As trocas comerciais entre Angola e a China registam um decréscimo de 20% este ano, comparativamente a 2022, resultado influenciado pela crise financeira mundial, segundo o presidente da Câmara de Comércio Angola-China, em Luanda.
Luís Cupenala falou à imprensa à margem da Conferência Internacional “Caminhos para o Desenvolvimento: Estudos e Práticas na China e em Angola”, organizada pela Universidade Católica de Angola e pela representação diplomática chinesa no território angolano.
Segundo Luís Cupenala, em 2022 as trocas comerciais entre os dois países atingiram os 27,3 mil milhões de dólares (24,8 mil milhões de euros), e os dados estatísticos deste ano indicam que até Outubro foi atingido o montante de 18 mil milhões de dólares (16,4 mil milhões de euros).
“Há um decréscimo, penso que resulta da crise financeira internacional que está a afectar todos os mercados, um decréscimo à volta de 20%, que é bastante preocupante, mas é apenas um ciclo”, frisou.
O responsável considerou as relações entre Angola e China “bastante consistente”, acreditando que se vai aprofundar cada vez mais, devido aos novos investimentos que estão a ser feitos por empresas privadas.
Luís Cupenala disse ainda que Angola precisa de diversificar a sua economia (quem diria, não é?), apostar sobretudo no sector agrícola (quem diria, não é?), ao invés de continuar dependente do petróleo, o principal produto de exportação para a China.
Os investimentos chineses em Angola são “muito grandes”, realçou o responsável, frisando que “os chineses são muito selectivos e muito flexíveis do ponto de vista da aplicação dos seus investimentos”.
De acordo com o presidente da Câmara de Comércio Angola-China, actualmente assiste-se a “investimentos muito pesados a nível da agricultura”, destacando que na província de Malanje grandes superfícies de terras já produzem grandes quantidades de arroz para fornecer ao mercado nacional.
“Os investimentos são diversos e há uma certa agressividade de investimentos a nível da agricultura e de outros sectores chave, fora do sector petrolífero, isso é que nos anima e tenho certeza que a medida que o mercado vai ganhando confiança mais investimentos também vão acontecer nesta área da agricultura e da agro-pecuária”, expressou.
Instado a comentar se a aproximação de Angola aos Estados Unidos da América (EUA) pode influenciar a parceria com a China, Luís Cupenala argumentou que Angola sempre trabalhou com o Governo americano, e a viagem do Presidente angolano, João Lourenço aos EUA é estratégica, e visa fortificar as relações política, económicas e sociais.
“Pensamos que o país precisa de muitos investimentos e tem lugar para todos aqueles que olham para Angola como um bom espaço para investir, para todos aqueles que querem colocar os seus recursos ao serviço da nossa economia”, vincou.
No dia 12 de Janeiro deste ano, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, rejeitou a narrativa de uma ‘armadilha da dívida’ aos países africanos, defendendo que a dívida faz parte do desenvolvimento e que é necessário garantir o financiamento acessível.
Assim, “a contribuição da China é concreta e melhora as vidas dos africanos, nós não aceitamos o rótulo irrazoável de uma ‘armadilha da dívida’”, disse Qin Gang, que na altura estava a realizar uma visita a vários países africanos.
“A solução para o problema requer lidar não apenas com os sintomas, mas também com as causas subjacentes através do tratamento da dívida, entre outros, para melhorar a capacidade de desenvolvimento independente e sustentável de África”, disse o governante, de acordo com uma nota dos serviços de imprensa das autoridades chinesas.
Os comentários de Qin Gang foram encarados como uma resposta às autoridades norte-americanas, que repetidamente criticam a China não só pelo volume e condições dos empréstimos feitos aos governos e às empresas públicas africanas, mas também pela falta de transparência dos acordos financeiros.
A China representa cerca de 12% da dívida externa dos governos africanos, à volta de 700 mil milhões de dólares (perto de 650 mil milhões de euros), com a Zâmbia e o Gana, ambos em incumprimento financeiro das suas obrigações para com os credores externos, a estarem entre os maiores devedores ao gigante asiático.
Citando números do Banco Mundial, Qin Gang salientou que os bancos multilaterais representam três quartos da dívida externa e acrescentou que deviam ter um papel maior na resolução do problema da dívida, cujos custos aumentarão 50% até 2026 face aos níveis de 2019, de acordo com o centro de pesquisa ‘Finance for Development Lab’.
