A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, diz que quer ouvir o Governo para esclarecimentos sobre “os últimos desenvolvimentos no sector da comunicação social angolana, marcados por um crescente cercear das liberdades por parte das autoridades do poder executivo do Estado”.
O grupo parlamentar da UNITA sublinha que a situação tem sido acompanhada “atentamente”, referindo-se ao último caso, o da TV Camunda News, canal digital na plataforma YouTube e demais redes sociais “que está às portas de deixar de produzir e emitir conteúdos de natureza informativa e política por um período indeterminado, na sequência de um novo interrogatório a que foi submetido o Sr. David Boio, proprietário do projecto”.
Segundo o grupo parlamentar da UNITA, citando notícias das redes sociais, há uma semana, David Boio foi, pela segunda vez, chamado ao Serviço de Investigação Criminal (SIC).
“A primeira vez ocorreu em Outubro de 2022. Antes mesmo desta notificação, efectivos do SIC já haviam realizado duas inusitadas ‘visitas’ às instalações da TV Camunda News, limitando-se a abordar, não David Boio, mas técnicos em serviço, sobre quem eram os ‘verdadeiros financiadores do projecto'”, sublinha numa nota o grupo parlamentar da UNITA.
Estas notícias, de acordo com a nota, “consolidam as preocupações e denúncias várias vezes apresentadas pelo grupo parlamentar da UNITA sobre o retrocesso do exercício da actividade jornalística em Angola, cujas liberdades de expressão, de informação e de imprensa estão amordaçadas pelo executivo, com perseguições, detenções e ameaças de morte a jornalistas, o confisco de meios de trabalho e o encerramento de órgãos de comunicação social privados”.
“Perante este quadro, o grupo parlamentar da UNITA vai solicitar uma audição parlamentar com carácter de urgência aos senhores ministros do Interior e da Comunicação Social, para obter esclarecimentos destes titulares, para que se ponha cobro às ameaças às liberdades dos profissionais da comunicação social angolana, um pilar fundamental do Estado democrático e de direito”, realça o documento.
O comunicado conclui com a manifestação de solidariedade do grupo parlamentar da UNITA “com todos os profissionais da Camunda News e demais órgãos de comunicação social”, reiterando “a sua disponibilidade, comprometimento e empenho para a dignificação da classe jornalística e o livre exercício da sua actividade nos marcos da Constituição e da lei”.
MPLA MANDA A UNITA IR À (MERDA)
R ecorde-se que a Assembleia Nacional do MPLA chumbou no passado da 12 de Janeiro (como esperado) um requerimento do grupo parlamentar da UNITA para um voto de protesto sobre actos praticados contra a classe jornalística “que se têm manifestado de diferentes formas”.
O documento, que solicitava a alteração da proposta da ordem do dia e obteve 110 votos contra e 84 votos a favor, referia que jornalistas têm sido vítimas de pressão antes, durante e depois das eleições. O que, aliás, é uma mentira. Como todos sabem, o MPLA é a seita que mais defende os jornalistas, sobretudo se eles estiverem… mortos.
“O pleito passado produziu um ambiente de medo, com ameaças, chantagens e coacção”, refere o documento, que cita os diferentes casos registados “contra a integridade física e moral, bem como assalto a residências de jornalistas, até à presente data não esclarecidos”.
O grupo parlamentar da UNITA questionou no documento “a quem interessa o clima de terror e medo em Angola?”. Mas afinal quem é o dono de Angola, perguntará certamente o MPLA na sua qualidade de único proprietário do país.
“A quem interessa intimidar e condicionar a classe de jornalistas? Por que os órgãos competentes do Estado não investigam com isenção, independência, rigor profissional e verdade para apurar responsabilidades? Porque é que o SIC [Serviço de Investigação Criminal], a PGR [Procuradoria-Geral da República] e os Serviços de Informação do Estado não cumprem cabalmente a sua missão?”, lê-se no requerimento.
