O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, critica o homólogo brasileiro, Lula da Silva, por ter permitido que a declaração da recente cimeira do G20 reflectisse uma “posição fraca” sobre a guerra na Ucrânia sem sequer mencionar a Rússia.
A declaração final do G20 (grupo das 20 maiores e emergentes economias do mundo), realizada no Rio de Janeiro, “demonstrou uma posição fraca”, declarou Zelensky em Kiev durante a Terceira Conferência Internacional sobre Segurança Alimentar “Cereais da Ucrânia”, segundo a agência Ukrinform.
“E houve uma situação muito difícil, bastante escandalosa. Infelizmente, o líder do Brasil mostrou-se do lado fraco nesta guerra”, lamentou o Presidente ucraniano, que no entanto observou ter mantido um “bom diálogo” anteriormente com Lula da Silva nos Estados Unidos.
Zelensky observou que “o Brasil é um grande país” e agradeceu o apoio da “maioria das pessoas” à Ucrânia”, mas ressalvou que, “infelizmente, a cimeira do G20 decorreu com um apoio muito fraco” a Kiev.
“Como o povo do Brasil nos apoia, não lhe quero mentir. Quero ser muito directo: se queremos relações normais entre as nossas nações, então, provavelmente, deveríamos apoiar primeiro os povos e não os agressores, os líderes da agressão no mundo, como [o Presidente russo, Vladimir] Putin”, prosseguiu.
O líder ucraniano sustentou que o Brasil não poderá servir de mediador para negociações relacionadas com a Ucrânia, porque, frisou, “não mostrou a sua voz durante o G20 em relação à agressão de Putin e da Rússia”, iniciada em Fevereiro de 2022.
“E esta fraqueza permite a Putin, durante estes eventos globais, quando o G20 se reúne, atacar com novos mísseis, depois de [o chanceler alemão Olaf] Scholz lhe ter telefonado. Penso que se houver declarações fortes, apelos fortes, passos fortes, então Putin não se comportará assim”, defendeu Zelensky, aludindo ao lançamento de um míssil balístico hipersónico contra a região ucraniana de Dnipro.
A Ucrânia apareceu mencionada apenas uma vez na declaração final do G20, saudando “todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma paz abrangente, justa e duradoura, mantendo todos os propósitos e princípios da Carta da ONU para a promoção de relações pacíficas”.
O líder ucraniano reafirmou que há uma forte hipótese de acabar com a guerra em 2025, quando o republicano Donald Trump tomar posse como Presidente dos Estados Unidos, no final de Janeiro.
“Será um caminho difícil, mas estou confiante de que temos todas as hipóteses de o alcançar no próximo ano”, declarou, defendendo que a guerra “terminará quando a Rússia decidir que quer acabar com ela”, mas também quando os Estados Unidos “assumirem uma posição mais forte” e “quando o Sul global vier para o lado da Ucrânia e a favor do fim” do conflito.
Zelensky afirmou que existem medidas concretas para pôr fim à guerra incluídas na Fórmula de Paz Ucraniana, embora a Rússia “não concorde” com todas elas, admitiu, advertindo: “Mas existe a Carta da ONU e todas as nossas acções assentam nela”.
“Estamos abertos a propostas dos líderes dos países africanos, da Ásia e dos Estados árabes. Quero também ouvir sugestões do novo Presidente dos Estados Unidos. Penso que nos veremos em Janeiro e teremos um plano para acabar com esta guerra”, insistiu.
Após o disparo do novo míssil russo, que Putin justificou com a autorização para o uso de armas de longo alcance ocidentais contra território russo, Zelensky tinha acusado Moscovo de ridicularizar os apelos de contenção de países como a China e outros do chamado Sul global.
Zelensky informou ainda que, desde o início do funcionamento do corredor de exportação de alimentos no Mar Negro, entre Julho de 2023 e Novembro deste ano, foram danificadas 321 infra-estruturas nos portos ucranianos em consequência de ataques com mísseis russos e ‘drones’ iranianos.