Em entrevista à agência Lusa, no dia em que Angola e China celebraram 40 anos de relações diplomáticas, o presidente da Câmara de Comércio Angola-China (CAC), Luís Cupenala, considerou que as relações entre os dois países foram estabelecidas para o benefício mútuo e têm sido consistente.
Luís Cupenala descreveu 2022 como um “bom ano” em termos das parcerias comerciais, com as trocas entre os dois países a atingirem cerca de 23 mil milhões de dólares (cerca de 21,3 mil milhões de euros) até Outubro, enquanto o fluxo do investimento privado chinês mais do que duplicou entre 2020 e 2022, passando dos 125 milhões de dólares (115 milhões de euros) em 2020 para 295 milhões de dólares (273 milhões de euros) no ano passado.
O stock de investimento situou-se nos 24 mil milhões de dólares (22,2 mil milhões de euros), incluindo o sector petrolífero.
Luís Cupenala desvalorizou, por outro lado, o elevado peso da dívida de Angola para com a China, lembrando o apoio financeiro que este país deu, no final da guerra, para a reconstrução nacional.
“É uma dívida que existe e quem deve, deve pagar. Angola está a servir a dívida, não vemos qual o problema que pode trazer para Angola, a não ser que haja um ‘default’”, referiu.
Construção, imobiliário, agricultura e agro-indústria, indústria extractiva, fabrico de equipamentos eléctricos, telecomunicações e saúde são algumas das áreas dominantes do investimento chinês em Angola.
ANGOLA É QUEM MAIS DEVE À CHINA
A dívida de África é uma “prioridade global”, alerta a Chatham House, informando que Angola é o país africano que recebeu mais empréstimos da China nos últimos 20 anos: mais de 42 mil milhões de dólares.
De acordo com os dados do Instituto Real de Assuntos Internacionais do Reino Unido (Chatham House), os países africanos devem 696 mil milhões de dólares, cerca de 651 mil milhões de euros, uma subida de cinco vezes face ao início do milénio, com 12% desse valor a ser devido a credores chineses.
O estudo analisa sete países em detalhe, incluindo Angola, que é apontado como o país africano que recebeu mais empréstimos da China nos últimos 20 anos (mais de 42 mil milhões de dólares).
A Chatham House salienta que o rácio da dívida dos países africanos analisados sobre o Produto Interno Bruto tem melhorado, essencialmente devido ao crescimento da economia, melhorando de 130% em 2020 para 86,4% em 2021, e caindo novamente para 56,6% em 2022, mas o custo do serviço da dívida terá sido de perto de 13 mil milhões de dólares (12,1 mil milhões de euros) em 2022, dos quais 38% referem-se a dívida externa.
Angola, aliás, deve mais à China do que os três países seguintes, ultrapassando a soma dos 13,7 mil milhões de dólares da Etiópia, 9,8 mil milhões da Zâmbia e 9,2 mil milhões do Quénia, de acordo com a Chatham House.
“O pagamento, alívio e cancelamento da dívida continua a ser uma prioridade para o governo do Presidente João Lourenço no segundo mandato, que começou em Setembro de 2022, tal como diversificar as parcerias externas para além da sobredependência da China”, lê-se num estudo da Chatham House, que aponta que a dívida dos países africanos deve ser encarada como “uma prioridade global”.
A China tem sido o maior credor dos países africanos nas últimas décadas, ultrapassando os Estados Unidos da América, a União Europeia e o Japão, mas os investigadores da Chatham House salientam que “longe de ser uma estratégia sofisticada para se apropriarem de activos africanos, os empréstimos da China, numa fase inicial, podem ter criado uma armadilha da dívida para a China, que se enredou profundamente com os parceiros africanos, cada vez mais maturos e assertivos”.
De acordo com os critérios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), 22 dos 54 países africanos estão em sobreendividamento, incluindo todos os países lusófonos.
A análise da Chatham House mostra também que a China está a mudar a interacção com os países africanos, tendo colocado um forte travão aos desembolsos, que passaram de 28,4 mil milhões de dólares em 2016, para 8,2 mil milhões em 2019 e apenas 1,9 mil milhões de dólares em 2020, durante a pandemia.
