Cancro infantil mata que se farta… nos países em que só alguns são ricos

Nos países em desenvolvimento existem cinco vezes mais casos de cancro infantil do que nas nações desenvolvidas, indicou hoje a agência internacional que investiga a doença, quando se assinala o Dia Internacional da Criança com Cancro.

O número de casos de cancro infantil nos países em desenvolvimento é “inaceitavelmente alto”, denunciou o director da Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC), Christopher Wild, num comunicado citado pela agência noticiosa espanhola EFE.

“Sobretudo quando temos o exemplo dos países ricos em relação ao que se pode conseguir com acesso a cuidados”, adiantou.

Anualmente são diagnosticados à volta de 215.000 casos de cancro entre os menores de 15 anos e 85.000 em adolescentes entre os 15 e os 19, segundo a IARC.

As estimativas têm por base dados recolhidos em 68 países entre 2001 e 2010 e indicam que nos países desenvolvidos o cancro infantil representa menos de 1% de todos os casos da doença.

Quase metade dos cancros infantis são leucemia e linfomas e alguns tipos da doença ocorrem quase exclusivamente nesta faixa etária, como o neuroblastoma, nefroblastoma e retinoblastoma.

Os carcinomas, quer sejam da mama, do pulmão ou do estômago, predominantes nos adultos, são “extremamente raros” nas crianças.

A IARC chamou ainda a atenção para o facto da taxa de sobrevivência, que chega aos 80% nos países ricos, poder ser de apenas 10% nos menos desenvolvidos.

“É essencial que os países em desenvolvimento obtenham o apoio técnico e financeiro de que necessitam para criar um sistema de saúde forte, que ofereça a cada criança a oportunidade de cura que existe nos países ricos”, defende a organização.

É ponto tristemente assente que o cancro infantil está a aumentar nos países pobres, onde ocorrem 94% das mortes de crianças provocadas por tumores, sendo que a alta mortalidade se deve à ausência de tratamento adequado.

“A dura realidade é que o acesso ao tratamento é muito fraco nos países de médio e baixo rendimento. Uma percentagem desconhecida de crianças com cancros potencialmente curáveis nunca recebe tratamento – nem sequer tratamento paliativo – e muitos dos que recebem algum tratamento morrem apesar disso”, diz Ian Magrath, da Rede Internacional para o Tratamento e Investigação do Cancro, na Bélgica.

Um estudo publicado em 2013 na revista científica “Lancet Oncology”, que reuniu alguns dos maiores especialistas em cancro do mundo, sublinha que o cancro infantil, outrora considerado uma doença de países ricos, é cada vez mais uma ameaça nos países em desenvolvimento.

Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, citadas no estudo, o cancro mata todos os anos cerca de 100 mil crianças antes dos 15 anos em todo o mundo, 94% das quais morrem em países de baixo rendimento.

Segundo os cientistas, a falta de sensibilização para o cancro infantil e a ausência de serviços de saúde básicos em alguns países levam a que muitas crianças apareçam com cancros em estado avançado.

Os médicos nestes países frequentemente não são formados para diagnosticar o cancro e vêem muito poucos casos de cancro infantil ao longo da sua carreira. Além disso, o tratamento é muitas vezes pobre ou inexistente, ou demasiado caro para os pacientes.

Em África, exemplificam os autores, a proporção de cancros que ocorrem em crianças é 12 vezes maior do que na Europa, mas 80% das pessoas no continente não tem acesso a radioterapia, cirurgia oncológica ou mesmo às infra-estruturas necessárias para os cuidados oncológicos básicos.

Mas nem sempre o problema é financeiro, alerta a autora principal, Kathy Pritchard-Jones, da University College de Londres, que lamenta a falta de vontade política para criar as condições necessárias.

No México, exemplifica, a taxa de abandono do tratamento entre as crianças diminuiu de 35% para 4% por uma combinação de medidas como a introdução de seguros para os mais pobres, o desenvolvimento de protocolos de tratamento e a criação de 49 programas para o cancro infantil.

Os cientistas defendem o investimento em sistemas de saúde, mais profissionais de saúde e mais bem formados, assim como o estabelecimento de redes de hospitais regionais.

Defendem ainda parcerias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento que permitam a uns servir de conselheiros aos outros, ajudar na formação médica, no acesso a tratamentos actualizados e ao aumento da participação dos pacientes dos países pobres em ensaios clínicos internacionais.

Finalmente, os investigadores sublinham a necessidade de acabar com o mito de que os países em desenvolvimento não têm recursos para tratar as crianças com cancro.

“Como as crianças têm a vida todas pela frente, salvá-las tem muito mais impacto no desenvolvimento económico do que o tratamento oncológico dos mais velhos”, explica Magrath.

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