O executivo angolano diz que recuperou já 5 mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros) de activos retirados ilicitamente do país, enquanto aguarda decisões judiciais relativas a bens no valor de 21 mil milhões (19,4 mil milhões de euros).
Os dados foram hoje avançados por Eduarda Rodrigues, directora do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA), à margem de uma conferência sobre o confisco de activos como ferramenta de combate ao crime económico e organizado.
No entanto, este valor representa menos de 20% do valor dos activos que se pretende recuperar, já que, segundo a mesma responsável, tudo indica que, entre 2001 e 2017, tenham sido transferidos ilicitamente para o exterior do país cerca de 150 mil milhões de dólares (139 mil milhões de euros).
Deste montante, mais de 5 mil milhões de dólares foram efectivamente recuperados e entraram já nos cofres angolanos.
Mas há mais de 21 mil milhões de dólares em activos apreendidos, quer em Angola, quer no exterior do país que ainda aguardam decisões judiciais.
“É ainda muito pouco face ao que temos pela frente, é uma luta grande”, sublinhou a directora do SENRA, destacando também a cooperação com outros países.
“Temos vários casos: Portugal, até por razões de proximidade, mas também Bermudas, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Suíça”, afirmou, garantindo que nunca houve recusas de colaboração.
A responsável assegurou que a entidade tem “obtido resultados positivos em qualquer desses países”, referindo que mesmo no Dubai – frequentemente apontado como destino de exílio para pessoas ligadas ao anterior regime e agora na mira da justiça – tem havido resultados.
“Já conseguimos algum fluxo financeiro obtido lá e temos trabalhado noutros âmbitos da cooperação internacional”, disse Eduarda Rodrigues, que salientou, na introdução à conferência, que a cooperação internacional tem sido imprescindível para atingir os objectivos de recuperação de activos.
A embaixadora da União Europeia em Angola, Jeannette Seppen destacou que a criminalidade organizada “não é um fenómeno do passado”, pois continuam a observar-se casos, sobretudo na área económica, ligados à corrupção, peculato e práticas de branqueamento de capitais, fenómenos que não ocorrem só em Angola, mas “têm ocorrências transnacionais, o que coloca desafios redobrados”.
Entre os especialistas que participaram da conferência, organizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC) em Angola, estiveram magistrados do Ministério Publico e técnicos da Unidade de Informação Financeira e do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), entre outros.
Entre os temas da iniciativa destacaram-se a abordagem aos instrumentos internacionais do confisco de activos, identificação dos proveitos do crime através de inteligência financeira, mecanismos e obstáculos ao confisco de activos, bem como as boas práticas na administração de activos confiscados.
A iniciativa integra-se no âmbito do projecto Pro.React — Projecto de Apoio ao Fortalecimento do Sistema Nacional de Confisco de Activos em Angola, financiado pela União Europeia (UE), e que tem como objectivo desenvolver um sistema eficaz de combate aos fluxos financeiros ilícitos e contribuir para um maior crescimento económico e para a redução da pobreza em Angola.
Em Março de 2022 os números eram outros. Ficou a saber-se que desde a criação do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA) tinham sido recuperados até Março de 2021 cerca de 5,3 mil milhões de dólares, dos quais 2,7 mil milhões em dinheiro e o restante em imóveis habitacionais, fábricas, participações sociais em empresas e outros.
Hélder Pitta Gróz afirmou que este tipo de crime constitui “uma manifestação de criminalidade altamente organizada e sofisticada, na medida em que recorrem às mais modernas técnicas e tecnologias” e aos serviços de pessoas extremamente qualificadas, apontando carência a nível de ‘software’ e tecnologias direccionadas para este tipo de crime.
O PGR disse ainda que o acesso à justiça é uma necessidade essencial para uma sociedade harmonizada, mas apontou a falta de recursos humanos como um obstáculo.
Em 2020, a Procuradoria-Geral da República funcionou com 565 magistrados do Ministério Publico em todo o país, um rácio de 1,8 por cada 100 mil habitantes, “o que se mostra aquém das recomendações das organizações internacionais”, que apontam para um ideal de sete procuradores para cada 6.000 habitantes, afirmou o PGR, acrescentando que é também insuficiente o número de funcionários administrativos e técnicos de justiça.
Sem querer converter a Procuradoria num “muro das lamentações”, Hélder Pitta Gróz disse que a instituição tem afirmado a sua missão e reafirmou o compromisso com a produtividade e no combate ao crime.
O PGR indicou também desafios para os próximos tempos, em particular a falta de acomodações condignas juntos dos órgãos de polícia criminal.
“A PGR não deve funcionar nas instalações das forças de polícia por razões óbvias”, uma vez que se trata de um órgão fiscalizador e de instrução preparatória, e “não deve ter a sua acção limitada a cedências de espaços para o seu funcionamento, observou Pitta Gróz, reclamando a construção ou aquisição de estruturas físicas que possam acomodar estes serviços.
Folha 8 com Lusa