O Tribunal de Recurso de Inglaterra e País de Gales admitiu um recurso sobre a imunidade concedida ao Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, no julgamento do caso das “dívidas ocultas” na justiça britânica.
Numa decisão emitida na sexta-feira, a juíza Elizabeth Laing aceitou um recurso sobre a decisão do Tribunal Superior [High Court] de Londres de 4 de Setembro, que dava ao chefe de Estado moçambicano imunidade diplomática dos procedimentos judiciais em curso.
A decisão acontece dias antes do início, na segunda-feira, no Tribunal Comercial de Londres, do julgamento, o qual está previsto prolongar-se por 12 semanas.
“Se o julgamento deve ou não ser adiado deve, portanto, depender do facto de qualquer parte solicitar e, obviamente, da opinião ponderada do juiz sobre se tal adiamento deve ser concedido. Esta questão cabe-lhe a ele”, referiu a juíza na decisão.
A Privinvest alega que o Presidente moçambicano esteve directamente envolvido no caso das dívidas de Moçambique que o país quer ver anuladas pela justiça britânica.
Segundo o grupo libanês, Filipe Nyusi reuniu-se directamente com representantes da Privinvest, esteve directamente envolvido (quando era ministro da Defesa) na preparação dos projectos em causa e solicitou à Privinvest contribuições para a campanha eleitoral dele e da Frelimo (partido que está no Poder desde a independência).
A Privinvest argumenta que, se o Tribunal Comercial decidir que a Privinvest efectuou pagamentos ilegais a funcionários moçambicanos, as contribuições para benefício do Presidente moçambicano também foram ilegais e o Presidente é responsável.
Na segunda-feira está previsto o início do julgamento no Tribunal Comercial, parte do Tribunal Superior de Londres (equivalente a um Supremo Tribunal de Justiça) do caso iniciado pela Procuradoria-Geral da República de Moçambique contra o banco Credit Suisse, três antigos empregados e várias empresas do grupo Privinvest.
A República Moçambicana alega que as garantias dadas para os empréstimos bancários para a compra de navios de segurança marítima, barcos de pesca de atum e outro equipamento não devem ser consideradas válidas porque terão sido obtidas através da corrupção de altos funcionários do Estado.
Os empréstimos foram avalizados secretamente pelo então ministro das Finanças, Manuel Chang, quando Armando Guebuza ainda era chefe de Estado, sem conhecimento do Parlamento.
O caso, descoberto em 2016 e que ficou conhecido por “dívidas ocultas”, envolve contratos e empréstimos superiores a dois mil milhões de dólares (1,9 mil milhões de euros) junto dos bancos Credit Suisse e VTB entre 2013 e 2014.
O escândalo levou à suspensão de apoios internacionais, incluindo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que só retomou a ajuda financeira ao país anos mais tarde.
Moçambique quer anular dívidas de milhões de dólares ao Credit Suisse, entretanto comprado pelo UBS, bem como obter compensação financeira pelos danos macrofinanceiros causados.
Como réus do processo estão também o antigo presidente da República, Armando Guebuza, o filho mais velho, Armando Ndambi Guebuza, o antigo ministro das Finanças moçambicano, Manuel Chang, e o antigo director dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, entre outros.
Várias notícias avançaram esta semana que está a ser negociado um acordo extrajudicial para Moçambique deixar cair o caso contra o Credit Suisse que poderá envolver o perdão de cerca de 100 milhões de dólares (95 milhões de euros).
Em Julho passado, a coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, coligação de organizações não-governamentais (ONG), considerou que o julgamento do antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, nos EUA poderá produzir informação crucial sobre as dívidas ocultas.
No dia 13 de Julho, Manuel Chang compareceu pela primeira vez num tribunal em Nova Iorque, declarando-se inocente das acusações que pesam sobre ele no caso das dívidas não declaradas de Moçambique, depois de ter sido extraditado para a jurisdição norte-americana pelas autoridades da África do Sul.
Em declarações hoje à Lusa em Maputo, Fátima Mimbire, coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, defendeu que o julgamento do antigo ministro das Finanças em Nova Iorque poderá permitir a revelação de “informação crucial” sobre os contornos das dívidas ocultas, assinalando que a justiça norte-americana é mais transparente do que a moçambicana, que também pretende julgar Manuel Chang.
“Muita informação que é crucial para entendermos o que aconteceu no processo das dívidas ocultas vai sair, sem dúvida alguma”, enfatizou Fátima Mimbire.
“Nós estamos na expectativa de que uma vez iniciado o julgamento [nos EUA], Manuel Chang possa trazer os detalhes que nos vão permitir fechar o círculo do entendimento do que é que realmente aconteceu”, acrescentou.
Assinalou que espera aceder a dados como os que sobressaíram com o julgamento de Jean Boustani, o negociador do grupo Privinvest, a empresa de Abu Dabi que forneceu barcos e equipamentos de protecção costeira considerados pela justiça moçambicana e norte-americano como fachada para esconder os subornos financiados pelo dinheiro das dívidas ocultas.
Apesar de ter sido absolvido em Nova Iorque, o julgamento de Jean Boustani permitiu que fossem revelados pagamentos à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, e a figuras ligadas ao Estado moçambicano, que antes não tinham sido mencionados em nenhuma investigação relacionada com o caso das dívidas ocultas, recordou Fátima Mimbire.
Por outro lado, o julgamento do processo principal das dívidas ocultas realizado em Maputo apenas desvendou uma parte dos contornos do caso, havendo ainda zonas de penumbra, salientou Fátima Mimbire.
“O julgamento da tenda da BO [em Maputo] não permitiu conhecer de forma completa o que é que efectivamente aconteceu, quem é que deu as autorizações” para contrair as dívidas ocultas, porque “o julgamento que houve em Moçambique trouxe uma parte do problema, mas a principal parte do problema é esta que vai ser trazida por Manuel Chang”, frisou.
Para a coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano de Moçambique, as audições de Chang em Nova Iorque também vão fornecer elementos à justiça moçambicana para fortalecer a acção contra o antigo ministro das Finanças, dado que é também alvo de um processo autónomo no seu país.
“Esperamos que a Procuradoria-Geral da República faça uso da mesma, para reforçar a sua acusação”, destacou, notando, contudo, que em Moçambique “reina um sistema de impunidade, que permite acusações frágeis para favorecer penas brandas e recursos infindáveis”.
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos sectores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Folha 8 com Lusa
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