KINGUILAS REFORÇAM EQUIPA DOS POBRES

Sem dólares, sem euros e, praticamente, sem clientes devido à escassez de divisas, as “kinguilas” em Luanda, como são conhecidos os negociantes de dinheiro no mercado informal angolano, estão a viver “dias difíceis” para suportar as despesas domésticas. Tudo leva a crer que o “exército” de pobres (20 milhões) está a ter novos “recrutas”.

Contam que a escassez de divisas no mercado fez disparar a procura do dólar, cuja nota de 100 dólares (92 euros) está actualmente a ser comprada entre 70.000 kwanzas (94,5 euros) e 72.000 kwanzas (97,2 euros) e vendida entre 75.000 kwanzas (101 euros) e 76.000 kwanzas, acima do câmbio oficial.

“O negócio está difícil, porque anteriormente o dólar estava num preço acessível, mas agora o dólar está difícil, já não aparece com facilidade”, diz António da Silva, um “kinguila” de 45 anos.

Há 28 anos na actividade, no Mercado dos Kwanzas, município do Cazenga, em Luanda, o operador deste mercado informal referiu que o kwanza está a aparecer em grande quantidade, mas bastante desvalorizado ante as “raras” divisas.

“Neste momento está a aparecer kwanza, mas o dólar está mesmo difícil, estamos nessa situação já há quase um mês, porque há tempos estávamos a pagar [pela nota de 100 dólares] 50.000 kwanzas (67,5 euros), mas durante o tempo o dólar disparou”, realçou.

Sem argumentos para justificar a subida do dólar e a queda do kwanza, António da Silva lamentou ainda a ausência de clientes e, por isso, do rendimento para suportar as despesas com a família.

“Desde manhã estou aqui e ainda não consegui nenhum dólar e é meio complicado, não tenho como sustentar a família, até agora não consigo perceber porque é que está a disparar assim o dólar, que está mesmo difícil”, notou.

Pedro Kiabanza, “kinguila” há 23 anos no conhecido Mercado dos Kwanzas, também relatou dificuldades diárias em consequência da escassez de divisas, dando conta que o recurso à venda de cartões de recarga telefónica tem sido o escape para obter algum dinheiro.

“Todos nós só temos kwanzas, vendemos recarga [telefónica] e a vida está mais difícil de cada vez, desde manhã nem um dólar, nem euro, não estamos a trocar”, referiu.

“Não estamos a entender o que se passa, porque antes nós trocávamos dinheiro para quem viajava, agora neste preciso momento, também como as viagens estão difíceis, tudo também se tornou difícil”, acrescentou.

Este “kinguila” de 53 anos confirmou também o aumento da procura de divisas, tendo-se mostrando “impotente” para responder à demanda e lamentando à depreciação do kwanza.

O kwanza, “perdendo valor é a deterioração do país, porque pesa mais no bolso dos cidadãos”, assinalou, comentando que a vida “está ainda mais difícil” para sustentar e educar os sete filhos.

Actualmente, segundo Lubusakiba Sebastião, há 23 anos na actividade, o preço da compra e venda de divisas no mercado informal é ditado pela pessoa que detém o valor.

“Para quem tem [divisas] vai dar o preço agora, está a se procurar mais o dólar em relação ao kwanza, quando tem muito kwanza no mercado o dólar tem sempre tendência de subir”, observou.

“O nosso recurso agora é só mesmo vender saldo [recargas telefónicas], porque há ocasiões que podes ficar três dias sem [comprar ou vender] nenhuma nota e a solução é mesmo também vender ‘chip’ [cartão SIM]”, disse.

Gomes Paulo também relatou as dificuldades por que passam actualmente os “kinguilas”, perante a escassez de divisas, referindo que o cenário actual já se arrasta desde o início de Maio e a “cada dia, a nota [de 100 dólares] está a subir”.

O Banco Fomento Angola (BFA) considerou na segunda-feira que o kwanza vai valorizar a médio prazo, apesar da queda de quase 10% face ao dólar na semana passada, acumulando perdas de 23,75% desde o início do ano.

“A passada semana foi marcada pela contínua depreciação do kwanza face ao dólar e face ao euro”, escrevem os analistas do BFA no comentário semanal à evolução do mercado, apontando para as quedas de 9,87% face ao dólar e de 9,95% face ao euro.