A crise da dívida que afecta os países africanos tem motivado um intenso debate entre os académicos, bancos multilaterais, analistas e investidores, com vários observadores a defenderem que o nível actual do rácio da dívida face ao PIB, entre os 60 e os 70%, é insustentável tendo em conta a subida das taxas de juros pelos bancos centrais ocidentais e o aumento da inflação nomeadamente nos bens alimentares e energéticos, que se junta ao elevado preço que os investidores cobram para emprestar dinheiro aos países africanos, percepcionados como mais arriscados em termos de credibilidade dos pagamentos.
A ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, diz que as relações com a China são “muito positivas” há mais de 20 anos e que o país vai continuar a apostar diariamente nesta cooperação e amizade entre os dois Estados.
Para Vera Daves, as relações entre Angola e a China, são mutuamente reconhecidas como muito positivas há mais de duas décadas, num clima de amizade e cooperação estratégica em várias áreas, com destaque para as relações comerciais, financeiras e económicas, nas quais Angola continuará a apostar diariamente dentro do espírito de cooperação e amizade existentes entre as duas nações.
A história repete-se. O Governo angolano estendeu a mão (e as riquezas qua ainda são nacionais) à China para pedir assistência técnica na elaboração de projectos sustentáveis e assim poder candidatar-se aos financiamentos, quer do Governo, quer dos potenciais investidores chineses interessados no desenvolvimento de Angola.
Uma das solicitações foi feita pela secretária de Estado para as Relações Exteriores angolana, Esmeralda Mendonça, na abertura de um Fórum de Negócios Angola-China no domínio da Agricultura e Pescas.
Esmeralda Mendonça frisou que as potencialidades industriais, agrícolas e tecnológicas fazem da China um dos maiores parceiros estratégicos do continente africano, cujas economias necessitam, e uma alavanca para o desenvolvimento cada vez mais sustentável.
Segundo Esmeralda Mendonça, a China tem sabido responder satisfatoriamente aos anseios dos governos dos países africanos, em troca de uma cooperação mutuamente vantajosa, cujos efeitos têm vindo a reflectir-se no seio das suas populações (no caso de Angola só são 20 milhões de pobres). Por outras palavras, os africanos entram com as riquezas e os chineses com a experiência. No fim, os africanos ficam com a experiência e os chineses com as riquezas. Fácil!
“No nosso caso em particular, esta relação está alicerçada na parceria estratégica estabelecida através da assinatura de instrumentos jurídicos”, referiu a governante angolana, sublinhando que os projectos apresentados irão contribuir de forma significativa para o êxito das estratégias traçadas pelo Governo angolano, no âmbito da diversificação da sua economia e aumentar o tecido empresarial do sector mais importante para o desenvolvimento da sociedade angolana.
Angola pode ser forçada a uma reestruturação da dívida, dado que as reservas em moeda estrangeira do país diminuem dramaticamente.
A China está relutante em amortizar os empréstimos a Angola, mas percebe que as suas opções estão a diminuir, diz Mark Bohlund, analista sénior de investigação da Redd Intelligence em Londres. “Deixar para depois aumentará o tamanho do corte de cabelo” que a China terá de fazer, diz ele.
Há poucos sinais de que o presidente João Lourenço será capaz de colocar as finanças do país em bases sustentáveis. O petróleo é que irá decidir, desde logo porque a diversificação da economia angolana longe da dependência do petróleo será um processo a longo prazo… e talvez até inexequível.
Após o fim da longa guerra civil do país em 2002, a relutância dos angolanos em aceitar as condições associadas ao financiamento ocidental levou ao afluxo de empréstimos chineses. Foi um salto da frigideira para o fogo, com o país obrigado a vender mais petróleo, o seu principal activo, quando o preço estava a cair.
O governo do MPLA consegue linhas de crédito chinesas apoiadas por garantias petrolíferas para financiar investimentos. Isso não significa que Angola tenha dinheiro nas mãos: os recursos são usados para empresas públicas chinesas no desenvolvimento de projectos de infra-estrutura e industriais.
Angola nem sequer beneficia em termos de emprego, já que as construtoras chinesas constroem projectos de infra-estrutura principalmente com seus próprios empregados.
Folha 8 com Lusa