O resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola, à partida, “não vai nem resolver nem agravar” a crise económica angolana, mas o “mais certo é que a vá agravar”, defendeu hoje o antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco.
Numa entrevista à agência Lusa, Marcolino Moco considerou que o “repugna” abordar as coisas de forma pontual e que tudo se deve a um “contexto africano” que promove a “exclusão”, permitindo que quem está no poder “não deixe o lugar a mais ninguém”.
A 6 de Abril, o FMI anunciou que Luanda lhe solicitara ajuda externa face à quebra de receitas do petróleo, pedido que o ministro das Finanças angolano, Armando Manuel, negou, um dia depois, que constitua um “resgate”, estando em curso discussões para determinar o montante.
“Repugna-me um pouco abordar as coisas do tipo pontual. Quem quiser ver a África a progredir não vale a pena perder tempo com essas questões pontuais. Não será este resgate que vai resolver ou agravar o problema de Angola. Vai oscilar, para um lado ou para o outro. O mais certo é que agrave”, disse Marcolino Moco.
“O próprio contexto africano está errado. A própria estrutura do Estado africano está errada. Há a exclusão. Quem chega ao poder, provavelmente está conotado com um grupo específico, não deixa lugar a mais ninguém”, acrescentou.
Para Marcolino Moco, o problema da exclusão da maioria angolana é provocado “por meia dúzia de pessoas, família do Presidente da República (José Eduardo dos Santos), isso não é novidade, e governantes”, alguns deles generais que, disse, já não o deveriam ser por exercerem funções ministeriais.
“São esses que efectivamente preocupam. Depois há aqueles que enriqueceram naquelas circunstâncias da guerra (terminou em 2002) e hoje têm empreendimentos em Angola. Podem ter empreendimentos fora, mas não são tão impactantes, ao ponto de condicionar governos. Governos não. Condicionou sobretudo o Governo português. Isso é, efectivamente, só a família presidencial e pouco mais”, acusou.
Marcolino Moco escusou-se a aprofundar o tema das relações entre o BPI e o Caixa Bank – “não sei o que vou achar porque não sei o que vai na cabeça dela (Isabel dos Santos), mas defendo que ela devia submeter-se às regras” – e entre o Banco Nacional de Angola (banco central) e o BFA – “sobre o BNA conhecemos pouco, pois é um instrumento de poder”.
Sobre o poderio da empresária Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, o antigo chefe do Governo angolano lembrou que, hoje em dia, “já ninguém a incomoda” para saber de onde vem tanta riqueza.
“Isso já todos deixaram cair. De tanto isso ser ostensivo, caiu na rotina. Admira-me que a Isabel dos Santos não pára, nem em Angola nem sobretudo em Portugal, que estava a abrir os olhos e não sei se agora começa a pôr um certo refreio. Contrariamente a outros Estados, como França, EUA e Inglaterra. Agora começa-se a sentir algum travão, com o caso BPI”, disse.
“Em Angola, Isabel continua a não parar. Recebeu as obras da cidade de Luanda e uns tantos milhões, enquanto há problemas sérios com os hospitais, com as cidades, que infelizmente são governadas a partir do problema da centralização. Mesmo perante esta situação, Isabel continua a somar e a seguir”, frisou.
“Há mortos nos hospitais, os cadáveres não cabem nas morgues e ela abre grandes centros comerciais, recebe de mão beijada obras para estradas que não têm validade imediata. O que se passa nos bairros de Luanda é uma calamidade”, concluiu.
Fundo Soberano da família presidencial
O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco critica a falta de informação sobre os dinheiros do Fundo Soberano de Angola (FSDA), com activos de mais de 5.000 milhões de dólares, cerca de 4,4 mil milhões de euros.
Na entrevista à Lusa, em Lisboa, Marcolino Moco, que chefiou o Governo de Luanda entre 1992 e 1996, escusou-se, porém, a comentar as alegadas ligações do FDSA ao caso “Papéis do Panamá”, optando apenas por criticar o facto de ninguém saber informações sobre o fundo.
“O problema é que ninguém sabe nada sobre o Fundo Soberano. Se alguém me vier dizer que sabe, é mentiroso”, disse Marcolino Moco, criticando também o facto de o fundo, criado em 2012 pelo Governo angolano, ser liderado por José Filomeno dos Santos, filho de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, o que considerou ser uma “irresponsabilidade”.
“Ninguém sabe o que se passa com o Fundo Soberano, que foi entregue, outro problema de irresponsabilidade, ao filho de um presidente e que, até aí, não tinha nenhum «background» político para assumir esta responsabilidade. Pegar num filho, só por ser filho, para receber essa responsabilidade e, pior ainda, não dar qualquer informação, não prestar contas, só pode mesmo acontecer em Angola e em África”, referiu.
O também primeiro secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, 1996/2000) lembrou a polémica em torno do processo de criação do próprio fundo, em 2012, que, segundo a lei, deveria ter tido como base de discussão a Assembleia Nacional (AN) angolana.
“Mas, depois, juristas, até alguns deles portugueses, contribuíram para elaborar a tese que não, nas circunstâncias actuais, com os poderes que o presidente tem hoje, não é preciso levar o problema da criação do fundo para a AN”, sublinhou.
“Mas, mesmo que fosse (para a AN), e esse é outro aspecto gravíssimo, o de que quem não estiver na Assembleia não acompanha as discussões dos problemas porque as discussões não saem cá para fora, sobretudo as que não interessam”, o projecto seria sempre aprovado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), acrescentou.
O FSDA foi criado com o objectivo de investir domesticamente e no exterior do país os recursos gerados pelas exportações de petróleo em infra-estruturas e outros projectos tendentes a diversificar a economia angolana, fortemente dependente dos hidrocarbonetos.
Em meados de Abril último, vários órgãos de comunicação social noticiaram que Angola, através do FDSA, surgiu na investigação internacional aos paraísos fiscais, conhecida por “Papéis do Panamá”, factos negados pela própria direcção do fundo a 22 do mesmo mês.
Em comunicado, o FSDA disse-se “vítima de alegações infundadas”, garantindo que a legalidade das suas actividades vai ser “re-comprovada” na próxima publicação do relatório de contas anual, “prática regulamentar observada” desde sempre.
Folha 8 com Lusa