QUANTIDADE OU QUALIDADE?

O Executivo angolano perspectiva atribuir cerca de 50 mil novas bolsas de estudo até ao ano de 2027, anunciou, em Luanda, a ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário Bragança.

Falando na 14ª Edição do CaféCIPRA, realizada sob o tema “Formação de capital humano no país e nas melhores universidades do mundo: metas e resultados”, a governante ressaltou que a medida visa aumentar o número de estudantes bolseiros do país, dada a procura de formação de nível superior.

Disse haver, neste momento, cerca de 31 mil estudantes bolseiros de graduação, e que se pretende conceder anualmente 10 mil novas bolsas para graduação e mil e 500 para pós-graduação.

A ministra afirmou que existe obrigação de melhorar a oferta formativa no país, para ir de encontro às necessidade do mercado, de modo a reduzir o número de desempregados derivado do facto de o perfil de saída não se ajustar às carências do mercado.

Explicou que se vai reforçar a capacidade de acompanhamento dos estudantes bolseiros externos, inteirando-se do aproveitamento académico dos mesmos.

Por outro lado, Maria do Rosário Bragança anunciou a criação, até 2027, de um observatório de empregabilidade, com vista a ter um processo de monitorização dos formandos e, desta forma, estabelecer acordos com empresas para a geração de empregos, ainda que temporários.

De igual modo, disse haver um projecto piloto ligado ao empreendedorismo, com suporte dos Países Baixos, envolvendo quatro instituições de ensino, para a criação de um currículo para o empreendedorismo no ensino superior, para que as instituições possam colocar esta disciplina nos diversos programas.

GOVERNO CORTA NAS BOLSAS DE ESTUDO NO EXTERIOR

Recorde-se que Governo angolano (do MPLA há 49 anos) anunciou no passado dia 20 de Março que “por razões de ordem financeira” não publicará este ano o edital para a aceitação de candidaturas a bolsas de estudo para universidades fora do país.

O anúncio, feito pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação em comunicado, ressalva, todavia, que os candidatos admitidos em edições anteriores do “Programa de Envio Anual de 300 Licenciados/Mestres para as Melhores Universidades do Mundo” continuarão a beneficiar das bolsas que lhes foram atribuídas.

Na nota, em que destaca que a formação de quadros angolanos “permanece uma preocupação de extrema importância para o Executivo angolano”, o Ministério garante que ainda em 2024 “empreenderá acções com vista ao estabelecimento de Acordos e Parcerias com países e instituições” estrangeiras.

O Ministério acrescenta que procurará estabelecer os acordos e parcerias com instituições que garantam “formação superior de elevado padrão em áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento nacional e com custos financeiros controlados”.

“O corpo docente e não docente das instituições de ensino superior públicas e os jovens em geral que aspiram elevar os seus níveis de conhecimento ao nível de mestrado, especialização médica e doutoramento, serão os beneficiários desses acordos de cooperação”, frisa.

Em Janeiro deste ano, o Director-geral do INAGBE (Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudos), Milton Chivela, denunciou que havia beneficiários de bolsas de estudo no exterior do país, no âmbito do Programa de Formação de Quadros para níveis de mestrado e doutoramento, estavam a abandonar os estudos e o país de formação sem qualquer satisfação para simplesmente usufruir dos valores monetários disponibilizados pelo governo.

Existem estudantes a beneficiar de bolsas de estudo no exterior do país, principalmente em Portugal e Espanha, mas sem rendimento escolar, por apresentarem um comportamento de “turistas”, e a abandonar os estudos e o país de formação sem darem qualquer satisfação ao INAGBE.

O único interesse dos bolseiros enviados principalmente para Portugal e Espanha, para frequentar o mestrado ou doutoramento, no âmbito do Programa de Formação de Quadros, é usufruir dos valores monetários do erário.

A revelação vinha do Director-geral do INAGBE, Milton Chivela, que lamentava o facto de o governo gastar avultadas somas de dinheiro para a formação de quadros, o correspondente a 18.000 dólares por estudante, mas em muitos casos sem o retorno desejado.

Para continuar a usufruir dos 18.000 dólares e outras benesses que a bolsa lhes confere, os bolseiros estão a apresentar documentos de frequência e aproveitamento escolar falsos.

Diante da situação que considera triste e assustadora, o responsável, prometeu apresentar queixa às autoridades competentes de Angola, bem como procurar dar a conhecer a situação real desses estudantes já identificados às instituições de ensino do exterior do país para que tomem as devidas medidas, “porque não podemos compactuar com tais práticas, e temos que as desencorajar”.

