Fundo (sem fundo) soberano do rei de Angola

É raro mas às vezes acontece. Em Setembro do ano passado a AFP (Agence France-Presse) descobriu a pólvora: “A nomeação de um dos filhos do presidente José Eduardo dos Santos para o comando do Fundo Soberano, alimentado pelos recursos obtidos com o petróleo, mostra o controlo crescente da família presidencial sobre todas as esferas do poder”.

Que o clã de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, domina o país, mas não só, todo o mundo sabe há muito tempo, embora seja uma verdade que está a ser escondida por todos os meios aos… angolanos. Ter mais de 60 por cento da população na miséria é, convenhamos, uma boa estratégia para manter o povo numa total ignorância.

E quando aparecem alguns angolanos que se recusam a ser escravos, a solução é metê-los na cadeia, dizer que fazem parte de um bando criminoso que, inclusive, pode evoluir para o terrorismo.

“Esta escolha confirma a omnipresença da família dos Santos em Angola, mas mostra também que a campanha para fazer do filho do Presidente o seu sucessor já começou”, disse há mais de um ano Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro e uma das poucas figuras do partido no poder, o MPLA, que, embora correndo o risco de chocar com uma bala perdida, fala sobre a vida política, mostrando ser um Homem livre.

Dizia a AFP que “a imprensa angolana apenas comentou essa escolha, que foi anunciada num comunicado do Fundo Soberano após várias semanas de rumores, e a Presidência negou-se a fazer comentários a este respeito”.

Acrescentava a AFP que sua majestade o rei de Angola, que está há no poder desde 1979, controla totalmente o Exército, o partido maioritário e todas as instituições estatais.

Reconheça-se que, embora não sendo novidade, é sempre relevante, mesmo para os que são obrigados a pensar apenas com a barriga, que a esperança numa democracia e um Estado de Direito (algo que Angola não é de facto) vá sendo alimentados com verdades. Se assim não for, as mentiras oficiais acabarão por tornar-se “verdades”.

“No seu círculo mais íntimo, quase todos são membros da sua família: o seu vice-presidente, Manuel Vicente, considerado o número dois do regime, é o padrinho de sua filha mais velha, Isabel; e seu conselheiro económico, Armando Manuel, tornou-se em ministro das Finanças”, denunciava a AFP que, diga-se, não corre – pelo menos por enquanto – os riscos vividos diariamente desde 1995 por nós aqui no Folha 8.

“A lógica de José Eduardo dos Santos consiste em controlar o dinheiro para manter o poder, o que explica que coloque membros de sua família ou pessoas próximas em postos importantes, onde está a riqueza”, explicava, e bem, Justino Pinto de Andrade, outro dos (ainda) poucos angolanos mais susceptíveis a chocar com uma das muitas balas perdidas que enxameiam a nossa sociedade.

“A sua filha Isabel, conhecida como “princesa”, foi apresentada na lista da Forbes como a africana mais rica graças às suas participações em empresas angolanas e portuguesas”, relatava a AFP, recordando que “só em Angola, Isabel dos Santos possui 25% do capital do banco BIC, o que representa algo em torno de 160 milhões de dólares, e 25% do da Unitel, uma das duas empresas de telefonia do país, cerca de 1 bilhão de dólares, segundo a revista norte-americana”.

Por outro lado, a AFP dizia que “o seu irmão José Filomeno de Sousa dos Santos, mais conhecido como “Zenu”, assumiu a Presidência do Fundo Soberano criado em Outubro de 2012 com 5 bilhões de dólares para investir no desenvolvimento do país, e receberá 3,5 bilhões adicionais por ano procedentes dos recursos obtidos com o petróleo”.

Na inventariação dos proventos da família do Presidente, a France-Presse dizia também, à revelia das regras impostas pelo regime de sua majestade o rei que se diz transparente e democrático, que a “esposa do Presidente, a ex-aeromoça Ana Paula Cristóvão de Lemos dos Santos, controla várias empresas, principalmente de comércio de diamantes, enquanto uma ex-mulher de dos Santos, Maria Luísa Abrantes, dirigiu a poderosa Agência Nacional de Investimentos Privados (ANIP)”.

Citando de novo Justino Pinto de Andrade, a AFP escrevia que, “a partir de um certo volume de negócios, é impossível para um estrangeiro estabelecer-se no país sem que esteja ligado a alguém próximo ao poder. Todos os bancos, sem excepção, estão vinculados ao regime”.

“Membros da família presidencial estão presentes em todas as grandes empresas do país: Sonangol (petróleo), Endiama (diamantes), TAAG (companhia aérea). Mas o poder também consegue ter influência no mundo intelectual, sobretudo, por meio da Fundação José Eduardo dos Santos e da Fundação Lwini, da primeira-dama”, explicou Bernardo Tito, dirigente da CASA-CE.

A AFP considerava, vá lá saber-se com base em quê, que “a imprensa e a cultura também não escapam a este controlo. Outra filha do presidente, Welwitschia dos Santos – conhecida como “Chizé” e casada com um empresário português – dirige uma rede de televisão pública (TPA 2) e duas revistas de celebridades”.

“Chizé e o seu irmão José Paulino, “Coreon Du”, também presidem a uma das principais empresas de produção audiovisual do país, a Semba Comunicação, que elabora grande parte da publicidade e dos programas para a televisão pública”, contava a AFP que, citando o jornalista Fernando Baxi, acrescentava que “quanto mais tempo o seu chefe permanecer no poder, maior será a omnipresença da família”.

Quando chegou ao poder em 1979, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos era marxista, formado na então União Soviética. A partir dessa altura renegou o marxismo e dedicou-se exclusivamente ao… enriquecimento.

Segundo o director da Open Society Initiative da África do Sul, José Eduardo dos Santos passou a controlar vários “inimigos pessoais – generais, polícias, políticos – oferecendo-lhes diamantes, empresas e riqueza”.

Ainda de acordo com as suas palavras, sua majestade o rei de Angola “criou um sistema de sucção de sangue, no qual ele é a veia principal. Eles não podem deixá-lo ir. Uma sanguessuga não pode sobreviver se a veia principal não estiver lá”.

Por sua vez o autor do blogue “Dá que pensar” diz que “uma coisa é certa: há imensos atropelos aos direitos dos angolanos e uma corrupção galopante que parece um poço sem fundo, mas como o país tem muitos recursos todos se vergam a esse peso. Até dá para esquecer as várias irregularidades no último processo eleitoral (2012), nomeadamente o registo de eleitores fora dos prazos estipulados e a falta de transparência no que respeita às assembleias de voto”.

E acrescenta: “Agora só falta mesmo, em termos políticos, passar o testemunho a um familiar.”

Não. Já não falta!

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