O entrevistado do Folha 8, para além de ser um animal político, é economista de profissão. Justino Pinto de Andrade, director da Faculdade de Economia da Universidade Católica de Angola.
P or si passam muitos dossiers e tem uma noção clara sobre a vivência das relações comerciais de baixo e alto calibre. Aliás contribui para isso, a localização da própria universidade, no coração do Palanca onde a vida negocial não pára e pulsa a toda hora e momento, desde o cabrité, a bacia, aos supermercados comerciais e aos supermercados da fé, pois é o local em Angola onde existem mais igrejas por metro quadrado.
Este é, na nossa ousadia, o entrevistado de hoje.
Folha 8 – Como encara esta pretensão do MPLA, que tanto se opôs a uma maior ponderação, surgir agora a pedir uma revisão do Orçamento Geral do Estado?
Justino Pinto de Andrade – Desde início que ficou perfeitamente evidente que o OGE 2015 seria revisto, uma vez que alguns dos seus parâmetros estavam desajustados da realidade. Quando se discutiu o documento no Parlamento, o preço do petróleo já estava em queda acentuada. É evidente que ele continuou a cair e, por isso, seria muito difícil fazer qualquer previsão do preço médio a vigorar durante este ano. Até agora o preço continua a sua fase descendente, não se sabendo onde irá parar. Talvez nos usd 40/barril, talvez até mesmo menos. É ainda uma incógnita. Pode até suceder que o OGE revisto venha a ser novamente ajustado, quando se tiver uma melhor percepção da situação.
F8 – Quais são as consequências, no início do ano para os órgãos e restante máquina estatal, deste OGE rectificativo?
JPA – Esta revisão, como sabemos, será uma revisão em baixa, ou seja, far-se-ão cortes nas dotações para as diversas unidades orçamentais, o que implicará a não realização de uma série de actividades antes previstas. A queda de algumas acções irá repercutir-se, pela certa, sobre outras, inclusive, em outros sectores. Muitos projectos serão adiados ou até mesmo eliminados. Haverá uma redução no nível da actividade económica e social. Quando tal sucede, registam-se perdas económicas, perdas sociais, perdas de emprego e de rendimento das famílias. Adivinho, pois, um ano mau e que poderá ser marcado por uma vasta contestação social. Espero que essa contestação não seja severamente reprimida como já tem sido hábito.
F8 – O executivo de Eduardo dos Santos poderia evitar esta decalage?
JPA – O Executivo tem pouca margem de manobra, uma vez que as suas habituais fontes de financiamento externo também não vivem um momento muito favorável. No presente momento, a única das grandes economias com quem temos relações é a americana, que está a crescer de modo sustentado. As outras, ou estão em estagnação, ou a crescer a ritmos mais lentos, ou mesmo em regressão. E a sua recuperação será lenta. Os chamados BRIC´s não vivem bons momentos: a Rússia está em crise, a China e a Índia crescem, mas pouco, e o Brasil quase que não cresce. Nesse momento, deixaram, pelo menos temporariamente, de ser o grande motor da economia mundial. A Europa padecia de alguma anemia económica e o Japão continua em estagnação.
“Vivemos um muito mau momento”
F8 – Que reflexos haverá na economia nacional, mais concretamente, na restante máquina produtiva?
JPA – A nossa economia continua muito dependente do petróleo e dos inputs externos. Quando há crise de receitas, como é o caso actual, a economia no seu conjunto, ressente-se. Haverá dificuldades de importação quer de bens de consumo, quer de bens intermédios e de matérias-primas. Sem sombra de dúvidas que viveremos um muito mau momento. A projecção dos níveis de crescimento para este ano, feitas antes, está ultrapassada. Há que a rever com mais realismo.
F8 – Os produtos produzidos em Angola, ficarão mais caros, com a subida do preço do crude?
JPA – O preço do crude não subiu, antes pelo contrário, desceu a pique… Quem subiu foi o preço dos seus derivados, aqui no nosso mercado, por força da política de alívio dos subsídios do Estado. Naturalmente que sendo os combustíveis um input importante para quase tudo, a subida dos seus preços reflectir-se-ão, inevitavelmente, sobre os produtos nacionais, e também sobre alguns serviços.
F8 – Que relevância política terá o Parlamento, que não fiscaliza, ser chamado para esta situação de rectificação?
JPA – Como é de lei, o OGE será remetido ao Parlamento para ser revisto. E a proposta que o governo enviar será aprovada sem qualquer dificuldade, dado que o MPLA tem maioria absoluta e, por isso, tem capacidade para fazer aprovar os documentos que quiser. Eu espero é que, agora, os seus deputados sejam mais cuidadosos na análise da proposta de revisão orçamental e não a aprovem de olhos fechados, como o fizeram com o documento inicial. Têm que ter consciência que se trata de uma Lei que regula a actividade económica do Estado e se repercute sobre toda a nossa vida, durante o ano em curso.
“Deputados do MPLA são uma caixa de ressonância do partido”
F8 – O MPLA com esta acção mostra sentido de Estado ou trata os deputados como uma espécie insignificante?
JPA – Infelizmente, a bancada parlamentar do MPLA é uma caixa de ressonância da vontade do partido. E a experiência mostra que ela faz o que o governo determina.
F8 – Haverá reflexos dramáticos nos organismos sociais?
JPA – A tendência, em ocasiões de aperto, é sacrificarem-se os sectores sociais. Espero que haja muita ponderação na definição das prioridades. Há áreas onde os cortes são menos gravosos e com menores impactos no futuro do país. Há mesmo gastos supérfluos e que podem ser adiados. Temo que se continuem certas acções marcadamente eleitoralistas e se sacrifiquem outras que reputo de fundamentais.
F8 – O povo vai ver a sua vida piorar, com a alta da inflação?
JPA – A redução da receita e da despesa do Estado – sem a entrada de novos recursos – deveria ter como efeito imediato uma diminuição da actividade económica e da circulação monetária. Com menos dinheiro a circular, deverá haver uma contenção nos preços e não um aumento da inflação. É um fenómeno que vou observar com atenção, pois, a inflação tem mais a ver com um aumento na circulação monetária não devidamente compensada com um aumento na oferta de bens e serviços.
F8 – O que acha pessoalmente, sobre toda esta forma de gestão da máquina do Estado?
JPA – A máquina do Estado, geralmente, funciona mal. Ela está sujeita a interesses pessoais de um grupo de dirigentes.
“Poderosos estão sempre protegidos, quem sofre é o povo”
F8 – A vida do povo, mais pobre vai ser afectada drasticamente?
JPA – Todos nós sabemos que quem sofre é sempre o mexilhão… Os poderosos estão sempre protegidos. O nosso poder está ao seu serviço. Disso não tenho quaisquer dúvidas.
F8 – Acredita que o aumento do preço dos combustíveis vai conseguir equilibrar as contas do Estado?
JPA – Reduzindo o nível dos subsídios aos combustíveis, de algum modo, contribui, mas não resolve o problema, pois há outros itens que se mantêm inalteráveis e que são causadores do desequilíbrio orçamental.
F8 – Qual a receita que apresentaria, neste momento, para uma melhor gestão da coisa pública?
JPA – A receita passa por se travar esta máquina demolidora que nos governa e desgoverna.