A AGRESSIVIDADE EM NÓS, A VIOLÊNCIA ENTRE NÓS

A agressividade confunde-se com a humanidade: não é menos humana do que o erro. A agressividade é propriedade da natureza humana até que a morte as separe. Estranho é que o ser agressivo não entranhe o estar vivo. Enquanto houver vida, chegará a factura da agressividade em fartura.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Apesar disto, o sujeito agressivo não é forçosamente um indivíduo agressor. Em verdade, o sujeito agressivo sujeita-se a ser agressor por força estimuladora do ambiente. A agressividade é aquele monstro adormecido que vai despertando consoante as circunstâncias; ela vem à superfície do comportamento humano se o processo de amadurecimento determinar ocasiões de a pôr em prática. A agressividade, intrínseca ao ser humano, está em prontidão, quieta, aguardando por uma oportunidade para se manifestar.

Todos os dias assisto a episódios de corrupção no palco de relações sociais e anti-sociais que é Luanda. Há sempre um agente da polícia de trânsito a exigir a passagem de kwanzas do taxista para o seu bolso. Essa cena de corrupção é agressiva. Estar a corromper é ser agressivo. Talvez não seja óbvio, mas deixar-se corromper também é ser agressivo. Há quem bata no outro e se sinta agredido se este lhe dá a outra face, o cidadão reagindo pacato.

A agressividade é inevitável. O ideal é canalizá-la para acções que gerem benefícios. A agressividade encaminhada ou convertida para o mal é violência.

Violência gera e cria violência. Diz-se e constata-se à base de um olhar atento às telas televisivas, aos jornais distribuídos aqui e acolá, mas a violência está ainda mais escancarada na realidade actual. Há factos e relatos de violência de todo o tipo. A violência doméstica está cada vez mais selvagem. A díade mãe-filho tem sido contrariada, à medida em que filhos e filhas matam os pais, num processo inverso do aborto voluntário em pleno mundo extra-uterino.

A tarefa de casa que passava por resolver a questão dos maridos que violentavam as esposas por mero machismo, autoritarismo casmurro e antiquado de certos machos de cá, não foi terminada. Isto porque, pouco a pouco, foi interrompida a meio por algumas mulheres que também agridem os seus companheiros, com armas brancas para lutos cada vez mais escuros. A violência tem-se revelado como um modo de vida um pouco por todo o país: essa é a nossa triste realidade, com cenas mais fortes do que as dos mais violentos filmes de acção, drama ou terror que já vi em toda a minha história de vida.

Quem não sabe que há pais que incentivam os seus filhos a fazerem justiça por mãos próprias? Para fazer justiça não se aceita a violência na receita. Ser violento não é justo. A violência adoece, desumaniza, empobrece, entristece, mata.

– Devolve-lhe as bofetadas que te deu, filho! – é uma das várias ordens dos presumíveis pais ou encarregados de educação, como somos forçados a chamá-los para que nos entendamos. E as crianças crescem com a fórmula de ir reagindo à violência ligeira com violência moderada, à moderada com a grave e assim por diante. Adianta salientar que só nos apercebemos de que todo o tipo de violência é muito grave quando as consequências são fatais e com incidência directa na nossa pessoa individual, na nossa família nuclear ou alargada, no nosso grupo afectivo.

Somos vítimas de assaltos, ferimentos graves, lesões emocionais por desprezo, violações, assassinatos… mas os violentadores estão cada vez mais perto de nós. Os serviços noticiosos reservam mais tempo de antena aos políticos. Como são violentas as suas declarações! A mentira é uma maneira muito utilizada de manifestar a violência.

Precisamos de estudar o fenómeno e ninguém deve eximir-se nessa tarefa. É necessário que debatamos mais sobre o assunto em família, na comunidade e em todas as instituições sociais. A Igreja desempenha um papel importante no cultivo da consciência moral. Estou certo que para além da Igreja Católica, outras denominações, de forma directa ou indirecta, também desempenham um papel importante para que o cidadão angolano seja moral e civicamente educado. Desde a mais nova à mais velha infância da pessoa humana.

Há poucas semanas assistimos a reacções violentas à mensagem “agressiva” dos bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé. Se não genuflexão, esperava-se pelo menos reflexão após interpretação da mensagem, mas há representantes do poder político que reagiram com violência verbal.

Ó Estado Angolano, valorize mais as ciências humanas, religiosas e sociais. Precisamos de estudar o homem a ponto de o educar a não recorrer à violência. No seio das famílias tem de haver circulação livre e ininterrupta de valores morais ou éticos, sem falsos moralismos. As escolas devem ser o baluarte disso tudo. Quarenta e cinco minutos semanais para a disciplina de Educação Moral e Cívica? Essa é uma das mil formas de fomentar violência. As políticas de segurança do cidadão têm de ser eficazes. O indivíduo tem de sentir que é defendido e protegido do crime organizado, que por sua vez tem de ser combatido com base em estudos viáveis e realizados a partir na nossa própria realidade. E temos mulheres e homens formados e por ir formando integralmente para o efeito.

A corrupção, a impunidade e a má gestão de recursos públicos também fomentam violência, ainda que dos tipos cultural, moral e sexual, uma vez que a violência física é a mais difícil de camuflar. É urgente promovermos mais o bom senso, a educação de senso moral. Desse modo, estaremos a ensinar as pessoas, dotadas de liberdade como dita a natureza humana, a optar pela não violência na resolução dos conflitos.

O aparato policial, bem como tudo nessa perspectiva, coage externamente para que evitar a violência, para punir por comportamentos violentos. Mas não é o suficiente. É importante, pertinente e necessário tatuar na consciência que o normal é fazer o bem e evitar o mal, nesse caso, a violência. Engajemo-nos todos nessa luta para que a não violência seja assumida livremente como lei interna, na consciência de cada cidadão angolano e em Angola.

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