O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano, Francisco Queiroz, disse hoje, em Luanda, que foram identificados até à presente data 10,2 milhões de cidadãos com capacidade eleitoral, mas há dificuldades para saber deste número quem já morreu. Do ponto de vista do MPLA, a fazer fé nos simulacros eleitorais anteriores, o problema dos mortos não deve ser grave pois sabe-se que, no dia das eleições, a CNE (Comissão Nacional Eleitoral) ressuscita-os para que possam livremente votar no… MPLA.
Francisco Queiroz falava à imprensa no final da reunião de balanço do Programa de Massificação do Registo Civil e Atribuição do Bilhete de Identidade, numa altura em que está a chegar ao fim a campanha do registo eleitoral oficioso, para as eleições gerais previstas para Agosto deste ano.
De acordo com o ministro, impunha-se este balanço sobre quantos Bilhetes de Identidade (BI) foram emitidos desde as últimas eleições, em 2017, quantos bilhetes existem no país, quantos cidadãos estão identificados e como é que o processo decorreu.
“A informação que obtivemos depois desta reunião de balanço foi que foram identificados até agora 12,5 milhões cidadãos nacionais, são estes os cidadãos que têm BI. Destes, 10,2 milhões são cidadãos maiores, que podem votar. Estes números foram impulsionados pela campanha de registo e atribuição de BI que funciona desde Novembro de 2019”, frisou.
O governante angolano considerou “muito positivo” o resultado da campanha, que conta com o financiamento “forte” do Cofre Geral de Justiça, no valor de 5,1 milhões de dólares (4,6 milhões de euros).
“Este investimento totalmente feito pelo cofre impulsionou o trabalho de identificação da população desde 2019, altura em que se iniciou a campanha de registo e atribuição do BI”, reforçou.
Segundo Francisco Queiroz, no exterior foram emitidos até agora 15.919 novos bilhetes, pela primeira vez, mas o número de cidadãos com capacidade para votar é maior. Seria muito maior, diga-se, se cobrisse de facto todos os angolanos na diáspora e não apenas aqueles que, unilateralmente, o MPLA considera serem angolanos.
Relativamente aos desafios, Francisco Queiroz frisou a necessidade de se identificar quem morreu, porque para a emissão do registo de óbito são exigidos dados do bilhete de identificação.
“Exige o número do BI, exige a data de nascimento e exige também a indicação da causa da morte e esses dados nem sempre são entregues para que se possa saber exactamente quem morreu, como morreu e onde está sepultado”, salientou.
O titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos realçou que a dificuldade de identificação dos falecidos é acrescida, porque “muitos cidadãos morrem e são sepultados em cemitérios locais, muitos deles nem sequer são conhecidos”.
“Portanto, é uma dificuldade que nós temos. Aqui nesta reunião demos orientações às delegações provinciais da justiça para que trabalhem localmente na recolha de dados e nos enviem e que também trabalhem com as autoridades tradicionais, no sentido de obter o maior número de informação sobre os mortos em cada localidade, para que possamos ter um número aproximado de quem faleceu”, acrescentou.
Outra situação informada tem a ver com a entrega dos 281.000 bilhetes de identidade que estão nos postos de identificação e não foram levantados pelos seus titulares, tendo já sido entregues até agora 52.736 documentos.
“Essa campanha faz com que nós estejamos a trabalhar todos os dias, incluindo sábados, domingos e feriados, até às 17:30”, informou.
Francisco Queiroz destacou que decorre igualmente, no país e no exterior, uma campanha de sensibilização das pessoas para a troca de cartões de eleitor por bilhetes de identidade, tendo sido até agora trocados, no sentido técnico, 8.984 cartões de eleitor, dos quais 676 na diáspora.
“Foi um balanço bom, um balanço que se impunha fazer em vésperas do encerramento do registo eleitoral para se ter uma ideia do que existe em termos de BI e de cidadãos com capacidade eleitoral”, disse.
Para o sucesso da campanha, estão envolvidos o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, as Forças Armadas Angolanas, igrejas, sociedade civil, fazendeiros e autoridades tradicionais, que ajudam a chegar às zonas mais recônditas.
