AJOELHOU? ENTÃO VAI TER DE REZAR

Uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) conclui esta semana uma visita de avaliação pós-financiamento a Angola para monitorizar a capacidade de reembolso da dívida e eventuais riscos que afectem este compromisso. O FMI não tem dúvidas. João Lourenço ajoelhou-se a agora vai ter de… rezar!

Segundo um comunicado do Ministério das Finanças, a missão chefiada pelo Director Assistente do Departamento Africano, Amadou Sy, decorre de 7 a 17 de Maio, no âmbito da vigilância económica de Avaliação Pós-Financiamento PFA (sigla inglesa para Post Financing Assessment).

Da agenda da delegação constam encontros com os ministros de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano, das Finanças, Vera Daves de Sousa, do Planeamento, Vítor Hugo Guilherme, da Indústria e Comércio, Rui Miguêns, e ainda com o governador e o vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA) Manuel Tiago Dias e Pedro Silva, respectivamente.

Em cima da mesa vão estar temas como as perspectivas económicas e orçamentais, medidas de contingência, políticas monetária e cambial, previsões do sector petrolífero, perspectivas da dívida e políticas de diversificação da economia, entre outros.

O Programa de Financiamento Ampliado (EFF) foi aprovado em 7 de Dezembro de 2018, com um empréstimo de 3,7 mil milhões dólares (3,43 mil milhões de euros), montante que passou para 4,5 mil milhões de dólares (4,18 mil milhões de euros), na terceira avaliação, a pedido das autoridades angolanas, para apoiar as reformas macroeconómicas e mitigar o impacto da pandemia da covid-19.

Angola concluiu em Dezembro de 2021 a sexta e última avaliação do Programa de financiamento Ampliado, Extended Fund Facility (EFF), que durou três anos e que teve um desembolso total de 4,5 mil milhões de dólares.

FMI FAZ BOAS CONTAS… PARA ELES

O economista FMI que coordenou o relatório sobre a África subsaariana, Thibault Lemaire, considerou no passado dia 22 de Abril que o crescimento de Angola este ano está sustentado no sector não petrolífero e prevê inflação elevada.

Thibault Lemaire em declarações no final dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, que decorreram em Washington, afirmou que “a economia angolana manteve-se resiliente no ano passado; depois da recuperação em 2021 e 2022, em 2023 foi fortemente atingida por um declínio na produção e nos preços do petróleo, coincidindo com o fim da moratória” sobre os pagamentos da dívida, na sequência da suspensão dos pagamentos devido à pandemia de covid-19.

O FMI prevê um crescimento de 2,6% e 3,1% neste e no próximo ano em Angola, abaixo dos 3,8% e 4% estimados para a região da África subsaariana, e acima dos 0,5% em 2023, de acordo com a actualização das previsões apresentadas.

Ainda assim, o FMI prevê uma “recuperação gradual da actividade económica em 2024, sustentada pelo desempenho da economia petrolífera e não petrolífera, com a inflação a permanecer elevada este ano e a desacelerar gradualmente”.

Nos relatórios divulgados uma semana antes, o FMI previa que, depois de um aumento de 13,6% no ano passado, os preços subissem 22% este ano e 12,8% em 2025.

Em termos de recomendações, o economista responsável pela coordenação do relatório sobre a África subsaariana diz que “a curto e médio prazo a consolidação orçamental e as reformas neste domínio são essenciais para reforçar a sustentabilidade orçamental e da dívida pública” e conclui que “a aceleração da implementação de reformas estruturais é fundamental para garantir a estabilidade macroeconómica e promover um crescimento diversificado, resiliente e inclusivo”.

Na África subsaariana, o crescimento deverá aumentar de uns 3,4% previstos em 2023 para 3,8% em 2024 e 4% em 2025, “com os efeitos negativos dos choques climáticos a manterem-se e os problemas nas cadeias de fornecimento a melhorarem gradualmente”, diz o FMI.

Registe-se, igualmente, que o stock da dívida pública angolana expresso em dólares aumentou cerca 11,46% em 2023, atingindo um máximo de 80,61 mil milhões de dólares (75,46 mil milhões de euros), o que representa mais de 88% do Produto Interno Bruto (PIB).

Segundo o relatório anual do Banco Nacional de Angola, datado de 30 de Abril, o aumento do stock da divida depois de dois anos consecutivos de queda reflecte essencialmente a evolução cambial desfavorável.

A dívida pública angolana compreende o serviço da dívida com bancos, instituições financeiras multilaterais e bilaterais locais e internacionais.

O stock da dívida governamental fixou-se em 53,08 biliões de kwanzas (59,53 mil milhões de euros, correspondente a 84% do PIB), um aumento de 56%, resultante do comportamento das componentes externa e interna.

A dívida externa, que representa 74,10% do total, somou 39,33 biliões de kwanzas (44,10 mil milhões de euros), um aumento de 63% justificado essencialmente pela depreciação do kwanza face ao dólar.

A dívida pública externa inclui financiamentos de agências multilaterais, governos estrangeiros e agências bilaterais, bancos comerciais e outras instituições financeiras e fornecedores privados.

