Ao Estado o que é do Estado e ao Povo o que é do Povo

As mães de 17 activistas angolanos, condenados por suposta e nunca provada rebelião e libertados provisoriamente na quarta-feira, iniciaram uma campanha internacional de recolha de fundos exclusivamente para pagar os uniformes prisionais dos filhos, agora acusados da sua destruição.

Em causa estão frases de contestação ao Presidente (nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979) José Eduardo dos Santos, ao sistema judiciário e à governação o país (a mesma desde 1975), que os 15 activistas (duas jovens só foram conduzidas à cadeia após a condenação) escreveram nos uniformes dos serviços prisionais durante o período de detenção, em que estiveram a ser julgados.

“O único objectivo da campanha internacional é a angariação de fundos para aquisição dos uniformes prisionais que vossas excelências acusam os nossos filhos de terem destruído, pelo facto de terem escrito neles palavras acerca das injustiças de que são alvo, bem como por terem afirmado que o Presidente é um ditador”, lê-se na carta das mães dos activistas, dirigida na quinta-feira aos ministros do Interior e da Justiça, e ao Procurador-Geral do regime.

Entre Novembro e Dezembro de 2015 – passaram depois a prisão domiciliária até ao fim da farsa de julgamento, a 28 de Março – os activistas apresentaram-se em tribunal, em diversas ocasiões, com essas frases de intervenção e críticas escritas nos uniformes prisionais, o que lhe valeu uma nova acusação, de destruição do património público.

“Uma vez que os uniformes prisionais são propriedade do Estado, queremos que aquilo que é do Estado seja devolvido ao Estado em boas condições, independentemente da sentença que surja dos malabarismos judiciais do poder para esta acusação. Tomamos esta iniciativa em obediência ao princípio da devolução e reposição ao Estado daquilo que lhe pertence”, escrevem as mães, na mesma carta.

Os 17 activistas foram condenados pelo tribunal de Luanda a penas entre os 2 anos e 3 meses e os 8 anos e meio de prisão, por supostos e nunca provados actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores, tendo recolhido à prisão para começarem a cumprir pena a 28 de Março.

Contudo, a 29 de Junho, o Tribunal Supremo deu providência a um “habeas corpus” apresentado pela defesa e ordenou a libertação provisória dos 17 jovens, enquanto não são decididos os recursos à condenação interpostos pelos mesmos advogados.

“Repetimos: queremos angariar fundos para comprar novos uniformes prisionais, depois de os anteriores terem sido cobertos de mensagens e palavras de ordem. Sendo os uniformes do Estado, o Estado deve tê-los de volta”, acrescentam estas mães.

“É nosso dever, como mães de filhos de Angola, pagar os uniformes prisionais que foram, segundo as autoridades, vandalizados. Este ressarcimento é o registo público e claro de uma exigência popular: que a seu tempo seja devolvido ao Estado tudo o que os dirigentes angolanos roubaram”, lê-se na mesma carta.

Garantem que esta iniciativa “é o início da exigência popular de retorno ao Estado daquilo que lhe foi usurpado” e que “enquanto mães”, este é um “gesto de exigência de respeito pelo povo de Angola e pelo seu património colectivo”, que “não pode continuar a ser desbaratado e usado apenas para usufruto de alguns”.

Folha 8 com Lusa

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