Alguns economistas apontam a redução da quota de oferta de divisas no mercado por parte do Tesouro angolano, nos primeiros cinco meses de 2023, para atender ao serviço da dívida como um dos factores para a depreciação do kwanza.

Dólares? Nem nas Kinguilas!

Vejamos o que, sobre o mesmo tema, o Folha 8 escreveu em 24 de Janeiro de 2015, sob o título “Dólares? Nem nas Kinguilas!”:

«De notas entre os dedos, a chamar clientes, passam os dias sentadas na rua aguardando por dólares para trocar, mas nunca a vida das kinguilas de Luanda esteve tão difícil, sem divisas para alimentar o mercado informal e um negócio que cria famílias inteiras.

”Muita, muita, muita procura. E não conseguimos satisfazer a vontade dos clientes”. O desabafo é de Ermelinda Evaristo, de 31 anos, uma das centenas de kinguilas tradicionais de Luanda.

Há 13 anos que fica sentada, juntamente com algumas colegas, pela zona de Alvalade, no centro de Luanda, mas agora só chegam clientes com kwanzas para comprar os dólares que os bancos não deixam levantar. “Sempre alimentei a minha família com este negócio. Agora são eles que me ajudam e quase não dá para o pão”, confessa Ermelinda.

A consecutiva quebra no preço do barril de petróleo no mercado internacional fez diminuir a entrada de divisas em Angola, desvalorizando fortemente a moeda nacional. Nos últimos dias, os bancos comerciais colocaram limitações aos levantamentos de divisas, de quantidades e nunca imediatos, aos balcões.

O resultado é que no mercado de rua, onde as kinguilas – que na língua nacional quimbundo significa ‘quem está à espera’ – transaccionam as divisas ao preço do momento, sem taxas ou outras perguntas, o valor não pára de subir.

Algo que para estas mulheres está longe de ser positivo. A kinguila Ermelinda, por exemplo, compra hoje 100 dólares por 12.000 kwanzas (cerca de 99 euros), quantidade que vende a seguir por 13.000 kwanzas (108 euros), muito acima da taxa de câmbio oficial (ronda os 10.300 kwanzas para a mesma quantidade).

Neste caso compraria, porque simplesmente são poucos os clientes que aparecem para vender, em contraste com os que repetidamente surgem a pedir dólares. Num “bom dia” consegue comprar 200 a 300 dólares. Clientes para depois vender não faltam e com uma margem de lucro maior. Há poucos meses chegava a transaccionar 5.000 dólares por dia, mas mesmo com margens muito mais reduzidas diz que estava melhor.

“Ganhámos pouco, mas habituámo-nos com o nosso pouco. Agora está alto e não conseguimos nada”, desabafa, por entre um sorriso que disfarça a preocupação de quem não percebe o que se passa. “As mulheres estão a desistir do negócio”, atira.

Noutro ponto da cidade de Luanda, próximo do Largo da Mutamba, a kinguila Marta Gaspar, de 44 anos, vive dias de aflição. Com 19 anos de rua, socorre-se da experiência para recordar que “quando há muito kwanza” a circular, o dólar “desaparece”. Algo que se sente “como nunca”, por estes dias.

“O negócio não está nada bom. Todo o mundo só quer comprar dólar e o dólar não aparece. Não consigo satisfazer a procura”, assegura, sem saber do “rasto” da nota norte-americana.

Marta até já subiu a “parada” e compra 100 dólares a 12.500 kwanzas (104 euros), para vender a mesma quantidade a 13.500 kwanzas (112,5 euros). E mesmo assim sem sucesso.

Por toda a capital angolana o sentimento de preocupação entre estas mulheres, e sobretudo a falta de negócio, é igual, mas o receio em dar a cara sobrepõe-se, face aos assaltos de que são alvo e à perseguição das autoridades, por concorrerem com as casas de câmbio e os bancos.

“Isto já serviu para sustentar a família antes, formámos filhos neste negócio, mas hoje estarmos aqui sentadas na rua é só para não faltar o pão. O resto já não tem nada. Às vezes nem 100 dólares conseguimos comprar durante um dia”, remata, desolada, Marta Gaspar.»

Folha 8 com Lusa

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