Sobre a apresentação de queixar contra os estudantes bolseiros sem aproveitamento escolar e a abandonar os países de formação, para só usufruir das benesses da bolsa, o director-geral da instituição explicou que tão logo se conclua a análise documental de todos os candidatos já estará em condições de dizer quantos são e remeter a queixa-crime contra esses.

Em Fevereiro de 2018, João Lourenço afirmou que a falta de um mecanismo de financiamento tem sido um dos maiores constrangimentos da prática da investigação científica em Angola, onde se verifica uma falta gritante de quadros altamente qualificados e com experiência comprovada.

Fica bem, de vez em quando, ser também o Titular do Poder Executivo a “inventar” a pólvora. E para constatar o óbvio não é necessária muita investigação científica. Basta olhar para o que o MPLA prometeu ao longo de dezenas de anos e nunca cumpriu.

Recém-chegado ao poder (só lá está há quase… 50 anos) o MPLA descobre regularmente (entre outras pérolas) que Angola precisa de mais qualidade nas instituições universitárias.

Estávamos em Outubro de 2018. Segundo o boletim oficial do partido, Jornal de Angola (JA), João Lourenço fez este alerta na abertura da reunião com a comunidade académica de Luanda e Bengo, lembrando que o país “continua a exportar as suas riquezas em estado bruto para o exterior” (exportar para o exterior não está mal, não senhor!), para depois comprar de volta os produtos transformados a preços exorbitantes. Além disso, sublinhou, a atitude contribui para dar emprego aos operários de outros países em detrimento dos angolanos.

Diante de milhares de académicos, segundo as contas do JA, João Lourenço pediu atenção à qualidade do ensino superior, numa altura em que existiam 24 instituições de ensino superior públicas e 40 privadas, surgidas num espaço de 14 anos. Até 2002, Angola tinha apenas uma única universidade pública, a Universidade Agostinho Neto, e duas privadas que, no total, formaram no mesmo período 62.407 quadros.

“Precisamos de encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessidade da formação massiva de quadros que o país precisa e o rigor na qualidade desses mesmos quadros superiores”, disse João Lourenço, para acrescentar: “Devemos encorajar e promover a cultura de premiar o mérito no ensino, o mérito no trabalho e em tudo o que fazemos”.

Ou seja, João Lourenço disse que os angolanos devem olhar para o que o MPLA diz mas não, é claro, para o que faz. Isto porque se no regime existisse de facto a cultura do mérito, muitos dos seus quadros, ditos superiores, estariam a colher loengos ou a dissertar sobre a influência das bitacaias no achatamento polar das batatas.

João Lourenço disse, continuamos a citar o pasquim oficial, que o crescimento que o país vive na construção de estradas, caminhos-de-ferro, barragens hidroeléctricas, fábricas, portos e aeroportos, hospitais e fazendas agrícolas, deve ser acompanhado de formação de quadros que possam garantir a continuidade e manutenção dos projectos. “Apesar da maior necessidade que o país tem na formação de quadros é necessário assegurar a sua qualidade a todos os níveis de ensino”, disse João Lourenço.

João Lourenço recordou (numa manifesta passagem de um atestado de matumbez aos angolanos) que o MPLA sempre estabeleceu como prioridade a educação e o ensino nos seus programas de governação, através de atribuição de bolsas de estudo para países como Cuba, Rússia, Portugal, França, Reino Unido, Itália, EUA, Nigéria e Marrocos.

“Foram milhares os quadros angolanos superiores formados em diferentes áreas do saber nesses países e que hoje contribuem para o desenvolvimento do nosso país”, disse.

Não se pode querer tudo

Por sua vez, na altura, o presidente da associação das universidades privadas de Angola, José Semedo, defendeu uma parceria estratégica entre o Executivo, instituições de ensino, empresas públicas e privadas, instituições financeiras, fundações, bancos e as famílias, para a elevação e a concretização da qualidade de ensino no país.

José Semedo lembrou que nenhuma instituição angolana consta da lista das 100 melhores universidades de África (nem nas 300), ao passo que Moçambique e Cabo Verde, que têm a mesma idade política, aparecem entre as melhores do continente.

É verdade. Em contrapartida, Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais, é um país com um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo. Não se pode querer tudo, não é?