“Neste trabalho envolvemos brigadistas e voluntários, este valor que o cofre de justiça despendeu, estes dois mil milhões de kwanzas [4,6 milhões de euros] são exactamente para pagar os brigadistas e temos kits ambulantes, que são utilizados pelos brigadistas para chegarem às zonas mais recônditas”, referiu, admitindo dificuldades com estradas sem condições, inexistência de pontes e obstáculos vários.
São, aliás, dificuldades compreensíveis e que resultam do facto do o MPLA estar no Governo do país há muito pouco tempo. Apenas há 46 anos.
Eleições? Sim porque o MPLA sabe que já ganhou
Em Angola haverá eleições apenas quando o MPLA quiser, mesmo que o país pense de outra forma. A cada dia que passa, João Lourenço e a sua máquina de guerra (o MPLA) mostram que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente mostrou que não há jacarés vegetarianos.
Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço dê sobejos sinais de que não vai perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controle. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso. O MPLA já admite em público que a vitória será sempre certa.
A maioria da oposição parlamentar, com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, considera que o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito de escolha) ao Povo.
Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou há uns meses que não havia, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia de Covid-19. Referia-se às autárquicas, mas a estratégia aplica-se a tudo o que o MPLA quiser.
Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses? Melhor mesmo seria fazer umas eleições em que apenas votassem os deputados do reino.
“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de facto, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.
E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a serem ainda mais milionários.
A UNITA, o PRS e a CASA-CE recordam que “os primeiros sinais” que revelaram o desinteresse do MPLA na realização do escrutínio autárquico em 2020 foram dados com a não aprovação do pacote eleitoral autárquico e com o facto de o Orçamento Geral do Estado não contemplar qualquer verba para as eleições autárquicas.
A UNITA não pode “espingardar” muito. Lá vai dando uns tiros de pólvora seca, mas sabe muito bem que – respeitando a separação de poderes – o Presidente do MPLA pode ordenar a um qualquer tribunal (Constitucional) que faça à UNITA o mesmo que fez ao PRA-JA. Aliás, poderá acontecer aos dirigentes da UNITA o mesmo que aconteceu ao seu presidente fundador, Jonas Savimbi.
No dia 10 de Janeiro… de 2020, o MPLA disse que “não tinha medo” das eleições autárquicas, afirmando ser “o mais interessado”, enquanto a UNITA admitia a vontade política para as autarquias, defendendo “respeito de opiniões contrárias”.
Na verdade, hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições… ficando estas adiadas “sine die”.
“Nas eleições de 2017, dos 164 municípios do país o MPLA ganhou 156, isto é para ter medo? O MPLA é um partido de consenso, é uma máquina que trabalha, prepara muito bem, não tem medo”, afirmou em Janeiro de 2020 o presidente do grupo parlamentar do MPLA, Américo Cuononoca.
Ora aí está. E nos 164 municípios só não ganhou 180 porque não quis. 180 se só existiam 164?, perguntarão os nossos leitores. Pois é. Mas se o MPLA já nos habituou a ter em determinados círculos eleitorais mais votos do que eleitores inscritos, se consegue até que os mortos votem no MPLA, nada é impossível para quem é patrão, entre outros organismos, da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).
Segundo o líder parlamentar do partido dirigido pelo “querido líder” João Lourenço, “é uma falsa expectativa” pensar-se que o seu partido tenha medo das eleições porque “quem está mais interessado para que estas eleições se realizem é o MPLA”. Mentira, é claro. Por alguma razão o MPLA tem adiado sucessivamente essas eleições.
“Não há outro partido mais interessado em realizar eleições autárquicas que são uma promessa eleitoral. Prometemos realizar eleições autárquicas neste mandato, de tal sorte que o MPLA ter medo? Pelo contrário”, notou.
Pois é. E promessas são coisas que não faltam ao MPLA. Já em 1975 Agostinho Neto prometeu resolver os problemas do Povo e o resultado (20 milhões de pobres, por exemplo) está à vista. Aliás, o querido presidente de Américo Cuononoca conseguiu – reconheça-se – resolver o problema dos milhares e milhares (cerca de 80 mil) de angolanos que mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Folha 8 com Lusa
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