João Lourenço, Presidente angolano, acompanhado pelo Presidente do MPLA e pelo Titular do Poder Executivo, afirmou hoje que o poder político não condiciona a liberdade de actuação dos tribunais em Angola, que deixaram de estar “amordaçados” e perseguir apenas “ladrões de galinhas”. Dito assim, até parece que uma anedota dita por Gilmário Vemba.
João Lourenço, que deu hoje uma entrevista colectiva a 12 órgãos de comunicação social angolanos, disse que não pretende desistir da luta contra a corrupção e que há ainda “muita coisa para recuperar”. Hum! O texto não é mesmo da autoria do Gilmário Vemba?
João Lourenço afirmou que existe hoje um quadro “completamente diferente” da justiça que durante muitos anos “andou atrás apenas dos ladrões de galinhas”, o que mudou de um dia para o outro, desde que foi eleito em 2017. Gaba-te cesto, apetece dizer. No entanto, reconhecemos, se não for João Lourenço a dizer que é o maior, o único, o pastor, o messias, o querido e infalível líder, quem diria?
“Se formos analisar sobretudo os casos que passaram pelo Tribunal Supremo, é uma nova realidade que antes era impensável. Era impensável que determinadas figuras se pudessem sentar na barra dos tribunais”, sublinhou João Lourenço que, como se sabe, nada tem a ver com o passado do MPLA já que só chegou ao partido e ao país pouco antes das eleições de 2017.
Na verdade, fosse Angola um Estado de Direito, José Eduardo dos Santos e todos os que foram seus acólitos bajuladores, incluindo João Lourenço, estariam presos e os seus bens confiscados a favor do país, a favor dos angolanos.
A divulgação das leis e medidas existentes ou necessárias para, de modo pedagógico, prevenir crimes atentatórios à probidade pública, cujo combate se encontra na agenda das sociedades modernas, impõe-se para fazer face a este fenómeno, segundo a hilariante tese do MPLA.
De acordo com o MPLA, o fenómeno da corrupção é antigo e permaneceu ao longo dos tempos, exigindo na sua abordagem um certo enquadramento histórico, social e político. Claro. A culpa é dos colonizadores em geral e, no nosso caso, dos portugueses. E é mesmo. Não fosse Diogo Cão ser “militante” do MPLA e, talvez, as coisas fossem diferentes…
Em Novembro de 2018, já como Presidente da República, João Lourenço, afirmou que os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral, desde logo o combate à corrupção, são para concretizar, reconhecendo a existência de “inúmeros obstáculos no caminho”.
Onde andou nos últimos anos o general João Lourenço? Só chegou agora? Não. Sempre foi um homem do sistema, do regime, da corrupção, da cleptocracia. Queira ou não.
1984 – 1987: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1987 – 1990: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; 1984 – 1992: Deputado na Assembleia do Povo; 1990 – 1992: Chefe da Direcção Politica Nacional das FAPLA; 1992 – 1997: Secretário da Informação do MPLA; 1993 – 1998: Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; 1998 – 2003: Secretário-geral do MPLA; 1998 – 2003: Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; 2003 – 2014: 1º Vice-presidente da Assembleia Nacional.
“Precisamos ao mesmo tempo de neutralizar ou reduzir a influência nefasta dos que apenas se preocupam em servir a si mesmos, descurando a necessidade da defesa do bem comum”, disse Gilmário Vemba, perdão, João Lourenço, por ocasião do 42º aniversário da independência de Angola.
Tudo leva a crer que terá acrescentado, como o fez durante 38 anos José Eduardo dos Santos, “olhai para o que eu digo e não para o que faço”…
Hoje, para o Presidente da Republica, “isso só demonstra que os tribunais têm muito mais independência e liberdade de acção, senão continuariam amordaçados pelo poder político que diria ‘não mexe aqui, não mexe ali’ ou ‘não mexe neste ou naquele'”. Faltou acrescentar, de forma mais específica, “não mexe em João Lourenço”.
“O poder político não está a agir assim, a nossa justiça tem toda a liberdade de actuar”, sublinhou, apontando o caso Lussati, que envolveu figuras ligadas à sua Casa Militar (então designada por Casa da Segurança), como exemplificativo da não interferência.
“No caso do saque que envolveu figuras da própria Casa Militar, nunca ninguém pensou que o poder político deixasse que a justiça avançasse com esse caso e esse caso não está esquecido, não está congelado, vai vir a público muito em breve e depois, seja o que Deus quiser”, disse o chefe do executivo angolano, garantindo a intenção firme de combater a corrupção, sem interessar quem sejam os visados.
“A justiça não está a ser selectiva está a bater à porta daqueles em relação aos quais têm a presunção de que há crime até prova em contrário”, reforçou.
Recorde-se que José Eduardo dos Santos, ex-líder do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975 e ex-Presidente da República durante 38 anos, também dizia querer o seu partido a defender, tal como quer o actual Presidente da República, João Lourenço, a luta contra aquilo que existe há 46 anos e que ambos incentivaram e de que beneficiaram: a corrupção.
Dito isto, embora longe da originalidade humorística de Gilmário Vemba, já se ouvem os potentes decibéis das gargalhadas dos angolanos, mau grado serem as principais vítimas da corrupção, essa instituição nacional do MPLA. Vítimas que na sua esmagadora maioria o MPLA colocou na miséria (existem 20 milhões de pobres) e a quem é passado um atestado de menoridade intelectual e de matumbez crónica.
Gozando à brava com a nossa chipala, José Eduardo dos Santos primeiro e agora João Lourenço, defendem que o MPLA deve liderar o combate à corrupção e ao nepotismo no país, males susceptíveis de – dizem – manchar a imagem do Estado e do Governo angolano.
Legitimidade para falar de corrupção não falta ao MPLA e muitos menos aos seus principais dirigentes, sobretudo a João Lourenço. Os principais corruptos e ladrões estão todos no MPLA.
Num seminário subordinado ao tema “MPLA e os desafios à corrupção”, promovido pelo grupo parlamentar daquela força política que está no poder, recorde-se, há 46 anos, Dos Santos disse que o MPLA devia posicionar-se na linha da frente para construir uma sociedade “mais justa, solidária e inclusiva”.
José Eduardo dos Santos, que foi Presidente de Angola de 1979 até 2017, substituído depois pelo seu fiel ministro da Defesa e que foi a sua escolha pessoal (João Lourenço), sublinhou que a corrupção já tem sido definida como o segundo principal mal que afectava a sociedade angolana, depois da guerra, terminada em 2002.
Estão na base desse mal, disse o então patrão, patrono e mentor de João Lourenço, os “excessos” praticados por agentes públicos e privados, “que detinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou terceiros, em prejuízo do bem comum, transgredindo a lei e a norma de comportamento social”. Por outras palavras, todos membros do MPLA.
Para o ex-líder do MPLA, como para o actual, o combate a estes males passa pela prevenção e medidas educativas, judiciais e policiais, com vista a desincentivar este tipo de crime e ultrapassar ou minimizar os efeitos nefastos no quotidiano dos cidadãos e no desenvolvimento da sociedade.
Folha 8 com Lusa