e outra às terças, quintas e sábados. Aos domingos prepara, em família, a melhor forma de continuar a ludibriar os escravos, sejam estes militantes do MPLA ou não.

Eduardo dos Santos não gostou que este general se armasse em bagre de corrida e fizesse ondas.

Vai daí, fazendo uso da única lei que conhece (quero, posso e mando) Eduardo dos Santos afastou-o de secretário-geral do MPLA e obrigou-o a “aulas” de “educação patriótica”, ou seja de assimilação de bajulação canina.

Aprendida a lição (tanto quanto parece, embora não seja garantido), durante o IV Congresso do MPLA, em 1998, João Lourenço mostrou que já estava domesticado e pronto a servir, incondicionalmente, o seu amo. A prova perante o “escolhido de Deus” deu-a quando operacionalizou o afastamento da ribalta do partido dos ex-primeiros-ministros Lopo do Nascimento (que tombou estrondosamente de secretário-geral a militante de base), Marcolino Moço e França Van-Dúnem.

Foi uma prova de fogo bem sucedida de alguém que praticou futebol e karaté (Shotokan) e que, para além de equitação, gosta de jogar xadrez.

Depois, nos areópagos à média luz, pensou-se que João Lourenço teria tido uma recaída quando, a par de Bornito de Sousa, se opôs à escolha de Manuel Vicente para vice-presidente, feita pelo próprio Eduardo dos Santos. Hoje vê-se que não. Manuel Vicente era mesmo para queimar.

João Lourenço por… João Lourenço

João Lourenço fez a sua travessia do deserto. Estará completa? Com Eduardo dos Santos e com o MPLA nunca se sabe. E o deserto continua lá…

General João Manuel Gonçalves Lourenço
Data de Nascimento: 5 de Março de 1954
Local de nascimento: Lobito
Habilitações Literárias: Licenciado em História
Cargos Exercidos:
1984 – 1987: 1º Secretário do Comité Provincial do Partido e Governador Provincial do Moxico
1987 – 1990: 1º Secretário do Comité Provincial do Partido e Governador Provincial de Benguela
1984 – 1992: Deputado à Assembleia do Povo
1990 – 1992: Chefe da Direcção Politica Nacional das FAPLA
1992 – 1997: Secretário da Informação do MPLA
1993 – 1998: Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA
1998 – 2003: Secretário-geral do MPLA
1998 – 2003: Presidente da Comissão Constitucional
Membro da Comissão Permanente
Presidente da Bancada Parlamentar
2003 – 2014: 1º Vice-presidente da Assembleia Nacional
Filho de Sequeira João Lourenço natural de Malange e de Josefa Gonçalves Cipriano Lourenço natural do Namibe, enfermeiro e costureira respectivamente, ambos já falecidos.

Fez os estudos primários e secundários na província do Bié, onde o pai se encontrava na situação de residência vigiada por 10 anos após ter estado preso por 3 anos na prisão de São Paulo em Luanda, pelo exercício de actividade política clandestina enquanto enfermeiro do Porto do Lobito.

Deu continuidade aos estudos em Luanda no então Instituto Industrial de Luanda.

Após a queda do regime fascista em Portugal, na companhia de outros jovens, juntou-se à luta de libertação nacional em Ponta Negra em Agosto de 1974 no CIR Kalunga. Integrou o primeiro grupo de combatentes que entraram em território nacional via Miconge-Belize-Buco Zau-Dinge-Cabinda.

Em vésperas da Independência, participou dos combates na fronteira do N’Tó/Yema contra a coligação FNLA/Exército Zairense e a partir do morro do Tchizo em Cabinda contra a unidade da FNLA que se encontrava nas margens do rio Lucola à entrada da cidade.

Tem formação em artilharia pesada, exerceu funções de Comissário Político em diversos escalões, desde pelotão, companhia, batalhão, brigada e comissário da 2ª Região Político- Militar Cabinda, entre 1977/78.

Enviado para então União Soviética de 1978 a 1982 na Academia Superior Lénine de onde para além da formação militar trouxe o título de Master em Ciências Históricas.

De 1982 a 1983, participou nas operações militares no centro do país, Kwanza Sul, Huambo, e Bié com posto de comando no Huambo.

De 1983 a 1986, desempenhou as funções de Comissário Provincial do Moxico e Presidente do Conselho Militar Regional da 3ª Região Político Militar.

De 1986 a 1989, desempenhou as funções 1º Secretário do Partido e de Comissário Provincial de Benguela.

De 1989 a 1990 desempenhou as funções de Chefe da Direcção Política Nacional das FAPLA, em substituição do General Francisco Magalhães Paiva N’Vunda nomeado Ministro do Interior.

De 1991 a 1998 desempenhou as funções de Secretário do Bureau Político para a Informação, de Secretário do Bureau Político para a Esfera Económica por um curto período, de Chefe da Bancada Parlamentar.

De 1998 a 2003 desempenhou as funções de Secretário-Geral do MPLA e de Presidente da Comissão Constitucional.

De 2003 a Abril de 2014, desempenhou as funções de 1º Vice-Presidente da Assembleia Nacional.

É casado com Ana Afonso Dias Lourenço e pai de 6 filhos.

Folha 8 com Lusa

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