CAVIAR PARA A ELITE, FARELO PARA A PLEBE

«Japão financia projecto de energia no Lubango e Moçâmedes». «Chefe de Estado angolano destaca acordos com a Toyota». «Japão reconhece potencial económico de Angola». «Presidente perspectiva crescimento do investimento japonês em Angola». «Angola e Japão assinam acordo no domínio espacial». Estas manchetes da Agência de Notícias do MPLA (Angop) mostram que os japoneses abriram enormes torneiras para fornecer fiado ao Governo de João Lourenço.

Relembre-se que, adaptando a tese do MPLA de “vitória em vitória até à vitória final”, que a descoberta do Ovo de Colombo para pagar a dívida é ir de fiado em fiado até à falência final. E como se trata de um território muito rico (embora seja um país muito pobre), a farra continuará. Há 47 anos que a estratégia funciona. É aliás, simples: pedir fiado para pagar fiado e assim sucessivamente.

E digam lá que não é agradável, até mesmo para os nossos 20 milhões de pobres, ver que a comitiva de João Lourenço é recebida nos grandes areópagos internacionais com ementas do tipo: Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005…

Recorde-se que, em Julho de 2008, os líderes das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), curiosamente reunidos no Japão numa cimeira sobre a fome, causaram espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala.

Reunidos sob signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos – e consequente apelo à poupança -, bem como da escassez de comida nos países mais pobres, os chefes de Estado e de Governo não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado na altura, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.

Não faltou também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos. Nas refeições estiveram envolvidos 25 chefs japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns galardoados com as afamadas três estrelas do Guia Michelin.

Segundo a imprensa britânica, o “decoro” dos líderes do G8 – ou, no mínimo, dos anfitriões japoneses – impediu-os de convidar para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal.

Os jornais e as televisões inglesas estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização Britain Save the Children, citado por várias órgãos online, referiu que “é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia”.

Para Andrew Mitchell, do governo-sombra conservador, “é irracional que cada um destes líderes tenha dado a garantia de que vão ajudar os mais pobres e depois façam isto”.

A cimeira do G8, realizada no Japão, custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou quatro milhões de doentes com Sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para o evento, custou 30 milhões de euros.

No dia 30 de Março de 2021, a Comissão Económica do Conselho de Ministros de Angola aprovou dois documentos relativos à alimentação, um com o objectivo de minimizar os impactos da estiagem na produção agrícola e pecuária e outro sobre estabilização dos preços dos bens alimentares.

Depois dessa aprovação, bem que os membros da comissão mereceram um jantar frugal, do tipo daquele do G8…

Segundo o comunicado final da reunião, foi adoptado um memorando que previa medidas de curto, médio e longo prazo, que visavam mitigar os efeitos da estiagem “de modo a deter o aumento da pobreza das comunidades afectadas e evitar a sua emigração para outras regiões”.

Nos últimos longos tempos, famílias afectadas pela seca no sul de Angola, tentavam (e continuam a tentar) escapar à fome fugindo para a vizinha Namíbia e muitas dependem da ajuda de familiares ou ofertas ocasionais para se alimentarem.

O memorando de entendimento então aprovado previa a atribuição de insumos agrícolas, disseminação e vulgarização da prática de culturas de raízes e tubérculos como mandioca e batata doce nas regiões com seca severa, distribuição de pequenos equipamentos de rega, reabilitação e construção de pequenos e médios esquemas de regadio, introdução de culturas forrageiras nas regiões semiáridas, construção de açudes e barragens, transvase dos rios e capacitação no uso de novas tecnologias e formas de maneio de gado nas comunidades pastorícias. Lembram-se?

Foi também aprovado um documento relativo aos bens alimentares com propostas de medidas “pontuais, temporárias e urgentes” para a redução dos respectivos preços.

“Face ao carácter emergencial deste problema, a Comissão Económica adoptou algumas medidas transitórias e urgentes, que deverão vigorar num período de quatro meses, nomeadamente uma maior flexibilidade no processo de importação dos produtos da cesta básica; a realização de encontros de concertação com os principais produtores e importadores de produtos alimentares e a criação de condições efectivas para a implementação da Reserva Estratégica Alimentar”, lê-se no documento.

