As Forças Armadas Angolanas (FAA) querem criar uma base de dados e controlar as armas de guerra nas mãos de particulares, empresas privadas de segurança e as utilizadas pela polícia, face à falta de informação actual.
Armas de guerra nas mãos de populares? Finalmente, dirão alguns. Outros pensarão que a ideia é outra e que, com esta medida, as FAA estão a ajudar o regime a encontrar razões para voltar ao fantasma da guerra, forma típica de perpetuar no poder os mesmos de sempre, os mesmos que lá estão desde 1975.
A posição foi transmitida aos jornalistas pelo chefe da Direcção Principal de Armamento e Técnica das FAA, tenente-general Afonso Neto, à margem de uma reunião metodológica, em Luanda, sobre armamento.
“Nós, Forças Armadas, utilizamos armas e também há outros operadores, outras organizações, que utilizam armamento. Pensámos que este trabalho que estamos a fazer (registo de armas) necessariamente terá de evoluir para os outros sectores (…) obrigatoriamente teremos de encontrar uma modalidade que permita que tudo o que é armamento de guerra que não esteja nas FAA seja controlado por nós”, explicou.
O objectivo passa mesmo por “absorver”, colocando em depósitos de armamento, essas armas, disse ainda.
Em Angola, e apesar de legislação já aprovada proibindo a utilização de armas de fogo, continua a ser usual observar seguranças privados a circularem e patrulharem a via pública munidos de metralhadoras e outras armas de guerra. Ou seja, estamos num país em que vale tudo, até mesmo a existência de exércitos privados.
A polícia angolana tem também vindo a admitir o crescente número de assaltos e outros crimes violentos utilizados com recurso a armas de guerra, sobretudo metralhadoras AK.
No último fim-de-semana, e apenas na província de Luanda, a polícia apreendeu 16 armas de fogo envolvidas em diversos crimes.
Além de uma base de dados com registo e informação sobre as armas de guerra, as FAA querem igualmente controlar o armamento do género na posse da Polícia angolana. Então a Polícia nem tem autonomia? E a Guarda Presidencial tem?
“Os órgãos de polícia têm armamento de guerra que têm de ser controlados por nós. Temos de ter uma base de dados para saber que essas armas estão na Polícia Nacional”, sublinhou o tenente-general Afonso Neto, admitindo que no cenário actual não há informação sobre estas armas.
“Em toda a parte do mundo a única entidade que faz o controlo e registo das armas de guerra são as forças armadas”, concluiu o oficial das FAA.
Chamem o perito Kundi Paihama
Esta é uma matéria em que as FAA vão com certeza beneficiar da assessoria pragmática de Kundi Paihama, enquanto ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria mostrou ser perito nesta questão de armamento clandestino.
O actual governador do Huambo, reconheça-se, é também perito noutras matéria relevantes para a democracia norte-coreana que o regime quer solidificar em Angola. Relembre-se que Kundi Paihama continua certo de que no nosso país existem dois tipos de pessoas, os angolanos e os kwachas, sendo que estes eram, ou são, os ovimbundos que apoiavam a UNITA.
Em Agosto de 2012, no Estádio Nacional de Ombaka, Kundi Paihma garantiu que os que lutarem contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos “vão ser varridos”. Muitos já foram, outros estão em lista de espera. E quando se anunciam eleições para 2017, nada melhor do que começar a pôr a circular a questão das armas de guerra clandestinas para, daqui a uns meses, se reeditar o fantasma de nova guerra.
Ao contrário do que aconteceu em 2008, o regime tem cada vez indicações fidedignas de que, nas eleições de 2017 (se as houver), os mortos se vão recusar a votar no MPLA. Isso não é, reconheça-se, impeditivo de uma solução alternativa, testada com êxito nas anteriores eleições, em que em alguns círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes.
Se se estivesse a falar de um Estado de Direito e de uma comunidade internacional honesta, seria criticável que o partido que nos desgoverna desde 11 de Novembro de 1975, que tem como seu líder carismático e presidente da República alguém que está no poder desde 1979 sem ter sido nominalmente eleito, sentisse necessidade de usar a intimidação violenta para ganhar eleições.
Mas como nada disso se passa, tudo vai continuar a ser feito por medida e à medida do MPLA. É para isso que o petróleo existe. E é para isso que as FAA não estão ao serviço do país mas do regime. É para isso que a Polícia não é nacional, é do regime.
E porque o regime só reconhece a existências de um único “escolhido de Deus”, Eduardo dos Santos, não admite que existam dúvidas, não aceita que a sua liberdade termine onde começa a do Povo. Vai daí, intimida, ameaça, espanca, rapta e mata quem tiver a veleidade de contrariar o “querido líder”.
Por alguma razão Kundi Paihama, tal como os restantes “yes man” do regime, continua a pedir aos militantes do seu partido para que controlem “milimetricamente” todas as acções da oposição, para não serem “surpreendidos”.
Na senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de enveredar por “manifestações violentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando a desobediência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas da polícia com pedras, garrafas e paus”.
Certamente graças ao árduo trabalho de Kundi Paihama, o MPLA sempre disse que tinha em seu poder “informações secretas que apontam que a UNITA e outros opositores estão prestes a levar a cabo um plano B”.
Plano que prevê, segundo os etílicos delírios dos dirigentes do regime, “uma insurreição a nível nacional, tipo Líbia, Egipto, Tunísia e Síria”, sendo as províncias de Luanda, Huíla, Benguela, Uíge e, claro está, Huambo as visadas.
Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder as eleições e de ver outro partido que não o MPLA a governar o país.
Para além do domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros, o MPLA aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação. E para esse papel, reconheça-se, não ninguém melhor do que Kundi Paihama, nomeadamente numa província que, apesar de alguma submissão, continua a ser uma espinha entalada na garganta do regime.
Aliás, um dia destes vamos ver por aí Kundi Paihama afirmar que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas da UNITA que devem “ser varridos”.
E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada que tem na primeira linha das suas opções e que é tão do agrado das potências internacionais, ou seja a de que há perigo de terrorismo, de guerra civil.
Kundi Paihama não tardará (por ele já o teria feito) a redescobrir mais uns tantos exércitos espalhados pelas terras onde a UNITA tem mais influência política, no Huambo por exemplo, para além de já ter dito que quem falar contra o MPLA vai para a cadeia, certamente comer farelo.
Tal como mandam os manuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas de propaganda, prevenir os angolanos de que ou estão com ele ou vem aí o fim do mundo.
Além disso, nos areópagos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo o país bandos armados que precisam de ser neutralizados. E não precisa de fazer grande esforço para que os amigos acreditem. Aliás, essa estratégia é mesmo aconselhada pelos seus submissos parceiros.
Como também dizem os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus “paihamas” para criar a confusão mais útil.
Nunca é demais recordar que, numa entrevista à LAC – Luanda Antena Comercial, no dia 12 de Fevereiro de 2008, era então ministro da Defesa, Kundi Paihama, levantou a suspeita (nunca confirmada mas também nunca desmentida) de que a UNITA mantinha armas escondidas e que alguns dos seus dirigentes tinham o objectivo de voltar à guerra.
Kundi Paihama, ao seu melhor estilo, esclareceu, contudo, que os antigos militares do MPLA, “se têm armas”, não é para “fazer mal a ninguém” mas sim “para ir à caça”. Não era preciso dizê-lo. Todos sabemos que é mesmo assim…
Quanto aos antigos militares da UNITA, Kundi Paihama disse que a conversa era outra e lembrou que mais cedo ou mais tarde seria preciso falar sobre este assunto. Disse textualmente: “Ainda hoje se está a descobrir esconderijos de armas”.
E a lei de Maio de 2014?
A Lei sobre as Empresas Privadas de Segurança, aprovada em Maio de 2014, impunha (isto é como quem diz) um plano gradual de substituição de cerca de 30 mil armas de guerra, na posse destes elementos, por outras de autodefesa.
Na altura, o coordenador da Comissão Nacional para o Desarmamento da População Civil, comissário-chefe Paulo de Almeida, admitiu, contudo, que “há ainda muitas coisas que precisam ser devidamente esclarecidas” no âmbito desta legislação, aprovada pela Assembleia Nacional em Maio de 2014.
A Lei envolvendo as Empresas Privadas de Segurança colocava exigências relativas à formação do pessoal, um valor mínimo obrigatório de remuneração ou um capital mínimo para a sua constituição.
O uso de armas do tipo de autodefesa, em substituição das armas de guerra utilizadas diariamente até agora sem qualquer tipo restrição pelas ruas das cidades angolanas – estima-se que cerca de 30 mil -, seria a principal mudança e uma das maiores preocupações das autoridades.
“Há uma outra lei que se vai associar a esta, é a Lei do Uso e Porte de Armas. Isto vai definir o que é que são armas de defesa pessoal – armas de caça, de recreio, os calibres – e vai exigir os requisitos que devem ter os possuidores desse tipo de armas”, explicou Paulo de Almeida.
O também segundo comandante-geral da Polícia Nacional de Angola sublinhou que a substituição de armas será feita de forma gradual, tendo em conta que Angola não possui casas de venda de armas de autodefesa.
“Eles vão ter que necessariamente importá-las, procurar outros mercados para adquirirem essas armas e depois há todo um procedimento de verificação, fiscalização, controlo e então vai levar um certo tempo”, frisou aquele alto oficial da polícia angolana.
Instado a comentar a contradição sobre as empresas de segurança privada usarem armas de autodefesa – com menor poder de fogo – enquanto os meliantes têm na sua posse armas de guerra, como se constatava (e constata) nos assaltos , Paulo de Almeida assumiu uma “incongruência” neste aspecto.
Ainda assim, salientava, essa substituição é um imperativo: “Nós não podemos ter vários exércitos e a posse de armas de guerra, em mãos de serviços, que não são forças militares, nem paramilitares, são serviços, pode acarretar outros problemas, um deles é esse da irresponsabilidade e da negligência e às vezes da não assunção sobre essa perda de armas”, explicou.
Segundo o coordenador do processo de desarmamento da população civil angolana, em curso desde 2008 e que já tinha permitido recolher até 2014 mais de 80 mil armas, uma das maiores preocupações tem a ver com as armas em posse das empresas de segurança privada que vão parar às mãos dos delinquentes por negligência do pessoal.
“De facto precisamos melhorar um pouco mais a qualidade operacional e mesmo de resposta das forças privadas de segurança e também criar outros sistemas de controlo, sobretudo que reforçam a capacidade de segurança e de observação das próprias empresas”, adiantou.
“De modo que a própria preparação vai fazer com que eles [seguranças], mesmo com estas armas de autodefesa, consigam contrapor essas acções dos bandidos, porque embora sejam armas de autodefesa, matam, aleijam, ferem”, rematou.