Sampaio, Mandela e Dos Santos

O antigo Presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio, foi um dos agraciados na primeira edição do Prémio Nelson Mandela, das Nações Unidas, pelo seu trabalho por um mundo melhor. O prémio foi também atribuído a uma oftalmologista da Namíbia, Helena Ddume.

Por Orlando Castro

O prémio foi criado no ano passado pela Assembleia Geral da ONU, para homenagear personalidades que se tenham dedicado a promover os ideais das Nações Unidas.

Tem como objectivo também prestar tributo aos esforços de Nelson Mandela “a favor da reconciliação, da transição política e da transformação social”, indicou a Assembleia em comunicado.

Jorge Sampaio, Presidente da República durante 10 anos (1996 a 2006), foi também presidente da Câmara de Lisboa. De 2006 a 2012 foi enviado especial da ONU na luta contra a tuberculose.

Nos últimos anos tem investido numa iniciativa para fornecer subsídios de emergência para que estudantes sírios possam continuar os seus estudos, apesar da guerra na Síria, a chamada “Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios”.

No texto em que anuncia os premiados as Nações Unidas citam os esforços de Jorge Sampaio, de 75 anos, como “grande apoiante da democracia portuguesa”, desde o tempo de estudante em que era um activista político e depois do 25 de Abril, como político.

Referem ainda o contributo de Jorge Sampaio para construir uma imagem de um Portugal democrático e moderno enquanto apoiava a integração europeia e supervisionava a entrega de Macau à China.

Helena Ndume criou nos últimos 20 anos centros de tratamento oftalmológicos em toda a Namíbia. Já ajudou cerca de 30.000 pessoas a recuperar a visão e a ter atendimento gratuito para problemas com cataratas. Dirige actualmente o serviço de oftalmologia do hospital central de Windhoek.

Os prémios serão entregues numa cerimónia nas Nações Unidas no dia 24 de Julho e que se integra nas comemorações da vida de Nelson Mandela, que morreu em Dezembro de 2013.

Jorge Sampaio é uma personalidade incontornável da vida política democrática em Portugal. Em 2012 afirmou, em Lisboa, que “Angola é um grande país com um futuro promissor”.

Num programa de opinião da RTP que, curiosamente, se chamava Avenida de uma coisa que Angola não tem – Liberdade, Jorge Sampaio disse que, “do ponto de vista económico, sem dúvida que Angola é um país com grande futuro, porque as taxas de crescimento assim o demonstram. O crescendo da economia angolana é evidente”.

O antigo Presidente de Portugal referiu ainda que dadas as condições excepcionais que foram criadas em Angola com a conquista da paz, “é preciso ter esperança” de que vai ser um grande país, com um crescimento acima da média.

Então em que é que ficamos? É um grande país ou “vai ser um grande país”?

Jorge Sampaio defendeu que as relações de cooperação bilateral “devem assentar em bases sólidas e no respeito mútuo”. Respeito esse que, vê-se logo, blinda qualquer tipo de crítica ao facto de Angola não ser uma democracia, não ser um Estado de Direito e ter desde 1979 um presidente nunca eleito nominalmente.

E se, não há muito tempo, o ex-Presidente da República dizia-se “nada satisfeito com a qualidade da democracia” no seu país, onde a sociedade civil era “pouco actuante” e os poderes políticos são influenciados por “sectores corporativos”, como o da justiça, o que dizer de Angola?

E se, de facto, na política “made in Portugal”, os seus actores (a grande maioria medíocre) estão para se servir e não para servir, o que dizer de Angola?

“Não estou nada satisfeito com a qualidade da democracia, temos que a requalificar, revitalizar. A começar pela renovação das dinâmicas e das estruturas partidárias. E há uma remobilização dos cidadãos que é necessária”, sustentou Jorge Sampaio, em entrevista à Antena 1 em 21 de Abril de 2010. Será que Sampaio já pensou no que, também nesta matéria, se passa em Angola?

Em consciência nenhum português deve estar satisfeito com a qualidade dessa coisa que, em Portugal, se chama democracia. Por alguma razão há cada vez mais portugueses de segunda e até de terceira. Apesar disso, os políticos jogam com o que consideram ser uma certeza imutável: os portugueses são um povo de brandos costumes. O mesmo se passa em Angola como, aliás, é do conhecimento de Jorge Sampaio.

Questionado sobre de quem é a culpa pelo estado da democracia em Portugal, Jorge Sampaio respondeu: “Somos todos naturalmente responsáveis.” Se em Portugal são todos, porque razão em Angola se exclui os donos do regime?

Para Jorge Sampaio, é (ou era) necessário que “os poderes políticos saibam resistir, pela seriedade das suas propostas, àquilo que são as profundas influências de sectores corporativos da sociedade portuguesa”. E nomeava médicos, juízes, magistrados do Ministério Público, enfermeiros e funcionários públicos. E quanto a Angola?

Em função desta realidade, mais negra a cada dia que passa, provavelmente os portugueses deveriam estar nas ruas a manifestar a sua indignação (cremos, embora não tenhamos a certeza, que ainda têm esse direito) pelo aumento da pobreza, pelo custo de vida, pelo desemprego, pela crise, pela forma como são tratados.

Já em Angola, quando o tentam fazer levam porrada de criar bicho e nem com a solidariedade de todos os Jorges Sampaios podem contar.

Tal como fazia José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa em relação aos portugueses, tal como agora faz Pedro Passos Coelho, também Jorge Sampaio atira poeira para a chipala dos angolanos e dos portugueses que gostam dos angolanos.

Não saberá Jorge Sampaio que:

– 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças?

– que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

– que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?

– que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

– que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?

– que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

– que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem em Cabinda?

– que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

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