Várias centenas de pessoas manifestaram-se hoje em duas cidades do Níger, agitando bandeiras russas e entoando slogans antifranceses, em apoio aos golpistas militares que derrubaram na quarta-feira o Presidente Mohamed Bazoum.
Uma manifestação de apoio aos golpistas reuniu várias centenas de pessoas na manhã de hoje na capital, Niamey, perto da Assembleia Nacional. Numa multidão salpicada de bandeiras russas, os jovens gritavam: “Abaixo a França, viva a Rússia!”
“A França não foi capaz de gerir os nossos problemas, temos de tomar o nosso destino nas nossas próprias mãos”, afirmou Issouf, proprietário de uma garagem.
A Rússia aproximou-se do Mali e do Burkina Faso, que são dirigidos por militares e que exigiram a partida das tropas francesas, ainda presentes no Níger, com 1.500 homens.
À margem da manifestação, os jovens dirigiram-se à sede do Parti Nigérien pour la Démocratie et le Socialisme (PNDS), no poder, a poucos quilómetros do comício, onde incendiaram carros estacionados no parque de estacionamento.
Em Dosso, uma cidade a cerca de 100 quilómetros a sudeste de Niamey, “centenas” de manifestantes pró-golpe saíram às ruas antes de realizar uma reunião, disse um dos organizadores, Hassane Bagué.
Os parceiros do Níger, incluindo os Estados Unidos, a França e a ONU, condenaram o golpe de Estado que derrubou o Presidente democraticamente eleito Mohamed Bazoum, no poder desde 2021.
Mohamed Bazoum continuava hoje refém com a sua família na sua residência oficial em Niamey, mas está de boa saúde, de acordo com as pessoas que lhe são próximas.
Curiosamente, a Rússia, que acolhe actualmente a segunda cimeira Rússia-África, apelou à sua “rápida libertação”, pedindo a ambas as partes que “se abstenham do uso da força e resolvam todas as questões controversas através de um diálogo pacífico e construtivo”.
Entretanto, o presidente do Grupode mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, reuniu-se durante a cimeira Rússia-África, em São Petersburgo, com representantes do Níger, segundo revelou o jornal online Fontanka.ru.
Os meios de comunicação social próximos dos mercenários do Grupo Wagner referem que os membros das delegações africanas sublinharam a grande eficácia dos mercenários russos. Recentemente, Prigozhin garantiu na nova base do Wagner na Bielorrússia que os mercenários regressarão em breve ao seu espaço natural, África, embora não tenha excluído um futuro regresso à linha da frente na Ucrânia.
As operações humanitárias da ONU no Níger foram “suspensas” devido ao golpe de Estado, quando o país já enfrenta uma situação humanitária “complexa”, anunciou hoje o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.
O Gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) “anunciou-nos que as operações humanitárias estão suspensas por enquanto, devido à situação”, disse o porta-voz no encontro diário com a imprensa.
De acordo com o OCHA, o número de pessoas que necessitam de assistência humanitária no Níger aumentou de 1,9 milhões, em 2017, para 4,3 milhões, este ano.
“Apesar de uma campanha agrícola relativamente bem-sucedida em 2022 e dos enormes esforços do Governo e dos seus parceiros para responder à crise alimentar, 2,5 milhões de pessoas são vítimas de grave insegurança alimentar”, detalhou o OCHA.
Aquele departamento da ONU prevê que o número aumente para 3 milhões durante a época de escassez (Junho a Agosto) antes da próxima colheita.
Fazendo fronteira com a Argélia e a Líbia, a Norte, e com o Mali, a Oeste, e o Chade, a Este, para além do Burkina Faso, o Benim e a Nigéria, a Sul, o país está no centro da região do Sahel.
A comunidade internacional, incluindo o secretário-geral das Nações Unidas, a antiga potência colonial, a França, e a Organização da Francofoconia, para além da União Europeia, União Africana e dos Estados Unidos, condenaram o golpe e exigiram a libertação do Presidente.
O Níger tem servido de base para as operações francesas na região, depois da saída da força Barkhane do Mali, na sequência do aumento da presença dos mercenários do Grupo russo Wagner, e perante a condenação internacional da preferência maliana pela ajuda russa em vez da ocidental.
A França tem agora 1.500 soldados no país, para além de cinco drones Reaper e pelo menos três caças Mirage, segundo a agência francesa de notícias, a France-Presse (AFP), que dá conta da importância da manutenção da estabilidade neste país para a região do Sahel, uma extensa faixa de território em África que se estende desde o Senegal até à Eritreia.
Tendo ganho a independência da França em 1960, este país desértico no coração do Sahel tem uma população de cerca de 26 milhões de habitantes, com mais de metade a viver em situação de pobreza, ou seja, com menos de 2,15 dólares por dia, de acordo com o Banco Mundial, que já expressou preocupação com a evolução da situação.
Com 6,8 filhos por mulher em 2021, o país detém o recorde mundial de fertilidade, e quase meio milhão de crianças com menos de cinco anos têm graves problemas de desnutrição, mais do que no Mali ou no Burkina Faso.
O país enfrenta um forte fluxo de refugiados que fogem dos conflitos na Nigéria e no Mali, com a ONU a estimar que existam de mais de 255 mil refugiados até ao ano passado.
Desde os anos 60, o país já enfrentou quatro golpes de Estado, o último dos quais em Fevereiro de 2010, derrubando o então Presidente Mamadou Tandjaplus, mas as tentativas são frequentes, para além das rebeliões tuaregues, a última das quais durou entre 2007 e 2009.
Em Abril de 2021, o Níger viveu a sua primeira transição democrática entre dois presidentes eleitos, mas o actual chefe de Estado tomou posse em plena crise, dois dias depois de mais uma alegada tentativa de golpe de Estado.
Para além da instabilidade política, que diminuiu consideravelmente desde 2021, o país enfrenta também ataques extremistas de origem islâmica dos grupos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico no Sahel, a oeste, e ao Boko Haram e ao Estado Islâmico na África Ocidental (Iswap), no sudeste.
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