Esquece-se a UNITA que não sendo o reino uma democracia e um Estado de Direito, todos os órgãos citados (aos quais se poderiam juntar a CNE, o Tribunal Constitucional, a ERCA etc. etc.) são filiais do MPLA. Esquecimento fatal.
De acordo com o documento, o grupo parlamentar da UNITA exigia do Presidente da República, que por acaso também é Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, general João Lourenço, um pronunciamento público de condenação, da Assembleia Nacional, através de um voto de protesto e do poder judicial uma postura de lealdade para com aquilo que Angola não é – um Estado democrático e de Direito, e a defesa de vida e a salvaguarda dos direitos de cidadania.
Para o grupo parlamentar da UNITA, o voto de protesto da Assembleia Nacional (outra sucursal do MPLA) é “oportuno, urgente e necessário, pois constitui uma mensagem clara e inequívoca à sociedade de que o Estado está unido na defesa de paz social e que a Assembleia Nacional enquanto órgão representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado, está solidária, tanto com os esforços do poder executivo em realizar a democracia e a justiça, como com o sentimento geral da sociedade de que não se conquista a justiça nem a paz social com o recurso à violência gratuita ou à subversão da democracia e do Estado de Direito”.
Em declarações à imprensa, a primeira vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Albertina Navita Ngolo, disse que a sua bancada estava a insistir neste voto de protesto desde o ano passado, ainda na sessão plenária anterior, quando foi rejeitada, por serem representantes do povo angolano.
“E entre o povo angolano há uma classe que se destaca e que até leva o trabalho do parlamento para todas as casas e pelo mundo e que passa por várias dificuldades, sobretudo de ameaça e coacção por causa da sua liberdade de expressão de apresentar o seu trabalho, e é muito grave”, disse.
Recorde-se que, em Dezembro, em declarações à Voz da América, em Washington, o presidente general João Lourenço disse que os então recentes assaltos à sede do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) tinham tido como objectivo desacreditar o seu Governo, tendo ainda manifestado apoio à manifestação dos jornalistas que decorreu no dia 17 de Dezembro, em Luanda.
Ora então, “é impensável que as autoridades cometessem a asneira de assaltarem a sede do sindicato”, considerou o general João Lourenço, acrescentando que “o que é preciso é que a polícia faça a devida investigação para se apurar quem são os responsáveis”.
“Os responsáveis desta acção condenável não pretendem outra coisa senão responsabilizar o Governo por isso”, afirmou o presidente, acrescentando que “nós temos sido os maiores defensores dos jornalistas, defendemos a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão”, dizendo mesmo que a manifestação era “bem-vinda”.
“É um direito que lhes cabe e devem, sim senhor, manifestar-se para se fazer sentir a necessidade de o Estado assumir a sua responsabilidade de investigar isso”, disse à VOA.
“Isso deve estar já a ser feito e acredito que as polícias estão a trabalhar no assunto”, acrescentou o presidente angolano. “A manifestação que saia e que se condene quem tem que se condenar mesmo sem se saber ainda quem são os responsáveis”, disse João Lourenço.
Neste contexto, a presidente da Comissão da Carteira e Ética, Luísa Rogério, disse que a “censura explícita” faz com que em Angola (um país que é mais um reino, um reino que é mais uma propriedade privada e unipessoal do presidente do MPLA) o que a comunicação Social apresenta “não pareça muito real”.
Escreveu a DW África que, depois da crescente abertura vivida pelos órgãos de comunicação angolanos a partir de 2017, com o fim da chamada “era José Eduardo dos Santos”, a liberdade de imprensa em Angola tende “a piorar a um ritmo crescente e preocupante”.
