Campanha de (des)estabilização

As questões que envolvem o tema relacionado com a liberdade de imprensa são apaixonantes e motivadoras de discussões temáticas onde são esgrimidos diversos tipos de argumentos. Desde, é claro, que os interlocutores saibam contar até 12 sem terem de se descalçar.

Uns motivados por ideologias políticas, outros por frustrações profissionais próprias de uma classe que faz da inquietude a sua grande motivação profissional, e ainda outros que a utilizam como arma de arremesso para subverter vontades e decisões que não se enquadram nas suas estratégias ou da daqueles que os utilizam sem qualquer tipo de pudor.

No grupo destes últimos estão entidades e personalidades nacionais, aparentemente insuspeitas, mas que não hesitam em usar recursos e métodos de persuasão para a aquisição das cumplicidades que lhes possibilitem a conquista dos seus objectivos de manutenção incólume do poder.

Nas páginas do jornal oficial do regime foi recentemente publicada uma pequena entrevista com o padre Quintino Candanje onde ele, respondendo a uma pergunta do jornalista Gabriel Bunga, afirmou que a estação de que é director, a Rádio Ecclesia, teria de devolver determinada verba que lhe teria sido atribuída pela União Europeia, por se ter recusado a cumprir um protocolo de cooperação que, no seu entender, previa uma série de acções inseridas num determinado plano gizado para “derrubar o poder actual em Angola”.

Foi uma declaração forte, mas peremptória, feita ao abrigo da liberdade que o padre Candanje (tal como todos os que queiram dizer bem do regime) tem de se exprimir para, como homem de fé (remunerada), denunciar supostas verdades que tanto jeito dão à cleptocracia de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
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Numa “nota de esclarecimento” enviada às redacções, a delegação da União Europeia em Luanda confirmou a existência desse protocolo e a atribuição de uma verba à Rádio Ecclesia para o cumprimento de um especificado projecto. Os bispos da CEAST, na sua vocação submissa ao regime, emitiram por sua vez um comunicado onde apelaram à ponderação, ao diálogo e à concórdia para solucionar o problema de modo a que, convenhamos, continuem a beneficiar dos apoios do regime.

Ou seja, o exercício da livre expressão internacional, que o pasquim oficial (tal como a TPA, RNA e Angop) sempre defenderam desde que seja para dizer bem do regime, permitiu que todos nós soubéssemos que a União Europeia financiou, de facto, um projecto da Rádio Ecclesia e que este se destinava, de algum modo, a defender a verdade.

Foi também o direito dessa mesma expressão, e provavelmente esse tal compromisso para defender a verdade, que permitiu à deputada europeia Ana Gomes, de nacionalidade portuguesa, na sua última visita ao país, usar em directo os microfones da Ecclesia, como se estivesse num país livre, para desferir um forte ataque contra a soberania do regime (a soberania nacional é outra coisa), acompanhado depois de um apelo um pouco mais discreto para que houvesse uma maior contundência nas posições da emissora contra a propaganda do Executivo, conforme também teve oportunidade de esclarecer o prelado, agora em declarações convenientes à Rádio Nacional… do regime.

E, aqui chegados, a grande questão que se coloca é de se saber se não estará a mesma União Europeia a financiar outros projectos de comunicação social em Angola, igualmente destinados a defender a verdade (que tantas alergias causa ao regime e aos seus acólitos).

Numa altura em que a liberdade de imprensa continua a ser um tema de discussão nacional, motivando até algumas forças políticas a realizarem conferências para se lamentarem da forma como são tratados por “certos” escribas, o episódio que envolve o director da emissora católica e a União Europeia volta a trazer à superfície a questão que envolve a denúncia repetidamente feita, por parte das autoridades internacionais, da existência de uma campanha internacional que visa a instauração em Angola de uma democracia e de um Estado de Direito.

De facto, os sinais de que essa campanha existe e que está em marcha cada vez mais acelerada, começam a multiplicar-se e levaram já o próprio ministro das Relações Exteriores a garantir que as autoridades estão atentas, sabem o que se passa e a afirmar que serão tomadas as medidas diplomáticas adequadas para denunciar e travar essa tentativa de transformar Angola num Estado de Direito Democrático.

Muitas organizações nacionais e internacionais que actuam em Angola, ao abrigo de programas especialmente direccionados para a “promoção da democracia e da defesa dos direitos humanos”, são encaradas pelo regime como uma descarada ingerência nos assuntos internos do país-

Esses programas, estabelecidos com toda a transparência, provam que internamente há quem lute para que não se apague – como pretende o regime – a esperança de o nosso país ser um dia destes um Estado de Direito Democrático.

As medidas diplomáticas prometidas pelo ministro das Relações Exteriores são – do ponto de vista do regime – urgentes e pertinentes, tal a gravidade que envolvem essas tentativas de desestabilização da cleptocracia reinante.

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