QUEM ESTÁ NO PODER É SEMPRE BESTIAL

A embaixadora da União Europeia em Angola, Jeannette Seppen, reconhece hoje o mesmo que reconhecia quando José Eduardo dos Santos era presidente. Ou seja, que “Angola está num bom caminho em matérias de Direitos Humanos”. Acrescenta, como antes, que “ainda há coisas por fazer”.

Em declarações à imprensa, no fim do IV Diálogo Estratégico Caminho-Conjunto, entre Angola e a União Europeia, a diplomata disse que o trabalho que ainda precisa de ser feito enquadra-se nesta parceria que passa, também, por falar dos passos e avanços que já foram dados, como os Comités Locais de Direitos Humanos.

“Temos a impressão que as coisas estão a correr bem e como parceiros e amigos estamos aqui para acompanhar e continuar a dar outros passos”, avaliou Jeannette Seppen, para quem a igualdade de género continua a ser um dos grandes desafios do Executivo em matéria de Direitos Humanos. Além disso, sublinhou, ficam, ainda, outros desafios, como “o grande assunto deste ano: as eleições gerais”.

Menor continua a ser a emblemática existência de 20 milhões de pobres, cujos direitos humanos são garantidos graças à tese do MPLA (no Poder há 46 anos) de que vai conseguir ensinar os angolanos pobres a viver sem… comer.

A União Europeia, assegurou a embaixadora, está alinhada com as temáticas e a todas as oportunidades, assim como aos desafios de Angola. Nesta senda, disse, a UE tem acompanhado o país, através do diálogo, por meio do qual são partilhadas ideias através do seu programa de cooperação.

Para a UE basta a garantia de que, como faz o ministro Francisco Queiroz, o MPLA aposta na consolidação das instituições e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos para a efectiva concretização dos Direitos Humanos.

O ministro referiu que Angola e a UE entraram num diálogo mais interactivo e qualitativamente superior de conversações. “Já não é aquela situação policial”, considerou.

Na óptica do governante, o encontro com Jeannette Seppen marcou um ponto de viragem no modelo de diálogo que passa a ser mais interactivo, no sentido de as partes apresentarem as preocupações e ideias de cooperação em matérias de Direitos Humanos e democracia.

A Estratégia Nacional, reforçou o ministro, abrange a democracia e os Direitos Humanos e tem sempre como pano de fundo a democracia e boa governação. Com base nisso, referiu, o Governo angolano propôs à União Europeia adaptar o Diálogo à visão da Estratégia Nacional dos Direitos Humanos, porque a UE também tem a sua própria estratégia de Direitos Humanos e democracia.

Francisco Queiroz lembrou que os Comités Locais dos Direitos Humanos já existem nas 18 províncias e em 124 dos 164 municípios do país. A pretensão passa para o alargamento ainda este ano em todos os municípios e comunas. Neste momento, disse, os comités estão implantados em apenas 26 comunais.

Em Novembro de 2020, Jeannette Seppen – depois de um prolongado, e conveniente, período de sonambulismo – apelou ao respeito pelos direitos humanos e liberdade de expressão apesar das restrições impostas pela Covid-19, reconhecendo que existem “algumas preocupações” neste domínio que foram expressas junto do Governo angolano.

Jeannette Seppen falava após mais um encontro com o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, em Luanda, Francisco Manuel Monteiro de Queiroz, e que teve (também mais uma vez) como objectivo avaliar a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos e o seguimento das recomendações da Avaliação Periódica e Universal do III Ciclo.

No encontro anual da delegação da União Europeia com o Governo do MPLA foram (terão sido) tratados vários aspectos dos direitos humanos num diálogo que Jeannette Seppen considerou “muito rico”.

Entre os assuntos abordados foi focado o impacto da pandemia de Covid-19 em Angola, nomeadamente na saúde, economia e na liberdade de expressão e de reunião, mas também o plano de combate ao tráfico de seres humanos.

Só faltou mesmo, aproveitando o enorme guarda-chuva que tudo desculpa e justifica e que dá pelo nome de Covid-19, abordar o impacto do achatamento polar das batatas na produção de frangos, das chuvas na queda de pontes, da neblina na plantação de couves com a raiz virada para cima.

“Foi um intercâmbio muito aberto, muito rico”, afirmou Jeannette Seppen, assinalando que há a garantia (há sempre e pelo menos há 46 anos) da parte angolana de que os compromissos no que diz respeito aos direitos humanos vão continuar a ser respeitados.

