É o habitual no quotidiano dos angolanos, mas aumenta sempre que há a possibilidade de eleições. Tendo na UNITA, desde sempre e por muito que disfarce, o inimigo de sempre e não o adversários político, o MPLA manda às malvas todos os acordos, até mesmo aquele que assinou e que trouxe, há 15 anos, a paz ao nosso país.
Por Óscar Cabinda
Como muito bem recorda Isaías Samakuva, importa que publicamente se traga à colação os acordos assinados pela UNITA e pelo MPLA, em 1991, ao abrigo do qual os dois antigos contendores aceitaram desfazer os seus exércitos e constituíram um exército único, as Forças Armadas Angolanas – FAA, e a nova Polícia Nacional. Também decidiram juntar os recursos que os dois movimentos/partidos controlavam, virar a página do passado, unir o país e corrigir o que estava errado, naquilo que deveria ser o processo de reconciliação nacional.
”Infelizmente, quando o MPLA viu que a UNITA já não tinha exército, resolveu não cumprir o que havia combinado. O MPLA não aceitou integrar grande parte dos soldados da UNITA, o MPLA não aceitou integrar todos os enfermeiros, os médicos, os professores e outros que exerciam funções, que de acordo com os acordos assinados, deveriam estar integrados nas áreas de sua especialidade”, precisou Isaías Samakuva, acusando o partido no poder desde 1975 de perseguir e prender muitos daqueles que se tinha comprometido a integrar.
De acordo com o Presidente da UNITA, o governo do MPLA não respeita os direitos políticos dos cidadãos, não respeita o primado da Constituição e da Lei. De facto, o MPLA governa o país como se fosse sua propriedade privada. Os jovens só tem emprego se forem do MPLA. Os camponeses só recebem adubo se forem do MPLA, a justiça só funciona para o MPLA. O serviço público da rádio e televisão está ao serviço do MPLA.
Servindo-se da ocasião do 51º aniversário da fundação do seu Partido, o Presidente Isaías Samakuva reiterou o seu compromisso irreversível e incondicional com a paz e com a implantação de uma autêntica democracia em Angola. Falta saber quando é que isso irá acontecer, tal como falta saber se – nessa altura – a UNITA ainda existirá.
“É com orgulho que afirmo que a UNITA, desde o fim da guerra armada, jamais deixou de honrar esse sagrado compromisso com a nação angolana. A UNITA correspondeu às expectativas dos angolanos e deu provas inequívocas, ao longo desses 15 anos, da sua capacidade de virar a página do passado, para viver entre irmãos e de agir decididamente como uma força política comprometida com a construção da paz”, afirmou Samakuva.
É verdade. Os angolanos sabem que é verdade. Mas também sabem que nos últimos 15 anos a UNITA tem sido o bombo da festa, sendo ultrajada, defraudada, vilipendiada e excluída.
O líder da UNITA também afirma que está a “engolir muitos sapos” para preservar a paz no país, face às constantes provocações.
“E nós notamos com insistência que há um discurso que dá a impressão que as pessoas têm saudades do conflito, da guerra, querem voltar à guerra”, disse em tempos recentes Isaías Samakuva, sem citar nomes.
Considera ele, sem querer fugir às responsabilidades ou culpas, que diante de “um balanço justo verão que a UNITA até tem estado a engolir muitos sapos”.
“Temos sofrido provocações, humilhações e é a responsabilidade da manutenção da paz que nos faz calar e nos faz engolir esses sapos”, afirmou, salientando que os discursos da principal força política da oposição angolana têm sido de apelo ao diálogo, à justiça e a manutenção da paz.
Samakuva assume que tem sido várias vezes criticado por não agir em muitos casos, preferindo ficar calado e engolir os ditos sapos.
“Eu estou a ter receio quanto a isso, é que a situação tende a evoluir para um ponto em que nós que estamos a tentar fazer uma contenção enorme, podemos ser ultrapassados por aqueles que acham que nós somos moles e que não estamos a fazer nada e um dia aparece um aventureiro aí e depois tem seguidores e a situação fica muito complicada”, alertou.
O presidente da UNITA considerou que a sociedade civil angolana deve conquistar e ocupar o seu próprio espaço, para ser digna de se afirmar como parceiro institucional do Estado, na garantia dos direitos humanos e em especial dos direitos económicos e sociais dos angolanos.
Samakuva defende também que a sociedade civil deve mesmo inventar novos estudos, projectos e campos de intervenção social para a afirmação da cidadania económica, social e cultural angolana.
As teses do boletim oficial da ditadura
Recordemos – porque é preciso não ter medo da memória – quais são as teses do regime, no caso pela pata de Artur Queiroz, um dos mercenários de eleição do Jornal de Angola, numa espécie de artigo publicado em 2015 sob o título: “O apito de guerra de Isaías Samakuva”.
Segundo o mercenário-sipaio para todos os serviços do MPLA, “Samakuva proporcionou aos “quadros” da UNITA uma formação para se actualizarem no “Guia Prático” e nunca esquecerem que “é preciso bater onde dói mais ao Povo Angolano”.
“Aos “quadros” da UNITA foi prometido que iam marchar triunfalmente entre Muangai e Luanda. Depois a rota mudou para a Jamba. Mais tarde, era do Triângulo do Tumpo até à capital, levados ao colo pelos racistas de Pretória”, reproduziu o rapazola com, é claro, todo o rigor na transcrição das “ordens superiores”.
