A LUTA CONTINUA E TEM DE SER CONTÍNUA

Activistas angolanos dizem que o direito à manifestação em Angola está posto em causa e que o regime tende a intensificar a repressão em cenários de enfraquecimento do poder para se proteger contra as ameaças. Mais do mesmo, portanto.

No auditório das Irmãs Paulinas, em Luanda, dezenas de jovens activistas reflectiram sobre o direito à manifestação, tendo como mote o dia 7 de Março de 2011, em que houve uma tentativa de protesto contra o Governo do então Presidente José Eduardo dos Santos, que culminou na detenção de 12 pessoas, incluindo o activista e ‘rapper’ Luaty Beirão e jornalistas.

Margareth Nangacovie, advogada e professora, afirmou que o direito à manifestação em Angola acontece quando esta é favorável aos interesses instalados, mas “não sai” se for de um grupo de jovens activistas que pensem de forma diferente do único partido que está no poder há 47 anos.

“Isso é próprio de um contexto autocrático onde o autoritarismo serve para impedir o enfraquecimento do poder e a confrontação com o sistema”, o que, sublinhou, ficou provado pelos testemunhos ouvidos no auditório em Luanda.

“Estamos num Estado em que o direito à manifestação sofre graves restrições, limitações, quando estes manifestantes não estão alinhados com a agenda dominante”, apontou.

Entre o público, um jovem, Paulo Evangelista, acusou o actual Presidente, João Lourenço, de ser “mais ditador do que José Eduardo dos Santos”, que governou Angola durante 38 anos, mas para Margareth Nangacovie trata-se de uma questão de estilos: “Algumas medidas repressivas, neste contexto, parece que são mais intensas, mas eu não saberia nivelar o grau de repressão entre uma época e outra”.

“Eu acho que vai progressivamente piorar porque as condições políticas do próprio partido se manter também estão a piorar, as condições sociais estão a piorar, as condições económicas estão a piorar… tudo isso coloca muita pressão sobre o regime aos diferentes níveis, o que resulta na intensificação do medo e na necessidade que o regime tem de se proteger contra essas ameaças”, comentou a docente universitária.

Numa entrevista à RFI, na semana passada, João Lourenço considerou “a expressão ‘repressão’ muito forte”, salientando que Angola não é um Estado repressivo.

“Mas como todos nós temos vindo a constatar, nem sempre as manifestações são tão pacíficas como seriam de desejar. O mau seria, como era no passado, nunca haver manifestações, as manifestações serem consideradas proibidas. Não é o caso, as manifestações em Angola não estão proibidas e prova disso é que todos os fins-de-semana há manifestações”, referiu.

Ilídio Manuel, jornalista, que conta ter estado também na mira das autoridades angolanas e não chegou a ser preso porque “ia dar muito nas vistas”, lamentou que, de manhã, a polícia se tenha dirigido ao auditório para averiguar quem iria participar no acto, afirmando que a “estratégia é dividir para reinar e intimidar”.

“Como é que um país está preocupado com activistas que se vão manifestar, mas não olham para os tribunais”, indignou-se.

O activista e porta-voz do Movimento de Intervenção Terceira Divisão, Hitler Samussuku confirmou a visita da polícia, queixando-se de pressões devido à realização da iniciativa.

“Eles fizeram chantagem com as madres (das Irmãs Paulinas) que começaram a ligar para mim às 07:30 a dizer que tinham muitos polícias (nas proximidades) e que provavelmente ia aparecer carros da esquadra, mas nós já conhecemos e sabemos que não há nada de ilegalidade, estivemos apenas a reflectir e enquadra-se até nas reflexões académicas”, contou.

Lamentou ainda que as manifestações sejam sistematicamente travadas, graças a “esquemas” administrativos “bem montados que levam a polícia a aparecer no local para inviabilizar os protestos, por falta de resposta dos governos provinciais”.

“Cidadãos que querem protestar contra a pobreza, contra o desemprego pela implementação das autarquias, o Governo não permite mesmo, não permite nem a concentração”, disse.

Para o activista, que concorreu às anteriores eleições integrado nas listas da UNITA (oposição angolana), “a repressão das manifestações faz parte da natureza do regime, a palavra manifestação incomoda o Governo”, acrescentando que as detenções acontecem no local da concentração ou os organizadores são apanhados ainda em casa.

“Seria de bom-tom que os agentes dos serviços secretos que estiveram aqui a assistir (aprendessem) para sustentar melhor a sua percepção sobre os activistas e os manifestantes ou as manifestações”, desafiou Hitler Samussuku.

O politólogo Olívio Kilumbo, eleito deputado nas listas da UNITA falou sobre a importância da preservação das instituições, “necessárias para criar um estágio novo após o desmantelar da podridão de ontem”, e avisou que, “num regime autocrático”, os que lutam contra o regime têm de saber adaptar as suas estratégias e reinventar-se, afirmando-se pacifistas.

Alcides Mulemba, jovem do bairro Paraíso, considerado um dos piores de Luanda, afirmou que “ninguém está feliz com o MPLA”, partido que governa Angola desde a independência, em 1975, e afirmou estar “disposto a morrer para que as gerações vindouras tenham um futuro melhor”.

Na opinião de Matias Chipipa os jovens estão a ser mortos “do ponto de vista da educação”, pelo que defendeu importância da literacia e de conhecer as leis para as novas gerações, ferramentas que devem ser levadas até às comunidades.

A iniciativa foi organizada pelo Movimento Cívico Mudei e pelo Movimento Terceira Divisão.

Folha 8 com Lusa

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