A República Democrática do Congo (RD Congo) assolada por conflitos no leste envolvendo exército nacional e grupo armado M23 registra casos de execução sumária, estupro colectivo e recrutamento forçado, afirma o alto comissário da ONU de Direitos Humanos que pede a investigação dos responsáveis.
Após a tomada da cidade de Goma, capital da província de Kivu do Norte, os rebeldes seguem agora em direcção a Kivu do Sul, tendo como objectivo assumido tomar Kinshasa.
Falando a jornalistas em Genebra, o porta-voz do Escritório da ONU para os Direitos Humanos alertou que desde o início da crise, bombas atingiram pelo menos dois campos de deslocados internos, causando vítimas civis.
Jeremy Laurence informou que também foram documentadas execuções sumárias de pelo menos 12 pessoas pelo M23 entre 26 e 28 de Janeiro.
Além disso, o órgão das Nações Unidas está a verificar relatos de que 52 mulheres foram estupradas por tropas congolesas em Kivu do Sul, incluindo supostos estupros colectivos.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, disse que essa escalada do conflito traz o risco de aprofundar ainda mais os casos de violência sexual. Segundo ele, essa tem sido “uma característica terrível do conflito armado no leste da RD Congo há décadas”.
Para Turk, a actual proliferação generalizada de armas em Goma está exacerbando os riscos já significativos de violações e abusos graves.
Em áreas sob controle do M23, escolas e hospitais foram ocupados, os deslocados foram expulsos e a população civil é alvo de recrutamento e trabalho forçado.
À medida que o M23 avança, o alto-comissário pede o fim da violência e que todas as partes cumpram suas obrigações sob o direito internacional, incluindo a investigação de responsáveis por violações.
A Organização Internacional para as Migrações, OIM, declarou estar profundamente preocupada com as centenas de milhares de civis deslocados nos últimos dias em Goma. A escalada nos combates e na violência nos últimos dias forçou as pessoas, algumas já deslocadas antes, a sair de suas casas.
A directora-geral da OIM, Amy Pope, disse que “uma situação já terrível está rapidamente a tornar-se muito pior”. Ela pediu o fim imediato da violência e o acesso humanitário total.
Em 23 de Janeiro, intensos confrontos eclodiram entre o grupo armado M23 e as forças do governo em Goma e nas proximidades de Sake, bem como em cidades de Kivu do Sul, como Minova. Os combates ocorreram perto de acampamentos densamente povoados que abrigam milhares de congoleses, incluindo mulheres e crianças.
Vários locais de deslocamento, inclusive nos arredores de Goma, onde mais de 300 mil pessoas buscaram refúgio, foram parciais ou totalmente esvaziados no meio da fuga dos combates.
A OIM alerta que os desalojados precisam urgentemente de abrigo, comida, água potável, assistência médica e serviços de protecção para mulheres e crianças. Itens essenciais como cobertores, esteiras e utensílios de cozinha também estão em demanda crítica.
Pelo menos 700 pessoas morreram e 2.800 ficaram feridas nos combates pelo controlo da cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo (RD Congo), entre domingo e quinta-feira, revelou um porta-voz da ONU.
Stéphane Dujarric, que fez o anúncio numa conferência de imprensa, explicou que aqueles números resultaram de uma avaliação feita pela Organização Mundial da Saúde e os seus parceiros, juntamente com o Governo democrático-congolês, e acrescentou que aqueles totais pecam por defeito.
Em Goma, a capital da província do Kivu Norte conquistada esta semana pelo grupo armado M23 e pelo exército ruandês, “a situação continua tensa e volátil, com tiroteios ocasionais”, mas a situação é geralmente mais calma, comentou o chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, na conferência de imprensa, sublinhando os problemas causados pelas munições não deflagradas após vários dias de combates.
Jean-Pierre Lacroix manifestou também a sua preocupação com o avanço do M23 e das forças ruandesas para sul, em direcção a Bukavu, capital da província vizinha, Kivu Sul.
“Segundo as informações de que disponho, o M23 e as FDR (forças armadas ruandesas) estão a cerca de 60 quilómetros de Bukavu e avançam rapidamente”, observou, referindo-se ao risco de tomada do aeroporto de Kavumu, um pouco mais a sul.
“Estamos preocupados, não só com o leste da RDCongo, mas, se olharmos para o passado, corremos o risco de que seja desencadeado um conflito regional mais alargado”, insistiu, referindo-se em particular às acesas trocas de notas diplomáticas entre o Ruanda e a África do Sul.
“É por isso que é da maior importância que sejam envidados todos os esforços diplomáticos para evitar esta situação e para conseguir uma cessação das hostilidades”, defendeu.
Além do conflito no leste da RD Congo, também o nordeste do país continua a ser assolado por acções armadas, neste caso envolvendo as Forças Democráticas Aliadas (ADF, na sigla em inglês), um grupo rebelde com ligações ao movimento extremista Estado Islâmico (EI).
Pelo menos 28 civis foram mortos num ataque atribuído às ADF na província de Ituri, confirmou à EFE uma organização não-governamental de defesa dos direitos humanos.
O incidente ocorreu na quinta-feira, numa incursão simultânea das ADF nas aldeias de Ndalya, Kthwakasoya e Mataha, localizadas no distrito de Walese Vonkutu, no território de Irumu, na província de Ituri, segundo a Convenção para o Respeito dos Direitos Humanos (CRDH).
Este incidente ocorre numa altura em que as Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC), em colaboração com o exército do Uganda, estão a intensificar as patrulhas contra as ADF e outros grupos armados presentes em Ituri, uma região rica em ouro.
O ataque ocorreu depois de os corpos de 19 pessoas, alegadamente mortas pelas ADF, terem sido encontrados na terça-feira numa aldeia da província vizinha de Kivu Norte.
As ADF são uma milícia de origem ugandesa, mas estão actualmente sediadas nas províncias democrático-congolesas vizinhas de Kivu Norte e Ituri, onde realizam frequentemente ataques e aterrorizam a população.
As autoridades ugandesas acusam igualmente o grupo de organizar ataques no seu território e, em Novembro de 2021, os exércitos do Uganda e da RD Congo iniciaram uma operação militar conjunta.
Os objectivos não são claros, para além de uma possível ligação ao EI, que por vezes reivindica a responsabilidade pelas suas acções.
Embora os peritos do Conselho de Segurança da ONU não tenham encontrado provas de apoio directo do EI às ADF, os Estados Unidos identificaram as ADF, desde Março de 2021, como uma “organização terrorista” ligada ao movimento extremista.
Desde 1998, o leste da RD Congo está mergulhado num conflito alimentado por mais de uma centena de grupos rebeldes e pelo exército, apesar da presença da missão de manutenção da paz da ONU (Monusco).