Justiça de ditadores e não da Lei

Cedo se percebeu que o julgamento dos 15+2 iria ser o julgamento do regime e não dos jovens sentados no banco dos réus.

Por Rui Verde
doutor em Direito

C ontudo, do alto da sua cegueira intelectual, os próceres do regime não perceberam isso e julgaram que copiando as velhas estratégias dos “Inimigos do Povo” iriam criar uma distracção para as dificuldades económicas e financeiras do momento. Puro engano.

A reacção nacional e internacional tem sido de repúdio pelo teatro amador no Tribunal Provincial de Luanda, no Benfica, onde não falta o elemento hollywoodesco de uma sala encafuada com membros dos serviços de inteligência que cortam a electricidade quando não lhes agrada o desenrolar do processo.

Nem James Bond ou Jaime Bunda teriam melhor enredo.

Entendendo, finalmente, o beco sem saída em que se meteu, o regime, à procura de uma solução airosa, acabou por perder o norte. E tantas voltas dá, que começa a morder a cauda.

Agora, anunciou a libertação dos 15 e a sua colocação em casa, em regime de prisão domiciliária, com base numa lei… que não entrou ainda em vigor.

Para tal medida, o general-procurador João Maria de Sousa invoca razões humanitárias, preocupando-se com o bem-estar dos presos e o cansaço do tribunal.

Em primeiro lugar, esta história da libertação dos 15, mesmo pretendendo revelar a suavização da postura do regime, mostra o contrário: as decisões são arbitrárias, sem fundamento legal e de acordo com a vontade dos homens. O general-procurador decidiu que não queria os presos na cadeia durante o fim-de-semana, e manda requerer a sua libertação com base numa lei ainda não em vigor.

Só haverá Estado Democrático de Direito quando as decisões dependerem da lei e não da vontade dos homens.

Outro argumento poderia ter sido apresentado. Por exemplo, que no direito penal vigoram os princípios básicos da liberdade, da presunção de inocência, do tratamento mais favorável, e que, de acordo com estes princípios constitucionais, que se sobrepõem a qualquer lei, se justificaria a mudança do estatuto dos 15 presos. Este argumento seria materialmente aceitável. Não é aceitável, e apenas mostra a prepotência do regime, invocar somente uma lei que não está em vigor. Isto é uma baralhada, como é todo este julgamento.

E a continuidade das trapalhices é uma promessa certa. Basta ver que a acusação quer aplicar como medida de coacção a proibição de contactos entre os 15 e destes com os membros do alegado futuro “Governo de Salvação Nacional”.

Já se percebeu que este “Governo da Salvação Nacional” não é nada mais do que um exercício facebookiano piadístico, em que o presidente escolhido, Kalupeteka, é o dirigente de uma seita religiosa que recentemente sofreu um massacre às mãos das forças policiais e militares.

O problema é que, depois da piada, esta medida de proibição de contactos com os membros do governo virtual transforma-se num empecilho grave para o exercício dos direitos de defesa dos arguidos e das suas vidas privadas.

O advogado David Mendes, mandatário de quatro dos 15, constava dessa lista. Portanto, se for aplicada a medida agora requerida pelo Ministério Público, David Mendes ficará impedido de contactar com os seus clientes.

Dito de outro modo: a meio de um julgamento, retira-se a possibilidade de o advogado falar com os indivíduos que defende. Ou será que, uma vez que David Mendes estava indigitado para o “Tribunal Constitucional de Salvação Nacional”, não o devemos considerar membro do “governo”, pressupondo uma separação de poderes que não é feita nas listas apresentadas desse “organismo pós-revolucionário”?

A nível privado, temos o caso das duas jovens activistas que estão no julgamento. De acordo com a medida de coacção, uma delas não pode contactar com o marido, Pedro Teca, também membro do “Governo de Salvação Nacional”, com quem vive e de quem terá em breve um filho; a outra jovem é namorada de um dos detidos. Portanto, temos várias trapalhices que envolvem a redução drástica dos direitos da defesa de quatro dos acusados, e a quebra de laços familiares conjugais de dois deles.

Contava Lenine que Napoleão teria dito que a sua estratégia militar era “On s’engage et puis… on voit”, “avançamos, e depois logo se vê”. Parece que tem sido esta a estratégia do regime angolano relativamente ao julgamento dos 15+2: avançam, e logo vêem o que acontece.

Só que agora não vêem nada, ou melhor, o que vêem é a revolta e a incredulidade perante tanto disparate em acção. Sobretudo, estão a comprovar que as instituições não funcionam, e que tudo depende da vontade de um punhado de pessoas que já não sabe bem o que faz.

Toda a construção jurídica de uma certa normalidade institucional iniciada com a aprovação da Constituição de 2010 está rapidamente a ir por água abaixo. E agora?

In: MakaAngola
Nota: Título do Folha 8

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