A dívida interna registou um stock de 13,75 biliões de kwanzas (15,41 mil milhões de euros), 37,5% acima do ano anterior, “devido à sobreposição da emissão, face às amortizações, bem como pela valorização cambial dos títulos indexados e expressos em moeda estrangeira”, indica o relatório do BNA.

A dívida interna compreende a dívida titulada (bilhetes e obrigações do tesouro), contratos mútuos e os atrasados e passivos de exercícios orçamentais anteriores.

A dívida das empresas públicas registou um stock de 2,55 biliões de kwanzas (2,8 mil milhões de euros) face aos 2,30 biliões de kwanzas do ano anterior (2,6 mil milhões de euros), dos quais 95,13% são da petrolífera estatal Sonangol.

“Este aumento reflecte, principalmente, a depreciação do kwanza de cerca de 39,23% face ao dólar norte-americano”, justifica o documento.

O Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2024, prevê entre outras medidas, a redução do rácio da dívida pública para 69,2% do PIB.

Segundo as contas nacionais citadas no relatório do BNA, a taxa de crescimento PIB desacelerou para 0,9% em 2023, impulsionada pela contracção da actividade petrolífera em 2,4 e pela desaceleração do sector não petrolífero, que cresceu 2% face aos 4% de 2022.

Entre os sectores que registaram crescimento destacam-se a extracção de diamantes, electricidade e água, serviços Imobiliários, pescas, agro-pecuária e silvicultura e comércio, que registaram taxas de crescimento acima dos 2,5%.

O regresso do sector petrolífero e gás ao quadrante negativo é justificado no relatório do BNA pelo recuo quer da quantidade produzida de petróleo bruto (-3,30%), bem como de gás natural liquefeito (-8,74%).

O mês passado, a agência de notação financeira Standard & Poor’s disse que Angola estava a negociar com três bancos externos financiamento, de 1,5 mil milhões de dólares, para ajudar a pagar a dívida pública.

Ou seja, “o governo de Angola continua a gerir os seus pagamentos de dívida e a envolver-se com os credores para ter fontes adicionais de financiamento”, escreveu a S&P, apontando que o Executivo “está em discussões com três bancos externos sobre mecanismos de liquidez, num total de cerca de 1,5 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros), para ajudar a cumprir os pagamentos”.

O que mais preocupa os investidores é o facto de a dívida pública ter subido de 65% do Produto Interno Bruto, em 2022, para 90% do PIB no ano passado, principalmente por efeito da desvalorização de 39% do kwanza.

“Prevemos que o Governo tenha recursos suficientes para pagar a sua dívida, de acordo com o perfil de pagamentos nos próximos dois anos”, escreveram os analistas da S&P, mas o Ministério das Finanças, liderado por Vera Daves de Sousa, “está a gerir os futuros pagamentos de dívida, o que deve reduzir a pressão”.

No entanto, acrescentaram, “a capacidade de pagar a dívida depende dos preços do petróleo se manterem acima dos 65 dólares e a produção se mantenha adequada”, o que não deve ser problema, já que a previsão da S&P para o preço do barril aponta para 85 dólares este ano e 80 dólares até 2027, com a produção a manter-se entre os um milhão e 1,1 milhões de barris diários.

Neste e no próximo ano, Angola enfrenta um aumento dos pagamentos da dívida pública contraída nos últimos anos, tendo que pagar 4,5 mil milhões de dólares (4,2 mil milhões de euros) este ano e mais 5,1 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros) no próximo ano em dívida comercial.

Os investidores revelam igualmente preocupações com a predominância do sector petrolífero em Angola e as implicações para as finanças públicas, o impacto da taxa de câmbio na vulnerabilidade financeira do país, e o impacto dos protestos populares na implementação das reformas económicas, para além do volume da dívida e composição dos credores.

O relatório da S&P foi conhecido poucos dias depois de o Presidente da República, general João Lourenço, ter assinado uma autorização para um empréstimo de 500 milhões de dólares, cerca de 466 milhões de euros, da filial da África do Sul do Standard Bank, e após o Instituto Nacional de Estatística ter divulgado que o crescimento económico de Angola foi de 0,9% no ano passado, tendo registado uma quebra de 0,3% no quarto trimestre de 2023 face ao anterior e uma expansão de 1,4% face ao último trimestre de 2022.

Enquanto isso, o FMI estima que a economia angolana cresça 2,6% este ano, mas avisou para os riscos “elevados” da forte dependência do petróleo, vulnerabilidade da banca e dívida elevada com acesso incerto aos mercados.

As conclusões constam do relatório do Conselho Executivo do FMI, no âmbito do Artigo IV, que analisa anualmente a economia angolana, recentemente divulgado.

O relatório destaca igualmente o aumento significativo da inflação em 2023, para 20% em termos homólogos, no final de Dezembro, impulsionado pela depreciação do kwanza e pelos cortes nos subsídios aos combustíveis, iniciados em Junho de 2023.

Folha 8 com Lusa

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