Cabinda. “A luta continua e a vitória é certa”, diz a FLEC

Os independentistas da Frente de Libertação do Estado de Cabinda reivindicaram hoje a autoria de dois ataques, este mês, a patrulhas das Forças Armadas Angolanas (FAA), naquele enclave, os quais terão provocado a morte a nove militares.

Num “comunicado de guerra” distribuído hoje, a Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) refere que o primeiro destes ataques teve lugar na segunda-feira quando uma patrulha das FAA terá encontrado forças rebeldes nas matas de Buco-Zau.

Neste confronto, a FLEC-FAC afirma que morreram quatro soldados angolanos, admitindo também ter perdido três guerrilheiros.

O segundo ataque terá acontecido no dia seguinte, 2 de Maio, na zona sul da região de Necuto, também em Cabinda, quando alegadamente os militares das FAA preparavam um ataque a posições dos rebeldes.

A FLEC-FAC reclama que foram mortos nesta acção cinco solados angolanos, além de vários feridos. A revindicação destes ataques sucede-se desde 2016, os quais têm sido desmentidos pelo Governo angolano.

Só em Abril, a FLEC-FAC reclamou a autoria de ataques, em Cabinda, que provocaram a morte a pelo menos 16 militares angolanos. Em Fevereiro e Março, reclamaram a autoria de confrontos em Cabinda que terão provocado a morte a quase quatro dezenas de militares angolanos.

Durante o ano de 2016, vários ataques do género provocaram, nas contas da FLEC-FAC, desmentidas pelo Governo angolano, mais de meia centena de mortes entre as operacionais das FAA.

A FLEC-FAC recorda que a 1 de Fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de Simulambuco, que tornou aquele enclave num “protectorado português”, o que está na base da luta pela independência do território.

O enclave de Cabinda, no ‘onshore’ e ‘offshore’, garante uma parte substancial da produção total de petróleo por Angola, actualmente superior a 1,6 milhões de barris por dia.

O ministro do Interior de Angola afirmou em Outubro que a situação em Cabinda é estável, negando as informações das FAC, que só entre Agosto e Setembro tinha reivindicado a morte de mais de 50 militares angolanos em ataques naquele enclave.

“Em Cabinda, o clima de segurança é estável, é uma província normal, apesar de algumas especulações e notícias infundadas sobre pseudo-ações militares que se têm realizado”, disse o ministro Ângelo da Veiga Tavares.

O chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas também desmentiu em Agosto, em Luanda, a ocorrência dos sucessivos ataques reivindicados pela FLEC-FAC, com dezenas de mortos entre os soldados angolanos na província de Cabinda.

Geraldo Sachipengo Nunda disse então que a situação em Cabinda é de completa tranquilidade, negando qualquer acção da FLEC-FAC, afirmando que aqueles guerrilheiros “estão a sonhar”. Opinião diferente tem o secretário de Estado angolano para os Direitos Humanos e presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo (Bento Bembe) que, no dia 1 de Fevereiro de 2017, admitiu a existência de acções militares em Cabinda.

Os cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola. E não tem.

Em termos históricos, que Portugal teima em esquecer, Cabinda estava sob a “protecção colonial”, à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, à integração coerciva em Angola.

Relembre-se aos que não sabem, aos que sabem mas não querem saber e aos que são pagas para não saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.

Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.

Com perto de dez mil quilómetros quadrados, Cabinda é maior que S. Tomé e quase do tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independente, ser um dos países mais ricos do Continente. A nível agrícola, das pescas, pecuária e florestas tem grandes potencialidades mas, de facto, a sua maior riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês.

Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi “adquirida” por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.

Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuco.

No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola.

É ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial e no território a colonizar.

Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por príncipes, governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o território ficou “sob a protecção da Bandeira Portuguesa”.

No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.

Apesar da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma específica e distinta de Angola.

Partindo desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola. Nunca foi, não é nem poderá ser por muito que isso custe tanto ao MPLA como à UNITA, embora mais ao primeiro do que à segunda.

Nesta altura, com a conivência de Portugal, o governo do MPLA diz que Cabinda é Angola. É exactamente o mesmo que a Indonésia dizia em relação a Timor-Leste. É exactamente o mesmo que Portugal dizia em relação a Angola. E viu-se no que deu!

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