COMUNICAÇÃO SOCIAL PERVERSA E OS INTELECTUAIS COM MÃOS DE SANGUE

É difícil ser advogado em causa própria, num país, dirigido por um partido cruel, que continua a assassinar a verdade, tem vergonha da sua história e teima em não se reconciliar com os erros do passado, que são muitos!

Por William Tonet

A maldade e intolerância, paridas na boçal maternidade mental dos dirigentes do MPLA/regime, fizeram da morte um direito inalienável de poder.

“Mataram o meu sonho e o de milhões de jovens e meninos, muitos, precoces, frutos da guerrilha, num raio muito curto: 1974-1977. As impressões digitais, do feito, são do Movimento, que meu pai ajudou a construir e, à época, meu, também, com a cumplicidade dos meios de comunicação social públicos: Emissora Oficial de Angola (actual Rádio Nacional), Província de Angola (Jornal de Angola): Televisão Popular de Angola e intelectuais dissimulados”!

Alguns factos são aterradores, mas importantes para as novas gerações conhecerem a parte perversa da história do país marcado por práticas anti – republicanas, assentes na ausência completa de justiça, liberdade e democracia.

No julgamento e fuzilamento dos mercenários, um jornalista sénior da então Emissora Oficial de Angola, controlada pelo MPLA, fez uma transmissão, em directo, digna de figurar no livro do Guiness da “vampiragem informativa”, descrevendo pormenores sobre os disparos do batalhão de fuzilamento, como as balas se alojavam no corpo dos presos e estes iam desfalecendo. No final dava urras à revolução das balas.

Mas as práticas macabras se seguiriam, antes mesmo da proclamação da independência, em Luanda, por António Agostinho Neto.

No dia 18 de Agosto de 1975, uma intriga urdida, por um dirigente próximo de Agostinho Neto, contra um nacionalista da gesta da sublevação popular do 4 de Fevereiro de 1961, levou-o ao pelotão de fuzilamento, sem julgamento nem direito a defesa.

A decisão causou bastante indignação e comoção nos restantes membros do 4 de Fevereiro, porquanto o condenado, Virgílio Francisco Sotto Mayor, mais conhecido por “Comandante Sem medo”, mulato de 33 anos de idade, ex-preso no Kuando Kubango, era um dos mais letrados intelectuais, da direcção do movimento do 4 de Fevereiro. Nesta senda, Paiva Domingos da Silva, operacional, que o viria a substituir, publicamente, ter denunciado Manuel Pedro Pacavira de traidor e ex-agente ligado à PIDE – DGS.

Verdade ou mentira, nunca ninguém colocou em causa a incriminação. “Era preciso afastar, nem que fosse por assassinato, o intelectual para deixar a organização entregue a nacionalistas com nível baixo de escolaridade”, denunciou Manuel Francisco da direcção do MPLA do Sambizanga.

O dia do fuzilamento, 22 de Agosto de 1975, mereceu tolerância de ponto, para permitir o máximo de assistência e a cobertura da imprensa para reportar, mas um ignóbil evento de intimidação e propagação do medo, que teve na tribuna condenatória, entre outros, Pedro Pacavira, Henrique Abrantes, Júlio de Almeida, Jujú (porta voz do Ponto da Situação Político – Militar do Estado Maior entre 1975 e 1976).

Mas diferente do outro fuzilamento, neste, ocorrido no Campo do Académica do Ambrizete (actual campo da revolução/Mário Santiago), em Luanda, o chefe de reportagem do turno manhã, da Emissora Oficial de Angola, Pedro de Almeida inviabilizou a transmissão em directo, ao indicar o jornalista João Belo de Faria, com a missão expressa de registar o evento e passar a notícia no noticiário principal das 13h00.

Os fuzilamentos eram uma prática de todos os movimentos de libertação, que com a prática pretendiam intimidar e impor respeito, mas não resolveram problema nenhum. Nem mesmo o MPLA que levou (e leva, até hoje) mais longe esta prática, conseguiu grandes ganhos.

No Huambo, em 1976, as populações assistiram, impávidas e serenas, à severidade do sistema de justiça do MPLA, quando o jovem militar, Perdeneira é acusado de ter violado uma jovem. Sem provas robustas ele e família recorreram a todas instituições, inclusive ao presidente Agostinho Neto, mas este insensível, negou-lhe um justo processo legal, direito ao contraditório, mantendo a decisão de morte por fuzilamento, que ocorreu no famoso campo das Cacilhas.

Depois outros se sucederam, tendo os assassinatos em massa, atingido o apogeu, sem julgamento, em 1977, com o fuzilamento de 80 mil cidadãos inocentes.

