As pinturas rupestres de Tchitundo-Hulo, discretamente desenhadas em grutas remotas do sul de Angola, estão entre os vestígios arqueológicos mais importantes do país, mas a falta de protecção ameaça o valioso património. Só falta o partido que governa o país há 47 anos (o MPLA) estar preocupado em proteger as pinturas. Se nem os 20 milhões de pobres protege…
Diz-se que “caíram do céu” – o significado de Tchitundo-Hulo na língua local – e encontram-se a cerca de 130 quilómetros da sede do município do Virei, província do Namibe, sul de Angola, numa região desértica à qual se acede seguindo uma picada arenosa.
À volta, o cenário é cor de areia e o terreno seco e pedregoso. Alguns cabritos mordiscam arbustos raquíticos e são visíveis os ‘sambos’ (currais circulares fechados com ramos) dos pastores mucubais que ali habitam, invisíveis, mas vigilantes, sempre atentos aos visitantes.
“Aqui, ninguém pense que está sozinho, estão sempre a ver-nos. E ai dos forasteiros que venham visitar as grutas sem se apresentarem. Houve uns turistas que vieram visitar as grutas sem avisar, mas não os deixaram avançar e tiveram de voltar”, diz Paihama Catenga, responsável da área de cultura e turismo da Administração Municipal do Virei, que acompanhou uma equipa da Lusa ao local.
Não se sabe exactamente quem deixou os desenhos, nem porquê. Alguns assemelham-se a formas de animais, adivinhando-se peixes e tartarugas, outros são círculos e formas abstractas que poderão ser representações do céu e dos astros.
Os especialistas estimam que os autores tenham sido khoisan ou Cuisses-tua, povos ancestrais que estavam já instalados no sul de Angola antes da chegada dos bantus, o grupo étnico maioritário no país.
O soba Ananás, do Virei, diz que foram os seus antepassados, “há milhares de anos”, mas acrescenta que existem outras teorias.
“Alguns mais velhos dizem que não foi feito pelo homem, que é sobrenatural. Quando os brancos vieram até aqui e perguntaram quem fez, eles disseram: encontrámos já assim, veio de Deus, veio do céu”, explica o representante das autoridades tradicionais. Até porque “as pinturas estavam tapadas e nenhum homem pinta para depois tapar”, argumenta.
O soba garante que antes o local era respeitado, seguindo as regras próprias dos mucubais, “mas a cultura actual já não segue os antigos”, acelerando a degradação pelo efeito combinado dos agentes climatéricos e da acção humana.
Os desenhos pré-históricos, que serão mais de mil, espalhados entre o interior das duas grutas e o morro granítico que constituem o complexo, começaram a ser estudados nos anos 1950 pelo geólogo português Camarate França.
Mas até hoje o seu significado mantém-se um enigma e a decifração pode nunca chegar a acontecer face ao risco de desaparecimento das gravuras, cujo acesso não é controlado e se encontram expostas à intempérie.
A gruta inferior (Casa Maior) é facilmente acessível e chegou a ter uma vedação, entretanto retirada pelas autoridades angolanas, que querem elevar o complexo a Património Histórico da Humanidade, já que a UNESCO exige acesso livre.
A retirada da vedação não agrada a Ildeberto Madeira, sociólogo e membro da Associação dos Naturais e Amigos do Namibe, que alerta para os riscos de destruição da arte milenar, sem uma protecção que as defenda.
“Estas pinturas têm mais de 2.000 anos, têm de ser preservadas”, apela, defendendo que o acesso deve ser controlado.
“Os bois chegam a todo o lado, entram por aí dentro, tocam com os chifres e destroem as pinturas. Estamos num sítio onde a vida dos povos são os bois. Andam por aí à vontade, os jovens podem entrar com as manadas em busca de pasto e os chifres estragam”, exemplificou.
Em alguns sítios, as gravuras aparecem já maculadas por inscrições contemporâneas e há também turistas e forasteiros que removem as placas de granito, que se soltam com facilidade, para levarem pinturas consigo.
“Tive informações que dão conta que os turistas partem placas de pedra para retirar as pinturas e levarem consigo, já que se retiram muito facilmente”, lamenta o especialista, já reformado.
Ildeberto Madeira salienta que o acesso à grutas ou património protegido noutros países é muito diferente e sugere que até poderia gerar receitas.
Também o responsável de cultura e turismo do Virei, Paihama Catenga lastima que o património não esteja protegido e concorda com a ideia de vedar o local.
Afirma até que já houve mais gravuras nas grutas, mas a erosão, as infiltrações e a escorrência de água e o desgaste do tempo não perdoam. “Têm de ser protegidas mesmo”, exorta.
Recorde-se que em 2003, a Comissão Constitucional ficou de propor novos símbolos nacionais, acabando por apresentar em 28 de Agosto de 2003 uma proposta para a nova bandeira de Angola.
Recordam-se? Seria uma bandeira dividida em cinco faixas horizontais. As faixas inferior e superior azuis escuras, representariam a liberdade, a justiça e a solidariedade. As duas faixas intermédias, de cor branca, representariam a paz a unidade e a harmonia. A faixa central de cor vermelha, representaria o sacrifício, tenacidade e heroísmo. No meio da faixa vermelha ficaria um sol amarelo com 15 raios, composto de três círculos irregulares concêntricos. A imagem era inspirada nas pinturas rupestres de Tchitundo-Hulu, na província do Namibe. O sol simbolizaria a identidade histórica e cultural e a riqueza de Angola.
Folha 8 com Lusa