Na reunião foi também apreciado o relatório final sobre o projecto do terminal de desenvolvimento integrado da Barra do Dande e aprovada a criação de uma Zona Franca que será gerida pela Sociedade de Desenvolvimento da Barra do Dande.

O projecto vai ser desenvolvido com recurso a parcerias público-privada e será implementado na zona costeira da província do Bengo, propriamente na comuna da Barra do Dande.

Inclui a construção de infra-estruturas portuárias para carga e descarga de combustíveis e outras mercadorias, criação de reservas estratégicas no domínio da segurança alimentar, de combustíveis e energética, desenvolvimento industrial, imobiliário e turístico e criação de uma zona franca.

Em Novembro de 2020, o Governo angolano resolveu avaliar os benefícios da adesão de Angola a várias organizações internacionais, com as quais gastava anualmente 100 milhões de dólares (83,5 milhões de euros), sem grandes valias para o país. A questão foi abordada pelo ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, e pela secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público, Aia-Eza da Silva, em resposta a um deputado, durante a discussão na especialidade da proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) 2021, sobre as razões da não adesão de Angola à Corporação Financeira Africana (AFC, na sigla em inglês).

Segundo o ministro das Relações Exteriores, Angola ainda não fazia parte da instituição, criada em 2007, com um capital de cerca de 6,6 mil milhões de dólares (5,5 mil milhões de euros), 55,3% proveniente do sector privado e 44,7% do Governo da Nigéria.

“A adesão a instituições como esta, semelhante ao Banco Africano de Desenvolvimento ou com o African Eximbank, passa por um exercício de avaliação, e nós estamos a fazer esse exercício com o Ministério das Finanças, de avaliarmos a importância da nossa adesão a muitas instituições internacionais”, referiu.

O chefe da diplomacia angolana sublinhou que o país adere a muitas organizações internacionais e quando se faz o balanço, do que realmente se foi buscar comparado com os custos, nem sempre chega a resultados positivos.

Por sua vez, a secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público considerou que o Governo não é obrigado a aderir a mais uma instituição internacional, estando aptas para o efeito outras organizações nacionais e privadas.

Aia-Eza da Silva salientou que “o dilema” é que para participar nessas organizações a jóia exigida “é cara”. E, por regra, o MPLA só está disposto a dar uma salsicha a quem lhe fornecer um porco.

“E nós, como país, hoje já gastamos 100 milhões de dólares em participações em organizações internacionais”, disse a governante angolana, salientando que o assunto tem merecido um estudo das autoridades.

“Qual é o racional de participarmos em tantas organizações internacionais, gastarmos esse dinheiro por ano? É um dinheiro que podia nos servir para outras coisas. O que é que nós buscamos dessas organizações, tirando três ou quatro onde conseguimos efectivamente financiamento e ganhos particulares, nós não temos outras grandes valias de participar em tantas organizações”, frisou.

Nesse sentido, prosseguiu a secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público, agora são avaliados os custos-benefícios de todas as propostas de participação em mais organizações internacionais.

“Se for de graça participamos, mas se tivermos que pagar – e hoje todas elas tem de se pagar – temos que ver [qual] o custo benefício em termos da participação”, sublinhou.

A AFC tem como membros a Nigéria, Benim, Cabo Verde, Chade, Costa do Marfim, Djibuti, Eritreia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Quénia, Libéria, Madagáscar, Maláui, Ilhas Maurícias, Ruanda, Serra Leoa, Togo, Uganda, Zâmbia e Zimbabué.

Academia Diplomática “Venâncio de Moura”

Recordemos o que afirmou o (mesmo) ministro das Relações Exteriores, Téte António, sobre a criação da Academia Diplomática “Venâncio de Moura”, mais uma aposta (disse) de Angola na inserção de quadros nacionais nas organizações internacionais.

Ao intervir na cerimónia de inauguração da Academia Diplomática “Venâncio de Moura”, Téte António sublinhou que o Ministério das Relações Exteriores está a trabalhar para apoiar cidadãos nacionais que queiram ingressar nas organizações internacionais, frisando que é nesta perspectiva que se enquadra a nova instituição, com matriz curricular centrada na diplomacia e nas relações internacionais, inaugurada pelo Presidente da República, João Lourenço.

