José Eduardo dos Santos foi o “escolhido de Deus”, se bem que muitos ainda pensem que ele próprio era o deus. E foi ele, numa dessas duas qualidades, quem escolheu João Lourenço para o substituir e que, imediatamente, o apunhalou pelas costas (a prova provada que “deus” também se engana). Passamos assim a ter uma simbiose de Kim Jong-un e Teodoro Obiang.
Por Orlando Castro
Assegurada que estava (que estará sempre) a esmagadora vitória do MPLA nas eleições, o Folha 8 mantém firme a sua campanha mundial para que João Lourenço seja a figura de todos os anos em que estiver no Poder. É aliás, dizem-nos, uma forma eficaz de evitar incêndios (ou outros acidentes) como o que agora nos arrasou as instalações.
Para um regime que tem nas suas estruturas militares o pelouro da Educação Patriótica das Forças Armadas Angolanas, não está nada mal passar o general João Lourenço a ser o “escolhido” de todos os angolanos, garantindo-lhe que tem o apoio de pelo menos 20 milhões deles, tantos são os nossos pobres.
Quanto a João Lourenço, estamos já a escrever a sua história, recordando desde logo que ele é “o líder de um ambicioso programa de Reconstrução Nacional”, que a “sua acção conduziu à destruição do regime de “apartheid”, que teve “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, que “a sua influência na região do Golfo da Guiné permitiu equilíbrios políticos, tal como permitiu avanços significativos na crise de Madagáscar”.
Recorde-se que “Angola já foi um país ocupado por forças estrangeiras” e que, “se por hipótese hoje Angola fosse a Líbia, o país estava novamente a atravessar um período de grande instabilidade e perturbação. Mas como o tempo não recua, Luanda é uma cidade livre”. Tudo graças a… João Lourenço.
Como Angola não é a Líbia, embora João Lourenço seja uma cópia de Muammar Kadafi, de quem aliás era amigo, ainda falta algum tempo até que o Povo derrote o ditador.
“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus” e também ao anterior “escolhido do deus”) estava a ser cercada militarmente e bombardeada por uma aliança militar e submetida a todos os outros membros dessa organização bélica, que tinham escolhido para presidente de um qualquer CNT um “rapper” com nome de oxigénio, devidamente ajudado por outro com apelido de marechal”, repetirá um dia destes o JL (Jornal de Lourenço, ex-Jornal de Angola) do alto da sua cátedra de correia de transmissão de um regime que colocou o país no topo, e lá continuará, dos mais corruptos do mundo.
Mas é bom registar e relembrar e antever as afirmações de João Lourenço. Desde logo porque, como sempre acontece nas ditaduras, ainda vamos ver os mesmos protagonistas embandeirar em arco quando (como aconteceu com Eduardo dos Santos) João Lourenço passar de bestial a besta.
“Se Angola fosse a Líbia (e não é graças aos “queridos líderes”), a esta hora as grandes petrolíferas estrangeiras estavam a roubar milhões de barris de petróleo por dia de Angola, antes que a resistência dos angolanos os impedisse de continuar o roubo. E os aviões da aliança, com a carta-branca da Organização das Nações Unidas, estavam a despejar bombas sobre as nossas cidades, para proteger os civis do CNT”.
Há 48 anos que o MPLA rouba milhões de barris de petróleo por dia ao povo.
“Se Angola fosse a Líbia, não havia partidos políticos nem liberdade de imprensa e muito menos eleições democráticas. A bela Constituição da República de Angola era rasgada na Praça da Independência, donde já tinham tirado o monumento a Agostinho Neto, aos gritos e com raiva para as câmaras de televisão mundiais repetirem de hora a hora de maneira interminável”, escreveu uma coisa que o MPLA tem e a que diz ser um… jornal..
Falar de democracia num país que têm 70 por cento de gente a viver na miséria, e que trata os jornalistas não afectos ao regime como inimigos, é o mesmo que dizer que os rios nascem no mar. No entanto, se João Lourenço assim quiser, um dia isso vai acontecer.
