João Lourenço, o “Único”, tornou-se Presidente angolano em 2017 e em 2022 (ao que parece) sem, tal como Eduardo dos Santos, ser nominalmente eleito. Tudo normal no reino. O MPLA, com base na sua superior lei da batota, ganha todas as “eleições”. Tudo normal… na anormalidade de um país que deixou de ser de partido único para passar a ser de único partido.
O antigo general prometeu ser reformador, ao estilo Deng Xiaoping, rejeitando a classificação de “Gorbachev angolano” (hipótese realçada, pela primeira vez, pelo angolano, Mestre da Lusofonia, Eugénio Costa Almeida), por suceder à prolongada liderança de José Eduardo dos Santos (38 anos no poder).
“Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não Gorbachev, Deng Xiaoping, sim”, afirmou João Lourenço.
Deng Xiaoping foi secretário-geral do Partido Comunista Chinês e líder político da República Popular da China entre 1978 e 1992, tendo criado o designado socialismo de mercado, regime vigente na China moderna e que posteriormente foi adaptado pelo MPLA para Angola.
Depois dos presidentes Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, João Lourenço assumiu que quer ficar na história de Angola pelo papel na recuperação económica do país. A recuperação económica continua a ser uma miragem.
“O Presidente Dos Santos é uma personalidade muito respeitada, tanto dentro do partido como por um conjunto da sociedade e não é anormal que o presidente do partido no poder não seja ele próprio o Presidente da República. Apenas para citar um caso, Donald Trump é o Presidente dos Estados Unidos mas não do Partido Republicano”, afirmou João Lourenço. Recordam-se?
Deng Xiaoping? E então Kim Il-sung?
O embaixador (extraordinário e plenipotenciário) de Angola naquela que é, para o regime do MPLA, a sua maior referência em matéria de direitos humanos, democracia e pluralismo político, a Coreia do Norte, Garcia Bires, afirmou em Janeiro de 2017, em Pequim, que era intenção do estado angolano manter e alargar a cooperação entre Angola e a Coreia do Norte nos mais diversos domínios.
Em Setembro de 2017, a ONU anunciou que estava a investigar possíveis violações ao embargo e sanções impostas à Coreia do Norte por parte de Angola (que foi membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas).
O diplomata angolano fez a declaração no termo de um encontro com o vice-ministro das Relações Exteriores da República Popular e Democrática da Coreia do Norte, Choe Hui Chol, tendo realçado que o MPLA/Estado pretendia reforçar e ampliar as relações já existentes.
Segundo Garcia Bires, a prioridade seria dada às áreas de saúde e solidariedade pela causa do povo coreano, que luta pela reunificação independente e pacifica da península coreana.
Choe Hui Chol considerou excelentes as relações entre Angola e o seu país, acrescentando que as relações entre Angola e a Coreia do Norte continuam a desenvolver-se conforme desejo e expectativa dos dois povos e governos.
O diplomata norte-coreano agradeceu a postura de Angola durante o mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que recomendou uma solução negociada na resolução do problema da península coreana.
Como também não poderia deixar de ser, Choe Hui Chol enalteceu o papel do embaixador João Garcia Bires, que tem sido determinante para o fortalecimento das relações entre os dois países.
Garcia Bires, que se fez acompanhar no encontro pelo conselheiro, Virgílio Zulumongo, era embaixador de Angola na Coreia do Norte, com estatuto de não residente.
Recorde-se que uma comissão de inquérito da ONU encontrou provas inequívocas de tortura, execuções e fome na Coreia do Norte, onde entre 80.000 e 120.000 pessoas se encontravam em campos prisionais. Foi uma estimativa que, reconheça-se, ofusca a história do 27 de Maio de 1977 onde o MPLA (pela mão do único herói nacional reconhecido pelo regime angolano, o assassino Agostinho Neto) matou muitos milhares de angolanos. Não havia campos prisionais. Era matar, matar e… matar. Para o MPLA, quem matar um cidadão é um criminoso, mas quem matar milhares (se possível da UNITA) é um herói.
