A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, órgão (in)dependente do Presidente do MPLA, desistiu de um dos três processos cíveis instaurados contra Isabel dos Santos, por entender que os factos que nele constam coincidem com o processo-crime que decorre em simultâneo contra a empresária.
A PGR refere que as acções cíveis foram instauradas após providência cautelar de arresto decretada em 2019, tendo sido separadas em função das matérias e da complexidade dos factos. Situação que, depois de aturada e minuciosa análise, só agora descobriu…
Deram então origem a três acções declarativas de condenação que decorrem os seus trâmites no tribunal, designadamente os processos n.ºs 103/2020, 278-20-E e o 35/2020 G, tendo a PGR desistido deste último.
A PGR justifica a desistência devido “aos factos nele narrados terem sido simultaneamente objecto de processo-crime cuja instrução preparatória tramita na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal, sob o n.º 10/20-DNIAP.
A PGR adianta ainda que o arresto dos bens de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos e único responsável pela escolha de João Lourenço para o substituir, e pessoas com ela relacionadas, “não caducou e nem foi levantado em função de as duas acções declarativas de condenação continuarem a correr os seus trâmites legais”.
PGR “EXPLICA” PORQUE SÓ HÁ CORRUPÇÃO NO MPLA
O Procurador-Geral da República “explicou” no dia 16 de Novembro de 2021, com a mestria que se lhe reconhece, a razão pela qual os casos de corrupção só envolvem gente do MPLA. Diz o general Hélder Pitta Grós que o combate à corrupção em Angola “é selectivo” porque visa apenas os corruptos. OK. Estamos entendidos. É isso mesmo!
O PGR, que falava à margem de uma conferência internacional sobre a consolidação do Estado de direito nos PALOP e Timor-Leste, que se realizou em Luanda, respondia a uma questão de um jornalista que questionou Pitta Grós sobre críticas de alguns sectores da sociedade civil e da oposição angolana quanto à selectividade do combate à corrupção que tem visado familiares e colaboradores próximos do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, os tais marimbondos (e também caranguejos) de que fala o Presidente João Lourenço.
Além de – pensando melhor – rejeitar a selectividade, salientando que são apenas visados os corruptos, o general Pitta Grós afirmou que não existe em Angola o sentimento de impunidade que existia anteriormente, incluindo nas práticas de gestores públicos, que têm agora “outra atitude”. Anteriormente onde figuravam altos dirigentes do MPLA, como os generais Pitta Grós e João Lourenço, entre (tantos) outros.
Questionado pela Lusa sobre a demora nas investigações relacionadas com a empresária Isabel dos Santos, que é alvo de processos criminais e cíveis em Angola, adiantou que há questões relacionadas com a cooperação internacional que exigem tempo.
“E necessário fazer diligências e estamos dependentes de respostas do exterior, temos estado a fazer uma certa pressão para que essas respostas sejam dadas o mais rapidamente possível, mas não podemos fazer mais, temos de respeitar a soberania dos Estados, respeitar as suas instituições e, portanto, resta-nos aguardar. Mas não houve nenhum abrandamento, os processos continuam”, garantiu o general Pitta Grós, reafirmando que os processos são demorados porque dependem “bastante da cooperação internacional”.
Quanto aos activos recuperados, estimados em mais de 5 mil milhões de dólares, têm sido encaminhados, em valores monetários para uma conta do Banco Nacional de Angola (BNA), enquanto os valores patrimoniais têm sido entregues ou ao Cofre da Justiça ou a departamento ministeriais.
A lei angolana atribui 10 por cento dos valores recuperados à Procuradoria-Geral da República, enquanto órgão recuperador, que servem para reforço da sua capacidade e melhoria das condições de trabalho, mas até ao momento a instituição ainda não foi beneficiada. “Estamos ainda a ver como vamos fazer a operacionalização”, indicou então o general Hélder Pitta Grós.
A conferência internacional, que reuniu especialistas e altos quadros do sistema judiciário, bem como responsáveis políticos de Portugal e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste marcou a fase final do Projecto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito (PACED), financiado pela União Europeia e co-financiado pelo instituto Camões.
Hélder Pitta Grós sublinhou que o início do PACED foi para Angola “um despertar” para a necessidade do país se preparar para enfrentar um tipo de criminalidade para a qual não havia quase formação. Só havia, só há, muita prática…
“Serviu para esse despertar, serviu para darmos os primeiros passos e daí continuarmos a consolidar essa formação”, realçou o mesmo responsável.