Importa dizer, desde logo porque nem todas fomos comprados pelo regime, que os acessórios propagandísticos do MPLA, pagos com o dinheiro roubado ao Povo (TPA, RNA, Angop, Jornal de Angola etc.) não tem jornalistas ao seu serviço. Têm, apenas isso, funcionários do partido que escrevem o que lhes mandam e que, em muitos casos, não assinam os textos porque ficaria mal em vez do nome colocar a impressão digital.
“Se Angola fosse a Líbia, estávamos de novo a sofrer as investidas militares de regimes estrangeiros aliados a uma frente de oportunistas e intriguistas que procuram ignorar quem combateu e deu tudo pela concórdia e harmonia entre os angolanos”, afirmarão os sipaios.
Por regra, esses sipaios sentem um orgasmo especial em atacar os poucos jornalistas que não foram comprados pelo regime do seu patrão.
Têm, obviamente, todo o direito de o fazer. Para os pasquins do MPLA, também “os órgãos de comunicação social portugueses, salvo raras excepções, em vez de reflectirem a realidade portuguesa e europeia, andam entretidos a intrometer-se na política angolana”. Pois é, mas até esses arrepiaram caminho em direcção aos dólares da Sonangol, recordará João Lourenço citando o exemplo de Paulo Catarro e até de outros que lhe seguiram o exemplo.
Ficaram assim a saber os jornalistas portugueses que podem falar de quem quiserem, mas que, pelo contrário, não devem ousar escrever sobre o mais lídimo e sublime representante de Deus na terra, de seu nome João Lourenço.
Bem dizia o MPLA, reflectindo aliás a velha cartilha dos tempos (mesmo hoje a diferença é pouca) do partido único, que “os mentores desses exercícios de colonialismo retardado têm a mesma origem de sempre mas deixam de fora o rabo de quem lhes paga os disparates sem sentido.”
Neste aspecto, reconhecemos, o MPLA tem toda a razão. Quanto ao rabo, é verdade que no caso do Jornal de Angola, tal não se aplica… embora ainda se notem as marcas.
Há tempos dizia o órgão oficial do MPLA: “Se um jornal angolano escrevesse um editorial a sugerir que o presidente Cavaco Silva não se candidatasse ao segundo mandato porque foi dez anos Primeiro-Ministro e fez mais cinco na Presidência, o alarido em Lisboa era tal que até a Ponte 25 de Abril vinha abaixo, como já caiu fragorosamente a revolução dos capitães”.
Brilhante. Esquece-se o MPLA que, ao contrário do reino do seu presidente, Cavaco Silva – seja como primeiro-ministro ou presidente – sempre foi nominalmente eleito. Sabemos que a democracia “made in MPLA” não implica, antes pelo contrário, que seja necessário haver eleições. Aliás, não faria sentido eleger quem é o “escolhido de Deus”.
“Se em Angola algum órgão de informação ousasse escrever que Alberto João Jardim não deve concorrer a um novo mandato de presidente do Governo Regional da Madeira, o alarido em Lisboa era tal que o edifício da Caixa Geral de Depósitos ruía, como está em ruínas o sistema financeiro europeu e a Zona Euro ameaça derrocada”, dizia e muito bem o boletim oficial do regime.
Esquece-se, mais uma vez, que também Alberto João Jardim foi eleito, ao contrário de todos os sumo pontífices do MPLA, que está no poder há 48 anos, sem nunca terem sido nominalmente eleitos.
Recorde-se que: «O Presidente João Lourenço não governa. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos; que foi o líder militar que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado. João Lourenço só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos»
Cá para nós, pensamos que o MPLA bem poderia ser menos modesto. É que foi graças a João Lourenço que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar…
Acrescentamos que “os media portugueses pelo menos deviam reconhecer o que João Lourenço tem feito para que os portugueses não vão ao fundo com a crise. Eles mais do que ninguém deviam propor o seu nome para Prémio Nobel da Paz”…