Segundo o ministro, a iniciativa responde a uma aposta do país em ter também quadros nacionais na função pública internacional, que podem jogar um papel fundamental nos processos em que o Estado angolano esteja engajado. No seu entender, cada angolano colocado numa organização internacional também é um embaixador do país.

De realçar que na altura Angola tinha os embaixadores Gilberto Veríssimo e Georges Chikoti como presidente da Comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e secretário-geral da Organização África, Caraíbas e Pacífico (ACP), respectivamente, além de outros quadros nas Nações Unidas, na União Africana e na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), entre outras instituições internacionais.

Relativamente à Academia, sublinhou que não se vai apenas dedicar à formação de quadros, mas também à pesquisa científica de “questões complexas da actualidade internacional, através da produção de análises”.

Localizada na Centralidade do Kilamba, em Luanda, a instituição académica, totalmente equipada, dispõe de 29 salas de aulas, e a sua construção orçou em 16 milhões de dólares, numa doação do Governo da República Popular da China no âmbito da cooperação entre os dois países.

A Academia, cuja obra foi executada em 19 meses, engloba nove edifícios construídos numa área de quatro hectares, comportando laboratórios de informática (com 28 computadores cada) e de línguas (para 25 estudantes cada) e salas de prática consular e de protocolo e cerimonial.

Dispõe ainda de biblioteca, dormitórios para docentes (com 23 suites) e para discentes (com 78 suites), dimensionadas para alojar até 234 formandos.

O complexo conta com um campo para a prática de desportos de salão, uma quadra de ténis, um ginásio, auditório e edifícios administrativo e de serviços, que acolhe salas de distribuição de energia eléctrica de alta e média tensão, geradores e agência bancária. Alberga também um posto médico, refeitório com capacidade para 290 pessoas, duas salas protocolares, uma cozinha industrial e dois parques de estacionamento para 128 automóveis.

A opinião de quem sabe (tudo)

Ao falar aos jornalistas, depois de inaugurar a instituição, que tem o nome do falecido diplomata Venâncio de Moura, o Presidente João Lourenço disse que a instituição dispõe de valências que vão permitir, doravante, os quadros ligados à diplomacia exercerem as funções com maior qualidade.

Apesar deste investimento, que visa dotar os diplomatas de mais valências, para fazer face aos desafios actuais do sector, João Lourenço salientou que “a diplomacia angolana vem registando sucessos desde 1975”: “A nossa diplomacia só teve sucesso ao longo dos 45 anos de existência do país e acreditamos que, com a inauguração desta academia, com certeza, o trabalho futuro passará a ser ainda melhor, uma vez que teremos quadros melhor acompanhados”, frisou.

O Chefe de Estado considerou que a diplomacia angolana, de uma maneira geral, está muito bem e atribuiu esse mérito a todos os cidadãos ligados ao sector, desde dirigentes aos quadros do Ministério das Relações Exteriores. Referiu que os Estados, regra geral, dão grande importância à diplomacia, por ser ela que acaba por estabelecer as boas relações de amizade e de cooperação com outros povos. “É a diplomacia que previne as guerras. E, no caso das guerras, é a diplomacia que acaba com elas”, frisou.

A aposta neste sector e em outros, prosseguiu, é um processo que vem acontecendo ao longo dos anos, não podendo, por isso, considerar-se que esteja a acontecer apenas agora. O Titular do Poder Executivo disse tratar-se de um processo que deve ser considerado como necessidade permanente.

O Presidente salientou que a diplomacia nacional tem trabalhado em todos os domínios, mas reconheceu haver ainda muito por se fazer no domínio económico. “Nesta matéria, devo dizer que temos muito que trabalhar. Ainda temos um caminho longo a percorrer, mas a creditamos, também, que vamos ter sucessos”, admitiu. João Lourenço disse ter sido por isso que vem prestando, desde 2017, uma atenção particular à diplomacia económica, com o objectivo de lhe dar outro curso. “Como sabem, o Chefe de Estado, no fundo, acaba por ser o primeiro diplomata do país”, referiu.

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