COMER LAGOSTA FALANDO DE QUEM COME FARELO

Uma coisa a que se convencionou chamar sistema político do MPLA não respeita minimamente as regras identitárias de uma democracia e de um Estado de Direito. É assim há 49 anos e, pelo andar da carruagem, assim será até o MPLA completar 100 anos de governação ininterrupta. Nada de preocupante. Só faltam 51 anos.

Por Orlando Castro

O Poder Executivo (Governo) é propriedade pessoal do general João Lourenço. E assim sendo, se é só dele só ele tem autoridade para fazer o que muito bem entender. O Estado é mesmo ele. Tudo o resto são devaneios de somenos importância.

Em Setembro de 2017, quando o Presidente da República (não nominalmente eleito) foi investido nas funções de dono disto tudo, João Lourenço gozou à grande e à francesa com a nossa chipala. Quase todos acreditaram que ele iria, finalmente, transformar Angola num país. Ledo engano. Da “meia dúzia” passamos para “seis”. Mais uma vez, tudo normal.

Como dizem os portugueses, bem conhecedores do que é viver em ditadura, “com papas e bolos se enganam os tolos”. É um ditado popular usado para dizer que pessoas ingénuas (ou tolas) podem ser facilmente enganadas com coisas simples, especialmente se algo aparenta ser agradável ou vantajoso, mas na realidade não é. É uma maneira de destacar a importância de não confiar cegamente em aparências e de ser cauteloso ao tomar decisões.

O general João Lourenço apresentou a sua ementa de papas e bolos: Tornar a justiça célere e independente, fortalecer a democracia e consolidar o Estado de Direito, assegurar educação de qualidade, reduzir as importações, diversificar a economia, criar 500 mil empregos, fazer baixar os preços, implementar as autarquias locais em 2020, reduzir a criminalidade, erradicar a fome e a pobreza.

Mentiu, deliberadamente, com quantos dentes tinha. Apesar disso, sete anos depois continua a dizer que o povo é que está a ver o problema ao contrário, que está a confundir a obra-prima do mestre (ele) com a prima do mestre de obras, ao ponto de em vez de dizer que a situação é um “saralho do carilho” diz que é um “sarilho do caralho”.

O general João Lourenço sabe, por exemplo, que perdeu a luta pelo controlo da inflação, que a instabilidade no mercado cambial é arrasadora, que a dívida pública é assustadora, que a produção nacional está a furar o fundo. Mas, com a sua habilidade de perito dos peritos, explica que o Povo não quer saber disso para nada porque, como dizia o célebre general Kundi Paihama, se os porcos comem farelo e não morrem, os angolanos também podem comer.

E não adianta, embora seja verdade, dizer o que a UNITA teima em dizer. Coisas do tipo: «Tanto o Estado como a imprensa pública estão capturados pela oligarquia que governa o País e controla a economia. Foram constituídos cartéis de importação dos derivados do petróleo que bloqueiam a diversificação da economia, impedem a construção de refinarias com capacidade para abastecer o mercado nacional, regional e internacional. Multiplicam-se os atentados notórios contra o Estado Democrático de Direito e contra o regular funcionamento das suas instituições. As pessoas estão com fome, desempregadas e desesperadas. A classe média que florescia em 2017 está a desaparecer. Angola tem um enorme potencial de recursos naturais, que – bem geridos – permitiriam que a média dos salários fosse de 1.000,00 (mil) dólares.»

E o Povo começa a pensar que, enquanto come farelo, os dirigentes, deputados e similares da UNITA, comem trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet…

Já lá vai o tempo em que (como se lembrarão certamente os generais Lukamba Gato e Kamalata Numa) a malta do Galo Negro preferia ser livre de barriga vazia do que escravo com ela cheia. E, das duas uma, aos angolanos restam duas opções, engrossarem o exército dos que têm razão mas não têm força, ou o dos que não têm razão mas têm força.

Os “médicos” da UNITA fazem o diagnóstico, recorrendo ou não a exames complementares, e dizem que epidemia “generalizada só poderá ser superada com uma mudança do regime político que acabe com o sistema oligárquico de governação do País e promova a consequente despartidarização do Estado, da economia e da sociedade”.

Perante o diagnóstico, os doentes perguntam, esperando a receita, e agora? Os “médicos” da UNITA respondem: não há remédios, por isso vão embora e continuem a aprender a viver sem comer. E quando o doente sai do consultório, viram-se uns para os outros e dizem: Vamos jantar!

Reconhecemos que o diagnóstico da UNITA está certo. Mas não basta. É preciso curar os doentes e tomar medidas profilácticas. É verdade que “nunca o País teve tanta adjudicação directa de contratos sem qualquer concorrência! Nunca a gestão orçamental do País testemunhou a autorização de tantos créditos adicionais para aumentar a despesa pública não orçamentada, como agora! Nunca o País teve níveis insustentáveis de endividamento público como agora! Nunca os investidores estiveram tão hesitantes e confusos como agora! Nunca os angolanos estiveram tão desesperados e tão temerosos quanto ao futuro como agora! Nunca a fome, a pobreza e a miséria foram tão dolorosas e absolutas como agora! Nunca as execuções sumárias foram tantas como nos últimos 6 anos!”

“Temos de mudar e a hora é agora!”, diz recorrentemente a UNITA. Sendo verdade, pergunta-se: Até que ponto está a UNITA disposta a ser o motor efectivo, passando das palavras aos actos, deixando (ou repartindo com quem precisa) as mordomias inerentes à lagosta e sentando-se na pedra a comer mandioca?

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