O papel de embrulho da loja do chinês

Há alguns, já bastantes, anos, quando fazíamos jornalismo para uma rádio, tivemos a possibilidade de conhecer muitos personagens de cartoons a trabalharem nessa profissão, alguns até em agencias noticiosas muito badaladas.

Por Domingos Kambunji

Desse período da nossa vida, recordamo-nos de um estagiário de uma agência de notícias europeia, que posteriormente veio a adquirir o estatuto de correspondente. O orientador convidou-o a ir, à parte alta da cidade, para fazer uma reportagem sobre o incêndio que havia deflagrado no depósito da água que abastecia a urbe. Ele foi. Regressou, passados cerca de dez minutos, com a informação de que era um falso alarme.

Aquele papel de Angola, razoavelmente bom para embrulhar louça barata na loja do chinês, dirigido pelo Bolha e o Victor, que também é Roger Godlooser, não pára de nos surpreender com as suas “repostagens”. A de ontem quase destronava a reportagem que efectuou no Hospital de Icolo o Bengo, publicada já há alguns meses.

Há algum tempo, um dos trabalhadores por conta do Bolha decidiu visitar o Hospital de Icolo o Bengo. O repórter regressou de lá muito sensibilizado com o funcionamento dessa instituição. Vai daí, sentou-se numa das secretárias do supra citado papel de embrulho e escreveu um longo texto elogiando os serviços prestados aos doentes. O redactor concluiu que, apesar da falta de medicamentos no hospital, os doentes tinham alta, depois de alguns dias de internamento, completamente curados, devido à simpatia e carinho que lhes eram oferecidos pelos enfermeiros.

Ainda não conseguimos perceber por anda o júri que atribui, anualmente, o Prémio Nobel da Medicina. Deve andar completamente distraído, para não dar a medalha aos enfermeiros de Icolo o Bengo, devido aos relevantes serviços prestados com as suas terapias, aos doentes, à nação e a toda a humanidade.

A última reportagem do papel de embrulho, da loja do chinês, que quase nos fez ir às lágrimas e soltar baba e ranho de todo o tamanho, saiu da tipografia com a informação de que a reciclagem do lixo poderá dar lucro em Angola. Nós, que não somos tão especialistas como o repórter do papel de embrulho, pensávamos que a reciclagem do lixo poderia minimizar os prejuízos, com especial incidência na área da despoluição ambiental.

Alguém nos disse que quando a China apresentava uma taxa de crescimento de cerca de 10% necessitaria dos lucros de uma taxa de crescimento de 14% para poder despoluir o país. Quem nos disse isso talvez seja uma pessoa mal formada, porque nunca leu o papel de embrulho de louças baratas da loja do chinês.

Um guia turístico, em Boston, ao mostrar-nos a sede do Banco Federal, construído no tempo de Jimmy Carter, revestido a alumínio reciclado, das latas de refrigerantes, disse-nos que o custo do edifício foi quarto ao cinco vezes superior ao preço que custaria se não tivessem optado pela utilização desse metal reciclado. Todavia, os benefícios traduziram-se numa melhoria do ambiente.

O Secretário de Estado do Ambiente de Angola, num discurso que deve ter sido escrito também por uma chefe da OMA (Organização das Mulheres Amestradas), associação presidida por um elemento do sexo masculino, (o Comandante Chefe do Governo e das Forças Armadas), o Syanga Abílio, disse alto e em bom som, que “hoje em dia o lixo já não é só lixo”.

Aristóteles, Arquimedes, Galileu Galilei, ou Einstein demorariam muitíssimo mais tempo do que o Syanga a chegar a essa brilhante conclusão, a esse novo paradigma. António Jacinto, Ernesto ou Alda Lara não foram capazes de escrever um poema assim, com tanta profundidade e elevada sensibilidade.

Nós já sabíamos que em Luanda e noutras cidades o lixo não é só lixo, porque serve de fonte de alimentação a muitos cidadãos nacionais dos meios urbanos. Todavia, estávamos muito longe de sermos capazes de sintetizar uma conclusão, de um modo tão objectivo, com tanta pompa e circunstância, como fez o Secretário Abílio. (Outro Prémio Nobel que fica por atribuir, o da Ciência.)

“O lixo pode ser valorizado, monetarizado, reciclado e reutilizado”. (Nós nunca reutilizaremos o lixo produzido pelo Syanga Abílio, na sua actividade governamental.) O Secretário de Estado diz que a reciclagem do lixo pode criar postos de trabalho. Isso já nós sabíamos, desde há muitas décadas. Caramba, também não somos assim tão ignorantes!… O que nós não sabíamos (esta deve ter sido a parte do discurso, do Syanga Abílio, escrita pela chefe da OMA) é que “a reciclagem do lixo gera empregos sobretudo para os jovens e para as mulheres”. Nós ignorávamos o facto de essa coisa da reciclagem gerar empregos discriminando a idade e o género.

O Sayanga não esclarece o tipo de jovens e o tipo de mulheres. Os jovens que podem trabalhar na reciclagem de lixo devem estar na infância, adolescência ou jovens adultos? As mulheres devem ser de que raça ou etnia, qual e peso e a altura mais aconselháveis, heterossexuais ou lésbicas, casadas ou solteiras, com ou sem filhos, analfabetas, com diplomas do ensino primário ou secundário, licenciadas, com mestrado ou doutoradas por uma universidade angolana ou estrangeira, em principio ou em final de carreira?…

Esse negócio da reciclagem do lixo também poderá empregar ex-Secretários de Estado? Se sim, o Syanga Abílio, quando for desempoleirado, poderá candidatar-se e talvez venha a ser admitido. As mulheres que trabalharem na reciclagem do lixo que se afastem dele. Este homem produz um cheiro, muito intenso, a katinga, quando pensa e usa da palavra. As mulheres que pertencem à OMA já estão habituadas a isso e talvez possam aproximar-se do Syanga um pouquinho mais.

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