Nesta barbárie participaram muitos intelectuais, na famosa Comissão de Lágrimas, tais como Artur Pestana Pepetela, Diógenes Boavida, Manuel Rui Monteiro, Henrique Abrantes, Cristiano André, Luandino Vieira, etc., que nunca se penitenciaram, nem se afastaram das suspeições, pelo contrário, preferem o papel da avestruz…

VIRAGEM COM NOVO COMANDO

Recorde-se ter esta onda de barbárie sanguinária, “navegado” na doutrina mental dirigente do MPLA/DISA, até 1979, com a ascensão de José Eduardo dos Santos. E isso não significa dizer que ele tenha revogado alguma lei. Não! Pois a Lei Constitucional de 10 de Novembro de 1975, aprovada exclusivamente pelo comité central e presidente do MPLA, não previa, nos seus 60 artigos, a pena de morte.

O que o novo presidente fez, foi acabar com as prisões arbitrárias, libertar muitos dos presos, incluindo alguns da DISA, que Agostinho Neto havia mandado prender, pelos excessos cometidos na farsa do golpe de Estado de 27 de Maio de 1977, por eles engendrados e, que se encontravam na Polícia Judiciária Militar (defronte a actual faculdade de Direito da UAN, em Luanda). Dentre estes destacam-se os tenebrosos agentes da DISA, polícia política de Neto, Pelinganga, Veloso, Carlos Jorge “Cajó”, Moscovo, ?José Marta, ?Miguel de Carvalho Wadjimbi, entre outros…

A nível de imputação de responsabilidade partidária e criminal, enquanto Presidente da República, José Eduardo dos Santos nunca incriminou, publicamente, Agostinho Neto, pelos crimes de genocídio, tão pouco a cúpula da DISA, nomeadamente, Ludi Kissassunda e Henrique dos Santos Onambwe, para preservar a imagem do MPLA.

Conseguiu, minimamente! Pois os intelectuais, as famílias destes e a maioria dos cidadãos pela monstruosidade da matança, assumiu o medo como forma de sobrevivência, recolhendo-se ao silêncio e deixando de acreditar nas valências da independência…

Tudo isso com a conivência, ontem e hoje, dos órgãos de comunicação social do Estado e afins, cujas direcções estão subjugadas a linha editorial do partido no poder.

O descrédito na capacidade das lideranças dos três movimentos: FNLA, MPLA, UNITA, depois de tantos erros, que destruíram e destroem o país, leva os autóctones a acreditar que as autoridades religiosas e intelectuais de reputação ilibada, possam mediar, uma união, destes partidos, pese as diferenças ideológicas, para a proclamação, na celebração dos 50 anos, da independência imaterial.

No pantanal de fome e miséria, igual a denunciada por Nito Alves, em 1977 (como o tempo é o grande juiz e, hoje, lhe dá razão), é imperioso um verdadeiro e novo país, assente em valores de liberdade, democracia e equidade, com a contribuição dos vários povos, micro-nações, raças, com a prioridade de elaborar uma nova constituição.

Com este instrumento constitucional, a reforma agrária deve ser um imperativo para se recuperar o modelo económico, administrativo e de gestão da coisa pública, herdados do período colonial.

Foi a falta de espírito patriótico e nacionalista do MPLA, que levou, em 1975 Angola a sucumbir, caso contrário faríamos juz e, ou, suplantaríamos, os patamares coloniais de potência africana e mundial, na produção de café, sisal, algodão, arroz, açucar, milho, trigo, banana, peixe seco, sal, madeiras, etc.

O MPLA destruiu tudo, incluindo e de forma (quase) criminosa, os portentosos parques industriais de Luanda, Benguela, Lobito, Huambo, Kwanza Sul, Namibe, Huíla, Uíge, além das fazendas agro-pecuárias, cooperativas, grémio do milho e agricultura familiar.

Foi o matar dos nossos sonhos. Logo, Maio é a referência. Ainda!

Por isso, todos os anos, durante todos os dias de Maio, recordo com nostalgia as tertúlias de milhares de jovens, que em “mutambas”, nos musseques, esquinas, becos, escolas e bairros, ingenuamente, projectavam um país, revolucionariamente, melhor, que a ex-província ultramarina de Portugal. Não escondo o meu passado. Estive, na noite do dia 11 de Novembro de 1975, na praça da independência, como comandante de grupos de jovens que, com os olhos esbugalhados, serviram de porta – estandarte, para assistir o hastear de uma nova bandeira e país no concerto das nações. Debalde!

Angola foi transformada num grande MPLA, o império da ditadura, onde, 49 anos depois, ainda não se conjuga a pluralidade, justiça, liberdade, democracia, bandeira, hino e símbolos republicanos…

Fui (fomos) traído(s). Literalmente”.

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