Quem o disse foi Luísa Rogério, em entrevista à DW África, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
“Em 2017/2018 ficámos todos muito encantados porque os media passaram a publicar assuntos que até ao momento eram tabus. Se virmos bem, todas estas questões têm a ver com a governação passada, com a gestão decorrente do presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder até 2017. Mas quando os assuntos, quando os grandes dossiês ligados à governação presente passaram a ser abordados, aí é que vimos que afinal havia um retrocesso”, começou por explicar.
Mais uma vez o Folha 8 teve razão… antes do tempo. Fomos dos poucos jornais que, logo em 2017, questionamos a “validade científica” do MPLA que, perante o mundo, garantia que – com João Lourenço – os novos filhos dos jacarés eram vegetarianos ou até mesmo veganos.
Para a jornalista Luísa Rogério, não tem havido uma evolução: “Não há um programa e nem sequer existem políticas públicas exequíveis. O próprio Estado não faz nenhum incentivo com vista a estimular a comunicação social privada. Portanto, há um défice acentuado de liberdade de imprensa que se manifesta por via da redução do pluralismo. Os maiores órgãos são controlados pelo Estado. E nós sabemos que isso acontece, que a nomeação dos PCA’s, dos conselhos de administração desses órgãos públicos, ainda é feita pelo titular do poder executivo”.
Casos de detenção e intimidação de jornalistas em Angola têm chamado a atenção de entidades internacionais como o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que, recentemente, pediu “liberdade” para a imprensa em Angola.
Segundo a presidente da Comissão da Carteira e Ética, a criminalização da actividade jornalística – prevista na legislação actual em casos de difamação e calúnia – continua a ser um dos grandes entraves ao exercício da profissão. Ou seja, o presidente do MPLA quer (e bem) que a nossa liberdade termine onde começa a dele. No entanto, não aceita que a liberdade dele termine onde começa a nossa. E, se calhar, até tem razão. É que as liberdades, sejam elas quais forem, são propriedade exclusiva do general João Lourenço.
“Os crimes de honra não deviam resultar na privação da liberdade. Há muito tempo que defendo e acredito que as penas podiam ser convertidas em multas”, frisava Luísa Rogério.
A jornalista falou também em “censura explícita” e autocensura que condicionam o retrato do país nos órgãos de comunicação social.
“Se virmos os nossos noticiários vamos ficar com a sensação que Angola é outro país. A Angola que a media apresenta, de modo geral, não parece muito real. Tudo quanto acontece no espaço público devia ter igual tratamento na media e não tem”, diz Luísa Rogério.
Importa, contudo, recordar que quando o Presidente da República afirma que não há fome em Angola, os fazedores de informação têm de reproduzir essa afirmação, mesmo sabendo que é mentira. Só mesmo os Jornalistas (que nada têm a ver com fazedores de informação nem o são só por terem carteira profissional) se atrevem a dizer – com todas as letras – que o Presidente mente. E é por isso que Angola tem fazedores de informação até dizer basta, mas tem poucos (cada vez menos) Jornalistas.
“A media privilegia principalmente as acções do governo, dos titulares de cargos públicos do partido governante. A sociedade civil, por exemplo, só é retratada com equidade quando tem alguma proximidade ou quando o assunto não belisca nenhum interesse superior. Isso acontece porque há um medo, um excesso de zelo nas redacções que acaba por condicionar o desempenho dos jornalistas o que, naturalmente, se repercute negativamente no serviço prestado”, lamenta Luísa Rogério. Não é o caso, acrescente-se também com todas as letras, da Redacção do Folha 8.
Em Angola não há Dia Mundial da Liberdade de Imprensa que nos valha. E não há porque aos jornalistas restam duas opções: serem domados e manter o emprego, ou o inverso. É claro que no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), vemos toda a espécie de gentalha (desde os que trocam jornalistas por fazedores de textos, aos políticos que lhes dão cobertura) dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão ou que, como hoje disse João Lourenço, estão solidários com os Jornalistas.
Com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, até vemos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.
Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os Jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa…
E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Folha 8 com Lusa