Será possível continuar alguma coisa que não existe, de facto? Será possível continuar a mandar, como fez um célebre general das FAPLA (MPLA), atacar o Cuito Cuanavale por mar? Se calhar é…

“Nós expressámos as nossas preocupações e sublinhámos mais uma vez a importância do respeito dos direitos humanos, mesmo numa fase muito difícil que também nós passamos na Europa. Há mais desafios do que antes”, comentou a embaixadora da UE.

Jeannette Seppen realçou que certas liberdades, como a liberdade de expressão e de reunião não podem sair dos padrões internacionais e “têm de ser respeitadas”.

“Exprimimos com muita clareza as preocupações com os acontecimentos de 24 de Outubro e 11 de Novembro (de 2020) e o senhor ministro [da Justiça] respondeu de maneira muito positiva, dizendo que essas liberdades não desaparecem quando há desafios, têm de continuar a ser respeitadas”, indicou.

A responsável europeia sublinhou também que a polícia “tem de ser um serviço”, acrescentando que a União Europeia está disponível para apoiar a formação das forças policiais.

Em 24 de Outubro e 11 de Novembro duas manifestações em Luanda que tinham sido proibidas pelas autoridades angolanas, invocando as medidas vigentes na situação de calamidade pública, foram violentamente reprimidas pela polícia, com recurso a gás lacrimogéneo e uso de fogo real.

Um estudante de 26 anos foi assassinado a tiro na sequência de confrontos entre polícias e os grupos de jovens que queriam manifestar-se pela melhoria das condições de vida.

A polícia garantiu ter usado apenas meios não letais e negou responsabilidades na morte do jovem, mas testemunhas que se encontravam no local garantiram que Inocêncio de Matos foi baleado.

O relatório médico produzido no hospital Américo Boavida referia que o estudante morreu devido a uma agressão com um objecto contundente não especificado, mas a família rejeita estas explicações. Aqui no Folha 8 nunca ninguém ouviu chamar a uma bala um objecto contundente. Mas se o MPLA o diz…

Cooperação União Europeia/MPLA

A cooperação entre Angola e a União Europeia tem conhecido “mudanças qualitativas” com a introdução de métodos inovadores de relacionamento, afirmou no dia 8 de Setembrode 2020 o ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António.

É de crer que por serem tão inovadores ainda não chegaram a Luanda. Consta que, devido à Covid-19, vêm de bicicleta mas que os pneus… furaram.

Segundo o governante angolano, que falava na abertura da 5.ª Reunião Ministerial Angola-União Europeia, por videoconferência entre Luanda e Bruxelas, no âmbito do programa “Caminho Conjunto”, o encontro teve em vista uma cooperação mais activa e participativa. Isto, é claro, desde que a UE aceite fazer o que o MPLA quer e este continue a fazer o que muito bem entende.

“A República de Angola tem a UE como um parceiro importante para o seu desenvolvimento económico e social, consiste num modelo de cooperação de vantagens mútuas para o progresso e bem-estar das nossas populações”, afirmou Téte António que teve como interlocutor o Alto Representante para a Política Externa e Segurança Comum, Josep Borrel.

O ministro angolano deu conta de que a cooperação entre Luanda e Bruxelas, “não apenas caracterizada pela componente económica”, tem conhecido “mudanças qualitativas” com a introdução de métodos inovadores de relacionamento.

As relações entre Angola e a UE “são abrangentes, tal como a União Europeia o quer fazer com toda a África, se falarmos da futura cimeira da União Europeia e União Africana”.

A Agenda Nacional de Desenvolvimento da República de Angola, disse o governante angolano, “não assenta somente na necessidade de expectativas nacionais de crescimento, mas também nas oportunidades decorrentes da dinâmica económica regional” e da possibilidade de criação de parceria ainda mais estreitas e bem diversificadas.

“Continuamos engajados no nosso desejo permanente e franco de continuar a reforçar a nossa cooperação multiforme baseada no respeito mútuo”, concluiu.

O programa “Caminho Conjunto” Angola-União Europeia foi assinado, em Julho de 2012, em Bruxelas, com o intuito de reforçar o diálogo e a cooperação entre as partes.

