Portugal tem medo de Angola

José Eduardo Agualusa, escritor angolano e um dos maiores da Lusofonia, considerou hoje que o objectivo da greve de fome de Luaty Beirão “não foi cumprido”, mas “chamou a atenção” para a questão dos presos políticos em Angola.

“O objectivo a que se propunha não foi conseguido, que era o de esperar em liberdade pelo julgamento. Mas, na realidade, aquilo que mais importava, que era chamar a atenção para os presos políticos, foi conseguido completamente. Gerou-se um movimento de solidariedade dentro e fora do país, que gerou uma dimensão que ninguém estava à espera. Aí ele triunfou completamente”, frisou o Agualua.

Para Agualusa, o futuro “desta luta” de Luaty Beirão está explicado na carta em que anuncia o fim da greve de fome, com a indicação de que já existe hoje, em Angola, “um verdadeiro movimento pró-democracia”.

“Mais do que um movimento solidário, o que existe hoje em Angola é um verdadeiro movimento pró-democracia. É muito interessante um parágrafo em que ele diz: «já não somos jovens ‘revus’, já não estamos sós, em Angola somos todos necessários, somos todos revolucionários»”, parafraseou Agualusa.

“Ele próprio (Luaty Beirão) diz isso na carta. Somos todos revolucionários, foi assim que o nosso país nasceu, mas desta vez lutamos por uma verdadeira transformação social em paz. O que está a dizer é que não vai parar com a sua luta, em paz, e que o que está lançado hoje em Angola é um movimento pró-democracia que, de repente, tem uma liderança, uma amplitude que não tinha antes de os jovens serem presos”, sustentou Agualusa.

Nessa perspectiva, e questionado pela Lusa sobre se é abusivo falar de um eventual “Outono angolano”, em contraponto à “Primavera árabe”, Agualusa salientou que, depois desta situação, a sociedade civil angolana “parece estar envolvida numa discussão, inquietação e desejo crescentes” de mais democracia e liberdade.

“Neste momento, o Governo angolano não deu o menor sinal de abertura. Pelo contrário, o que vimos foi sempre um crescente fechamento e intolerância. Isso aconteceu mesmo em relação ao Luaty. Ficamos com a sensação de que, se dependesse do Governo angolano ou mesmo do presidente José Eduardo dos Santos, o Luaty teria morrido de fome”, salientou.

“Não houve o menor sinal de empatia com a situação ele. O presidente não deu a menor indicação, nem se pronunciou. Ficou em silêncio este tempo todo. Da parte do Governo não há qualquer sinal de abertura”, acrescentou.

Sobre as críticas do regime angolano ao envolvimento de Portugal na questão de Luaty Beirão, o escritor realçou a ideia de que Angola “tem a sensação, já provada ao longo da História, de que pode pressionar” as autoridades portuguesas.

“Quando um dirigente angolano se pronuncia contra Portugal, o Governo português realmente estremece e reconsidera a sua posição. O caso mais anedótico foi o do ministro dos Negócios Estrangeiros português (Rui Machete) que foi a Luanda pedir desculpa aos dirigentes angolanos por causa de algo de que se deveria orgulhar”, lembrou.

“A partir do momento em que o Governo angolano pode manobrar o português vai continuar a fazê-lo. Por exemplo, o Governo angolano não se pronuncia quando é o Brasil a tomar uma posição semelhante. Ou os EUA, ou a União Europeia. Porque tem medo do Brasil, dos EUA e da União Europeia, mas não tem medo de Portugal”, concluiu.

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