“A implementação de um quadro jurídico-legal e uma lei do mecenato para o ensino superior pode, a médio e longo prazo, modernizar e elevar a competência, a qualidade e excelência dos nossos quadros”, disse José Semedo, em representação das 40 instituições privadas do país. José Semedo reconheceu que a qualidade de ensino feito nas instituições nacionais é contestada na sociedade e uma grande parte dos licenciados formados não possui conhecimento científico, técnico e tecnológico que permite a sua inserção no mercado internacional.

Que a maior parte dos supostos quadros superiores são, afinal, quadros inferiores, todos sabemos. Tal como sabemos que são esses que o MPLA chama para funções públicas. E chama porque, sabendo eles que nada sabem, prestam-se a todos os fretes e fazem da fidelidade canina e do culto ao chefe o seu principal doutoramento.

A reitora da Universidade Agostinho Neto, afirmou na altura o boletim oficial, lamentou o facto de a admissão de alunos com notas inferiores a dez valores estar a aumentar de ano para ano. Maria Sambo revelou que, em 2015, o número de admitidos com notas inferiores a dez valores representou 53 por cento. Em 2016, a percentagem subiu para 58 por cento.

É tudo uma questão de perspectiva. Dez valores num aluno que seja militante do MPLA é, clara e inequivocamente, uma nota que equivale a 20 valores…

“A admissão de estudantes previsivelmente mal preparados, valorizando-se a classificação obtida no exame de acesso, como único critério de selecção, constitui uma garantia de deficiente prestação, salvo raras excepções”, disse a reitora, para quem o processo de aprendizagem dos estudantes que ingressam com notas negativas torna-se difícil, ainda porque muitos dos jovens têm condições económicas deficitárias e há falta de apoio social nas instituições de ensino superior.

Há falta de apoio social? A sério? Então o MPLA não é Angola e Angola não é do MPLA?

Maria Sambo destacou ainda outro aspecto: “Não há boa transição entre o ensino secundário e o ensino superior, não há agências que financiem a investigação científica, nem mecanismos de avaliação da qualidade do ensino superior”.

Por outro lado, disse a reitora, a docência é pouco atractiva, porque o estatuto remuneratório não condiz com o grau de exigência e qualificação e com a importância social do docente universitário. Maria Sambo falou ainda de outra dificuldade que a Universidade Agostinho Neto enfrenta.

“A prática da investigação científica é ainda muito débil, há insuficiência de estrutura de apoio e de recursos humanos para a investigação científica e não há editais, nem financiamento público sistemático para candidaturas do projectos de investigação”, disse.

A Universidade Agostinho Neto também tem carência de pessoal administrativo qualificado e técnicos diferenciados para a investigação. Além disso, existem docentes com dupla efectividade. “Tem sido impossível admitir novos docentes e a promoção de docentes está congelada. Estas dificuldades abrangem a carreira docente e de investigação, tornando-as pouco atractivas”, disse, acrescentando que desde 2014 não se realizava qualquer concurso público no ensino superior.

A visão… mesmo quando se é cego

Por sua vez, o então secretário do MPLA para a política Económica e Social, Manuel Nunes Júnior, afirmou que Angola tinha de vencer o atraso científico e tecnológico, sendo isso uma condição crucial para o progresso económico e social e que uma das principais implicações da globalização é a facilidade com que a tecnologia e as ideias fluam entre países.

Ao apresentar as principais orientações da Moção de Estratégia do então presidente do MPLA, o guia supremo, querido líder, “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos, para a formação de quadros, Manuel Nunes Júnior afirmou que a política do seu partido sobre o ensino superior assenta no conhecimento e na criação de novas ideias. A chave do crescimento e prosperidade das nações, disse o político e professor universitário, são as ideias e o conhecimento e não são os objectos. Os objectos, referiu, desgastam-se com o tempo e perdem o valor.

O economista disse que a capacidade humana de produzir novas ideias e novos conhecimentos é infinita. “Muitos países não conseguiram tirar vantagem da revolução industrial e não prosperaram. Torna-se agora imprescindível tirar os benefícios da sociedade do conhecimento que caracteriza o presente processo de globalização”, disse.

Manuel Nunes Júnior lembrou que a diferença entre países ricos e pobres e em termos do desenvolvimento são fenómenos recentes. Os países que conseguiram tirar vantagens da revolução prosperaram e os outros ficaram para trás em termos de crescimento económico e de prosperidade.

“Estamos a viver uma nova revolução em que a sociedade industrial está a dar lugar à sociedade do conhecimento e Angola não pode ficar fora dessa sociedade do conhecimento. Deve dela tirar todas as vantagens”, disse este especialista.

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