Recorde-se que em 18 de Novembro de 2015, apenas, como esperado, com os votos do MPLA, a Assembleia Nacional manifestou “profunda preocupação” com as entidades europeias que, afirmou, pretendem denegrir a “imagem e o bom-nome” de Angola (na altura não se falou do artigo 333 do Código Penal), matérias que qualifica como “crime público pela legislação angolana”.

Como escreveu o Folha 8 nesse dia, talvez fosse altura de o regime apresentar queixa internacional contra o Parlamento Europeu e, no caso de algum dos seus membros entrar no país, detê-lo pelo tal “crime público”. Seria uma forma de mostrar aos europeus que essa coisa da liberdade de expressão e de informação, bem como de direitos humanos, não se aplica a Angola.

A posição do regime consta de uma resolução, em resposta a uma outra resolução do Parlamento Europeu – adoptada por maioria absoluta, em Setembro de 2015, sobre violação de liberdades e direitos humanos pela autoridades angolanas -, e que foi aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, com 145 votos a favor (MPLA, no poder desde 1975), 27 contra e duas abstenções, estes da oposição.

O documento do regime, debatido sob forte contestação do partido dono disto tudo, o MPLA, considerando nomeadamente que a resolução do Parlamento Europeu pedia a libertação de pessoas suspeitas de crime contra a segurança nacional sem pronunciamento prévio dos tribunais, refere que o mesmo “viola flagrantemente os princípios da boa-fé e da não-ingerência nos assuntos internos, da igualdade de Estados”.

Continuamos a pensar que essa era a altura de citar o então embaixador itinerante do regime, Luvualu de Carvalho, e lembrar a Europa que os países de África já não são colónias europeias e, ainda, avisar a NATO para se portar bem se, é claro, não quiser levar porrada.

Acrescentava o MPLA que a resolução do Parlamento Europeu “é um acto unilateral, carecendo de legitimidade para com o Estado angolano e, em particular, com a Assembleia Nacional, única, legítima representante e defensora de todos os cidadãos angolanos”.

O Parlamento Europeu tinha aprovado em 10 de Setembro (2015) uma resolução sobre as “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação.

A resolução, que reuniu 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções, além de destacar as limitações de liberdades, notou (coisa estranha) o nível de corrupção e as deficiências no sistema anti-branqueamento de capitais em Angola.

Mais uma vez os europeus meteram o pé na argola ao falarem de coisas que não existem em Angola. Onde terão eles descoberto que existe corrupção e branqueamento de capitais? Francamente. Todo o mundo democrático, a começar na Coreia do Norte e a terminar na Guiné Equatorial, sabe que nunca o Presidente do MPLA permitiria tal coisa. Conta, aliás, com o apoio do Titular do Poder Executivo e também do Presidente da República.

A resolução então aprovada pelo parlamento do regime sublinhava ainda que o documento europeu punha em risco as boas relações políticas e diplomáticas entre o Estado angolano e as instituições da União Europeia ou cidadãos dos Estados-membros.

O Parlamento Europeu foi exortado a respeitar as decisões e resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, instituído e aceite pelos membros da ONU e competente para analisar a situação dos direitos humanos a nível internacional.

Na resolução, os membros do Parlamento Europeu são convidados a visitarem Angola e as instituições, no quadro da cooperação parlamentar.

A resolução recomendou ao executivo angolano o reforço do diálogo entre o Conselho Europeu e a Comissão das Comunidades Europeias nos termos dos Acordos de Cotonou e do “Caminho Conjunto Angola-União Europeia”.

O Parlamento sublinhou que Angola é parceira da União Europeia desde longa data, relação guiada pelo Acordo de Cotonou no âmbito multilateral.

Ainda em Setembro de 2015, em carta endereçada ao seu homólogo europeu, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, repudiou a resolução tomada por aquele órgão.

Mencionando casos de jornalistas e activistas de direitos humanos, o Parlamento Europeu manifestou a sua “profunda preocupação com o rápido agravamento da situação em termos de direitos humanos, liberdades fundamentais e espaço democrático em Angola, com os graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de independência do sistema judicial”.

No texto, os eurodeputados pediam às autoridades angolanas para “libertarem imediata e incondicionalmente todos os defensores dos direitos humanos” e prisioneiros de consciência ou opositores políticos “arbitrariamente presos”.

A moção instava ainda Luanda a garantir que não serão praticados tortura e maus-tratos contra os detidos, a realização de “inquéritos céleres, imparciais e exaustivos” sobre as alegações de violação de direitos humanos cometidos por forças de segurança.

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