A defesa dos activistas angolanos condenados a penas de até oito anos de prisão apresenta terça-feira um ‘habeas corpus’ no Tribunal Supremo, pedindo que aguardem a decisão sobre o recurso em prisão domiciliária. É um passo normal quando se está num Estado de Direito. Não é, contudo, o caso.
A informação foi avançada hoje à Lusa pelo advogado de defesa Walter Tondela, dando conta que, em paralelo com esta acção, que visa apenas a situação carcerária dos detidos, avançam igualmente as alegações do recurso admitido já na segunda-feira pelo Tribunal de Luanda, para apreciação igualmente pelo Supremo.
Os 17 activistas, 13 dos quais estavam em prisão domiciliária e duas em liberdade, foram condenados, segunda-feira, a penas de prisão efectiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por supostos e nunca provados actos preparatórios para uma série de crimes que vão de rebelião a atentado contra o Presidente da República (nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979), passando pela mais recente inovação de associação de malfeitores.
Apesar de ter admitido o recurso imediatamente interposto pela defesa, e alegando que se tratavam de penas de prisão maior (mais de dois anos), o juiz da causa, Januário Domingos, não suspendeu a execução da pena.
“Na prática eles já estão a cumprir pena, apesar de o tribunal ter admitido o recurso [para o Supremo]. É a situação carcerária deles que pretendemos reverter com este ‘habeas corpus'”, explicou Walter Tondela, que juntamente com o advogado Luís Nascimento defende dez dos activistas condenados.
Além de pretenderem o regresso à condição anterior (à data da leitura do acórdão), de prisão domiciliária, de 13 dos jovens, o recurso pede o mesmo para as duas activistas igualmente condenadas e também na cadeia desde segunda-feira, que até agora tinham aguardado o desfecho do processo em liberdade.
A defesa prepara nesta altura a entrada com o pedido de ‘habeas corpus’ e das alegações do recurso da condenação no Tribunal Supremo, além de um segundo recurso para o Tribunal Constitucional.
Entretanto, de acordo com os advogados, e tal como o Folha 8 noticiou, o professor universitário Domingos da Cruz, condenado à pena máxima de oito anos e seis meses de prisão efectiva, juntamente com Albano Bingo Bingo, Hitler Tshikonde e José Gomes Hata, foi levado ainda na segunda-feira para a cadeia de Caquila, na comuna de Calumbu, em Viana, arredores de Luanda.
Para Calomboloca, entre Luanda e a província do Bengo, outra das cadeias onde estes activistas já tinham cumprido seis meses de prisão preventiva antes da sentença (entre 20 de Junho e 18 de Dezembro), foram transferidos Inocêncio de Brito, Osvaldo Caholo, Afonso “M’banza Hanza e Luaty Beirão, este último condenado pelo tribunal de Luanda a cinco anos e seis meses de prisão.
Os restantes jovens foram levados para a Cadeia Central de Luanda, enquanto as duas activistas também condenadas seguiram para a Cadeia da Comarca de Viana, indicou anteriormente o advogado Walter Tondela.
O investigador e professor universitário Nuno Dala, que se encontra em greve de fome desde 10 de Março, em protesto, permanecia em acompanhamento no hospital-prisão de São Paulo, em Luanda.
Na última sessão do julgamento, o Ministério Público do regime deixou cair a acusação de actos preparatórios para um atentado ao Presidente e outros governantes, apresentando uma nova de associação de malfeitores, sobre a qual os activistas não chegaram a apresentar defesa, um dos argumentos dos recursos.
E se não foi possível contestar a nova acusação do Ministério Público do regime, apresentada – recorde-se – na última sessão de julgamento, é bem possível que os juízes tenham outras acusações apensas à sentença e que ninguém conhece.
O tribunal deu como provado (de acordo com as ordens superiores e já incluídas na sentença mesmo antes do julgamento começar) que os acusados formaram uma associação de malfeitores, pelas reuniões que realizaram em Luanda entre Maio e Junho de 2015 (quando foram detidos). Num “plano” desenvolvido em co-autoria, pretendiam – disse o tribunal – destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de acções de “Raiva, Revolta e Revolução”, colocando no poder elementos da sua “conveniência” e que integravam a lista para um “governo de salvação nacional”.
É caso para dizer que estes 17 jovens tinham um poder nunca visto.
Os activistas garantiram em tribunal que defendiam acções pacíficas e que nestes encontros discutiam política e liam um livro de Domingos da Cruz, fazendo uso dos direitos constitucionais de reunião e de associação.
É claro que, mais uma vez, os jovens confundiram a obra-prima do mestre com a prima do mestre de obras ao julgarem que estavam numa democracia e num Estado de Direito.
Folha 8 com Lusa