“Mais de 20 navios, navios civis comuns, também foram danificados nos ataques. E estamos a falar de embarcações de outros países”, salientou.
A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de Fevereiro de 2022, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Recorde-se que a declaração que defende “os princípios da soberania, da independência e da integridade territorial” da Ucrânia recolheu o apoio de mais de 80 países e organizações, mas não do Brasil nem de Angola, Guiné-Bissau, Moçambique ou Guiné-Equatorial.
O comunicado final adoptado na Cimeira para a Paz na Ucrânia, realizada em Junho na Suíça, foi apoiado por quatro Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), designadamente Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
A declaração final da primeira Cimeira para a Paz, que defende “os princípios da soberania, da independência e da integridade territorial” da Ucrânia, recolheu o apoio de mais de 80 países e organizações, mas não do Brasil – que decidiu não participar activamente na conferência, tendo enviado apenas um observador, a embaixadora brasileira na Suíça, Cláudia Fonseca Buzzi -, nem de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, que não se fizeram representar na Suíça, o mesmo sucedendo com a Guiné-Equatorial.
Portugal esteve representado ao mais alto nível, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, enquanto Cabo Verde e Timor-Leste se fizeram representar pelos primeiros-ministros Ulisses Correia e Silva e Xanana Gusmão, respectivamente, e a delegação de São Tomé e Príncipe foi encabeçada pelo chefe de diplomacia, Gareth Guadalupe.
Questionado sobre a ausência de vários membros da CPLP, Marcelo Rebelo de Sousa disse acreditar que mesmo aqueles que não participam na cimeira partilham o desejo de que seja alcançada a paz na Ucrânia.
“Tanto quanto nós podemos saber, vários deles, dos que aqui não estão aqui representados, estão sintonizados, porque o têm dito, com a paz, o caminho para a paz e a importância de todos os passos que forem dados para a paz”, declarou.
Por sua vez o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, defendeu que é possível trazer mais países de diversos continentes para “o lado do direito internacional” sensibilizando-os para a questão da segurança alimentar.
“Todas as partes têm de ser chamadas. Nós podemos pôr do lado do direito internacional, do lado da soberania e da independência da Ucrânia, do lado da integridade territorial, todos estes parceiros se lhes mostrarmos, como lhes estamos a mostrar, que isto é crítico também para eles”, disse Paulo Rangel.
Por ocasião da recente deslocação do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Portugal, em 28 de Maio, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, revelou que a rede diplomática nacional e o próprio Presidente da República desenvolveram todos os esforços no sentido de mobilizar países terceiros, sobretudo Estados-membros da CPLP, para participarem na cimeira na Suíça.
A conferência para a paz na Ucrânia, organizada pela Suíça na sequência de um pedido de Zelensky, juntou representantes de quase uma centena de países e organizações – metade dos quais da Europa -, mas foram várias as ausências (haviam sido dirigidos convites a 160 delegações de todo o mundo), sendo naturalmente a de maior peso a da Rússia, que lançou a guerra na Ucrânia em Fevereiro de 2022, e contou com a ‘solidariedade’ de vários países, que rejeitaram participar dada a sua ausência, como sucedeu com a China.
Recorde-se igualmente que a CPLP é para a Ucrânia uma “importante plataforma” com um peso crescente na cena internacional, uma das razões pelas quais o país apresentou oficialmente em Dezembro de 2023 o pedido para ser Observador Associado.
O então ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, numa carta dirigida ao secretário executivo do elefante branco que fala (mais ou menos) português, Zacarias da Costa, com a manifestação formal de interesse daquele Estado em ser observador associado afirmou: “O aprofundamento das relações com os países de língua portuguesa, nomeadamente através do diálogo com a CPLP, é parte integrante da política externa ucraniana”.
Na missiva que cujo cópia foi enviada aos nove Estados-membros da organização, Kiev considera a organização lusófona uma “importante plataforma criada para unir países de língua portuguesa” com um “peso e autoridade” na cena internacional “em constante crescimento”.
