A lição de Cabo Verde

O Tribunal Constitucional (TC) de Cabo Verde declarou hoje inconstitucionais quatro alíneas do Código Eleitoral, por considerar que violam as liberdades de expressão, de informação e de imprensa. Também nesta matéria o regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, poderia aprender alguma coisa com os nossos irmãos cabo-verdianos.

O acórdão foi lido hoje pelo juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, António Pina Delgado, cinco meses após o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, ter pedido ao Tribunal que declarasse inconstitucionais alíneas de quatro artigos do Código Eleitoral, por considerar que restringem a liberdade de imprensa e podem configurar formas de censura.

O TC declarou inconstitucional a alínea que interdita a difusão de opinião favorável ou desfavorável aos partidos, candidatos ou listas, nos 60 dias antes das eleições.

Segundo TC, a norma “viola as liberdades de expressão, de informação e de imprensa” protegidos pela Constituição da República, cria uma “restrição hostil intolerável pelo sistema de protecção de direitos fundamentais” e “lesa o núcleo essencial da liberdade de expressão”.

Declarada também inconstitucional foi a norma segundo a qual os órgãos de informação não podem difundir programas com crítica e com alusão a candidato, partidos, coligação ou lista durante o mesmo período.

O TC considera que esta norma “provoca um efeito restritivo acentuado sobre as liberdades comunicacionais” e “desrespeita o dever de proporcionalidade que se impõe às operações de restrição de direitos”.

Foram ainda consideradas não conforme com a Constituição, as disposições relativas ao uso como propaganda eleitoral de meios publicitários que ofendem a moral pública ou violem direitos legalmente proibidos e à proibição de propaganda eleitoral nos órgãos de comunicação social fora dos tempos de antena, esta última considerada “parcialmente inconstitucional”.

Em consequência, o artigo 279º do Código Eleitoral vigente foi também declarado inconstitucional, já que faz referência às punições que estão sujeitas quem não cumpra as referidas normas.

O pedido de Jorge Carlos Fonseca surgiu, na altura, a menos de dois meses da realização das eleições legislativas em Cabo Verde, que aconteceram a 20 de Março último, e na sequência de uma solicitação da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC).

Com a decisão do TC deverá agora ser aberto um processo de alteração do Código Eleitoral com vista à revogação das referidas normas.

A decisão do TC surge a menos de dois meses da realização das eleições autárquicas, marcadas para 4 de Setembro, e três das presidenciais de 2 de Outubro.

O Código Eleitoral cabo-verdiano foi aprovado em 2010 e desde as eleições legislativas e presidenciais de 2011 e as autárquicas de 2012 que os referidos artigos são contestados pelos jornalistas e pelos órgãos de comunicação social.

E por falar em Liberdade

A organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF) analisou o (mau) estado da liberdade de imprensa no mundo. Portugal e Cabo Verde são os países lusófonos onde os desafios são menores.

Portugal e Cabo Verde lideram o ranking dos países lusófonos no âmbito do Índice de Liberdade de Imprensa 2016, elaborado pela RSF, tendo os dois países melhorado as posições em relação a 2015, com a Guiné Equatorial a obter a pior classificação.

Christophe Deloire, secretário-geral da RSF, aponta como principais problemas a independência dos meios de comunicação social, a autocensura, a legislação, a transparência e os abusos a que estão sujeitos jornalistas e órgãos de comunicação social: “É hoje muito mais fácil aos poderes dirigirem-se directamente ao publico através de novas tecnologias e isso representa um maior grau de violência contra aqueles que representam a liberdade de imprensa”, afirmou.

Portugal, com 17,27 pontos, perdeu 0,26 pontos em relação a 2015, e ocupa o 23º lugar – era 26º no ano passado – à frente de Cabo Verde, que subiu de 36º para 32º, com 19,82 pontos.

Entre os nove Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e atrás de Portugal e Cabo Verde, figura a Guiné-Bissau – subiu duas posições, passando de 81º para 79º – piorando, contudo, o coeficiente em 0,33 pontos, fixando-se nos 29,03 pontos.

No índice dos Repórteres sem Fronteiras, relativo a 180 países, em que São Tomé e Príncipe e Macau não são analisados, Timor-Leste subiu quatro posições, de 103º para o 99º posto, melhorando o coeficiente em 0,61 pontos, para os 32,02 pontos.

Abaixo do “top 100” surge o Brasil – “o país mais perigoso e violento da América Latina para o jornalismo”, escrevem os RSF, – que desceu quatro lugares (de 99º para 103º, piorando a pontuação em 0,69 pontos, acabando com 32,62) e Angola, que manteve o 123º posto, embora tenha piorado o coeficiente em 2.05 pontos.

A Guiné Equatorial, o país da CPLP pior classificado no índice, desceu uma posição, de 167º para 168.º, piorando também a pontuação em 0,24 pontos, para se situar nos 66,47 pontos.

O “Top 5” do índice sobre liberdade de imprensa é liderado pela Finlândia (com 8,59 pontos), seguindo pela Holanda (8,76), Noruega (8,79), Dinamarca (8,89) e Nova Zelândia (10,01).

Na cauda da tabela situam-se a República Popular da China (176º lugar, com 80,96 pontos), a Síria (187º – 81,35), o Turquemenistão (178º – 83,44), a Coreia do Norte (179º – 83,76) e a Eritreia (180º – 83,92).

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