“Na guerra que se seguiu às primeiras eleições multipartidárias, Savimbi prometeu que a rota vitoriosa ia do Bailundo a Luanda. Uns meses depois corrigiu a bússola e a via triunfal ia do Andulo à capital “dominada pelos crioulos””, conta o energúmeno, assumindo a paternidade de um texto encomendado e ditado.
E continua: “Sempre que os bandos armados da UNITA tomavam uma capital provincial, a UNITA dizia que a rota triunfal ia dessas cidades a Luanda. Estava Samakuva a tratar dos negócios alimentados pelo roubo dos diamantes e todas as traficâncias da Jamba, quando a rota triunfal, traçada pelo chefe entre o Lucusse e Luanda, ficou deserta. O chefe ficou com o semieixo partido, Sakala estava moribundo, os outros todos também não se sentiam nada bem e ali acabou a aventura do criminoso de guerra Jonas Savimbi”.
Estes são os sapos que a UNITA (e com ele milhões de angolanos) tem engolido e que, tanto quanto parece, ainda não lhe causaram a indigestão necessária para os vomitar e então assumir o que dizia, por exemplo, o primeiro presidente do MPLA e de Angola, Agostinho Neto: O importante é resolver o problema do Povo. E são 20 milhões de pobres.
Continuemos com as teses do regime, na circunstância reproduzidas pelo mercenário Queiroz: “Entre eles, é justo destacar, pela coerência na ameaça e no ódio à democracia, Samakuva. Ainda há poucos meses, foi ao Huambo, andou pelas montanhas entre a Caála e o Longonjo, e quando falou aos seguidores, anunciou que a rota vitoriosa estava para breve, começava no Huambo e acabava em Luanda. Na altura ninguém deu importância à sua bravata. Mas hoje temos dados que permitem concluir que o líder da UNITA estava a ameaçar seriamente a paz, a estabilidade e, por isso mesmo, o regime democrático”.
Ou seja, a UNITA é “presa” por ter cão e também por não ter cão. Tem a fama mas não tem o proveito. Não estará, de facto, na altura (e já foi muito o tempo perdido) de ter algum proveito, de honrar o sofrimento de um Povo que o único “crime” que cometeu foi ser angolano, embora de terceira categoria?
Continuemos com a tese do MPLA: “O que se passou a seguir, apenas vem confirmar que Samakuva é inimigo jurado da paz e da democracia. Ao discursar para os “quadros” da UNITA em formação nas técnicas de “bater onde dói mais”, o chefe do Galo Negro não poupou nas palavras: “Eu penso há uns dois meses ou há um mês que da forma como o país está a andar, da forma como os angolanos estão a ser tratados, da forma como os nossos governantes violam as leis, da forma como nos governam, um dia nós vamos tocar o apito da alvorada”.
É claro que, diz o Povo, o apito deve ter sido engolido juntamente com os sapos, razão pela qual nunca ninguém mais ouviu falar dele. E é pena.
“Os formandos exultaram, berraram pelo nome de Savimbi e exigiram que a marcha triunfal começasse imediatamente. Samakuva, com sorriso cínico, acalmou a turba: “Não nos empurrem, o apito da alvorada só vai tocar quando nós acharmos que é oportunidade para tocá-lo”. Os “quadros” ficaram inquietos, berraram ainda mais alto pelo nome de Savimbi e exigiram que o sangue corresse nas ruas, de imediato. Samakuva, compreensivo, afirmou: “Nós compreendemos a ânsia das pessoas ouvirem o apito tocar, mas quem toca o apito tem de ler a situação, tem que fazer uma leitura correcta da situação e saber qual é a oportunidade de tocar o apito. Alguns não sabem se tocar o apito leva ar, é preciso arranjar um bom apito, é ou não é verdade? Primeiro você tem que ter o tal apito, é ou não é verdade? Depois tem que ter a tal energia para soprar o tal apito, para se ouvir em toda a parte”, recordou o invertebrado mercenário.
E então?
Conta o pasquineiro que “Samakuva concluiu o discurso ante os “quadros” que estão a actualizar as formas de “bater onde dói mais”, com esta tirada: “O que é que vamos esperar de um Governo que nem sequer consegue tirar o lixo da nossa porta, o que é que podemos esperar de um Governo que não consegue nos trazer água, o que é que podemos esperar dele, a maioria está nestas condições. Alguns pensam que isso acontece por outras razões. Não. Acontece porque eles são incompetentes. Eles não sabem governar, para eles governar é encher os seus bolsos.”
Mais uma vez o regime mandou o simiesco escriba recordar que “a maioria democrática que Governa Angola foi muito competente quando salvou a vida a milhares de quadros políticos e militares do Galo Negro nas matas do Lucusse e em todo o país. Famintos, piolhosos, moribundos, todos foram salvos da morte certa. Samakuva devia ser grato aos que lhe dão o estatuto de líder político em vez de o levarem ao Tribunal Penal Internacional por conivência com o regime de apartheid da África do Sul e autor material e moral de gravíssimos crimes de guerra.”
Bem vistas as coisas, o Povo interroga-se se o facto de Isaías Samakuva ter uma tão grande capacidade para engolir sapos não é resultado da capitulação, que parece eterna, perante o regime do MPLA ou, o que vai dar ao mesmo, da substituição da mandioca pela lagosta.