No documento, o chefe da diplomacia ucraniana declara o interesse do país em estabelecer “uma cooperação permanente com a CPLP a fim de fortalecer as relações amigáveis e a cooperação mutuamente benéfica com os países membros da organização”, em diversos domínios como o político, socioeconómico, cultural, humanitário, da educação e da ciência.
Na missiva, Dmytro Kuleba realça o facto de que a Ucrânia, apesar de ser um país distante geograficamente, “mantém laços históricos com Estados de Língua Portuguesa”.
A propósito refere a forte comunidade emigrante ucraniana em Portugal e o número significativo de emigrantes ucranianos no Brasil, assim como a quantidade de estudantes de língua portuguesa que foi e continuará a ser formada nas universidades ucranianas.
A CPLP conta com 34 observadores associados, entre países e organizações, após a aprovação da candidatura do Paraguai, na 14.ª conferência de chefes de Estado e de Governo.
Na cimeira de São Tomé e Príncipe, em Agosto do ano passado, foi também aprovado o novo regulamento dos observadores associados, que os vincula a estabelecerem “uma parceria no âmbito dos objectivos gerais” da organização de língua portuguesa – a concertação política e diplomática em matéria de relações internacionais, a cooperação em todos os domínios e a difusão e promoção da língua portuguesa.
Assim, no processo de candidatura à atribuição de categoria de Observador Associado da CPLP, a entidade que pretende atingir aquela categoria “apresenta a sua manifestação de interesse e exposição dos motivos da candidatura, em carta redigida em língua portuguesa, dirigida ao secretário executivo da CPLP, que a submete ao comité de concertação permanente para apreciação preliminar”.
Caso o comité – que reúne os embaixadores dos nove Estados-membros – concorde com o pedido, “o secretariado executivo solicita à entidade candidata o plano de parceria (…), que deve dar entrada no secretariado executivo até três meses antes da data da realização da conferência de chefes de Estado e de Governo”, onde será aprovada a candidatura.
O Presidente da República (não eleito) de Angola, João Lourenço, conversou no dia 10 de Outubro de 2022 ao telefone com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o tema abordado foi o conflito militar na Ucrânia. Por sua vez o Presidente do MPLA, João Lourenço, tem também mantido contactos telefónicos com o seu homólogo, amigo e mentor russo, Vladimir Putin.
Segundo informação disponibilizada na altura na página oficial de João Lourenço na rede social Facebook, o tema então abordado foi “o conflito militar em que a Ucrânia se encontra envolvida”.
João Lourenço, que defendeu no seu discurso de tomada de posse, em 15 de Setembro de 2022, que Moscovo deve tomar a iniciativa para evitar a escalada do conflito, domina a língua russa, já que estudou na antiga União Soviética entre 1978 e 1982.
O máximo que o Governo do MPLA, velho amigo dos soviéticos e, é claro, de Vladimir Putin, conseguiu foi, segundo o Ministério das Relações Exteriores, dizer que “a República de Angola exorta as partes a observarem um cessar-fogo, primando pela resolução pacífica do conflito, por via do diálogo político, em pleno respeito do Direito Internacional, conforme consagrado na Carta das Nações Unidas”.
No mesmo dia em que, o MPLA em nome de Angola, revelou esta posição, os embaixadores europeus em Angola condenaram (sem consultarem o MPLA…) a agressão militar russa contra a Ucrânia e visitaram o chefe de missão da embaixada ucraniana, Andrei Chornobyskyi, a quem expressaram “apoio inabalável”.
“Os Embaixadores da Delegação e dos Estados Membros da União Europeia representados em Angola condenam da forma mais veemente possível a agressão militar da Federação Russa contra a Ucrânia”, dizia o comunicado de imprensa da representação europeia em Angola.
Os embaixadores europeus consideraram que a Rússia viola “grosseiramente o direito internacional e os princípios da Carta da ONU”, com as suas acções militares ilegais, “minando a segurança e a estabilidade europeias e globais”.
Em solidariedade com a Ucrânia, os diplomatas visitaram o Chefe de Missão da Embaixada Ucraniana em Angola, Andrei Chornobyskyi, na sua embaixada, “onde expressaram o seu apoio inabalável à independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”.