A Assembleia-Geral da ONU (contra a divina vontade do regime do MPLA) encorajou na altura o Conselho de Segurança a denunciar a Coreia do Norte ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigação de crimes de guerra, mas a China bloqueou uma tal medida, com o poder de veto que detém, enquanto membro permanente do Conselho.
Consta nos meandros políticos angolanos que o também “querido líder” Kim Jong-un quis estar presente na primeira tomada de posse de João Lourenço mas resolveu continuar a assistir ao lançamento de alguns mísseis e a dizer que Donald Trump parecia um “cão a ladrar”.
João Lourenço prometeu ser um reformador ao estilo Deng Xiaoping o que desagradou, com razão, a Kim Jong-un que, no mínimo, esperava que ele dissesse que queria ser um reformador do tipo Kim Il-sung.
Na mensagem de felicitações enviada a João Lourenço, Kim Jong-un não esqueceu a envergadura divina do presidente então abandona o poder, José Eduardo dos Santos. Prometeu, aliás, instituir o dia 28 de Agosto (nascimento do emérito presidente do MPLA) como “Dia Internacional Eduardo dos Santos”. Mas logo mudou de ideias, substituindo-por João Lourenço.
Kim Jong-un promete igualmente adoptar uma parte do slogan usado pelo MPLA/João Lourenço: “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. O querido líder norte-coreano explica que, no seu país, só é preciso “melhorar o que está bem”, já que (como quase acontece em Angola) nada está mal.
Entretanto, a missão de observação eleitoral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) considera que o processo eleitoral de 24 de Agosto “não foi de todo justo nem transparente”.
Em causa, segundo a missão, está o facto de a imprensa pública (do MPLA e paga com dinheiro roubado aos angolanos) ter tratado “de forma desigual os concorrentes às eleições gerais antes e durante a campanha eleitoral” e os partidos concorrentes duvidarem do apuramento nacional, no Centro Nacional de Escrutínio.
Por outro lado, “a divulgação inicial dos resultados pela Comissão Nacional Eleitoral” (sucursal do MPLA) não respeitou a legislação, “segundo o qual a divulgação dos resultados gerais provisórios de cada candidatura dever ser feita por círculo eleitoral”, alertam os jornalistas.
“Os concorrentes às eleições não tiveram efectivo conhecimento do número real de eleitores, dada a presença, no Ficheiro Informático de Cidadãos Eleitores, de cidadãos falecidos”, salientaram. Também, refira-se, não foram assim tantos. Foram pouco mais do que dois milhões e quinhentos mil…
No relatório de balanço da missão, o SJA referiu que o processo eleitoral “foi livre e pacífico” e os eleitores “exerceram o seu direito sem qualquer constrangimento”.
A missão, liderada pela jornalista Luísa Rogério, trabalhou em quatro províncias do país, Luanda, Bengo, Namibe e Lunda Norte.
Sobre a desigualdade da cobertura mediática, favorecendo o partido vencedor, o MPLA (no Poder há 47 anos), o sindicato recordou que se “impõe o dever da comunicação social assegurar os princípios do contraditório e de igualdade de tratamento durante a campanha e em programas da sua iniciativa”.
No entanto, “muitos jornalistas, em todo o território nacional, não foram acreditados para cobertura eleitoral, em virtude de a Comissão Nacional Eleitoral ter concentrado o processo, em Luanda, no Centro de Imprensa Aníbal Melo”.
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) “não divulgou as listas dos eleitores até 30 dias da data marcada para eleições”, tendo-se verificado a “deslocalização de um grande número de eleitores”. Deslocalização que, diz a sucursal do MPLA, não é relevante porque viver no Huambo e ser obrigado a votar no Namibe não é problemático…
A missão recomenda a “transferência de competências de regulação para uma Entidade Reguladora da Comunicação Social que seja de facto independente e capaz de fiscalizar a actuação dos órgãos de comunicação social em épocas eleitorais e não só”.
O sindicato recomendou que “os jornalistas respeitem sempre o interesse público, fundamento da sua actividade, assim como as incompatibilidades estabelecidas na Lei sobre o Estatuto dos Jornalistas e no Código de Ética e Deontologia”.
Além disso, a missão também recomendou “a reformulação da composição e o funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral, conforme proposta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral”.