A PGR do MPLA negou na altura ter recebido das autoridades judiciais portuguesas uma lista discriminada de fortunas de cidadãos nacionais domiciliadas em Portugal. De acordo com o general Hélder Pita Grós, que falava em Abril do ano passado ao órgão oficial do MPLA/Estado, o Jornal de Angola, a notícia então veiculada pelo jornal português Correio da Manhã (CM), “até ao presente momento a PGR não recebeu qualquer lista com este teor.”
Hélder Pita Grós reconheceu, no entanto, que “temos tido cooperação e colaboração pontual com as autoridades portuguesas em processos específicos.” “Por conseguinte, é frequente deslocarmo-nos a Portugal e a outros países no âmbito da aludida cooperação”, reforçou o general magistrado do Ministério Público.
O jornal português noticiou que a Justiça portuguesa, através do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), entregara a Angola listas das fortunas que vários cidadãos angolanos (listados pela PGR angolana) possuem em Portugal.
As listas, que constam de um relatório, têm mais de sete mil páginas e incluem detalhadamente todos os bens que existem em Portugal, com destaque para contas bancárias, aplicações financeiras em fundos de investimento, acções de várias empresas cotadas e não cotadas, imóveis e participações sociais.
O relatório, que cumpre com uma carta rogatória que a Procuradoria-Geral da República de Angola tinha pedido, há mais de um ano, às autoridades judiciais portuguesas, foi entregue em mão, segundo o CM, a um funcionário judicial da PGR de Angola que se deslocou propositadamente a Portugal.
São dezenas de nomes de cidadãos angolanos que constam da lista, entre eles os de familiares do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos. O grosso da informação disponibilizada, segundo o CM, refere-se a Isabel dos Santos. A filha do ex-Presidente fez investimentos nas empresas portuguesas NOS, Galp, Efacec, Millennium BCP, Banco BIC e noutras dezenas de empresas.
Segundo o general Hélder Pita Grós, “em Democracia, as instituições públicas exercem as suas funções norteadas pela prossecução do interesse público, pela transparência e pela prestação de contas à sociedade do cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais, na medida em que é em nome e em prol dos cidadãos que se estruturam e organizam os poderes públicos”.
Assim, “a Procuradoria-Geral da República, o fiscal-mor da legalidade democrática, obriga-se à criação de canais de comunicação e de interacção com os cidadãos, de modo a permitir o escrutínio da sua acção e a obter dos destinatários finais do seu papel social o retorno necessário ao aprimoramento e melhoria dos seus procedimentos”.
“Nesta era digital, a inauguração do portal da Procuradoria-Geral da República visa impulsionar e dinamizar o fornecimento de informações sobre o funcionamento desta Instituição, a sua composição em matéria de magistrados do Ministério Público, técnicos de justiça e outros servidores, bem como a divulgação de toda a actividade quotidiana com valor noticioso ou de interesse público”, afirmou o PGR.
Recorde-se que a PGR esclareceu no dia 25 de Junho de 2018 ter recebido da congénere portuguesa a certidão digital integral do processo envolvendo o antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente da República, Manuel Vicente, mas explicando – atente-se – que só com a recepção em formato de papel poderia continuar as diligências.
Em comunicado, a PGR confirmava ter recebida a certidão digital em 19 de Junho, na qualidade de “autoridade central para efeitos de cooperação judiciária internacional em matéria penal”, do processo que corria no tribunal de Lisboa, “na sequência da sua transferência para continuação do procedimento criminal em Angola”.
“A PGR de Portugal, no ofício de remessa do referido expediente, mencionou o envio do processo em suporte físico, isto é, da certidão integral em formato papel tão logo seja concluída a respectiva feitura”, lê-se num comunicado.
No entanto, a PGR angolana alertava que, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da CPLP, o pedido de auxílio é cumprido “em conformidade com o direito do Estado requerido”. E, na altura, “não existindo no ordenamento jurídico angolano regras processuais que admitam processos em formato digital, a PGR de Angola aguarda que lhe seja remetida pela sua congénere o processo em formato de papel, para ulteriores trâmites”…
Hoje tudo está diferente. “Um recurso extremamente útil e de reforço ao exercício da cidadania é o espaço (no Portal) para a apresentação de denúncias públicas, cuja confidencialidade a anonimização dos denunciantes é garantida pelo sistema informático e por técnicos especializados da Procuradoria-Geral da República, permitindo ainda que o interessado faça o acompanhamento do tratamento dado à sua denúncia por via do portal”.
Folha 8 com Lusa